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Maior concorrência de fintechs com bancos ajudará juro a cair, diz entidade

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

16/12/2018 04h00

Elas chegaram devagar, sem fazer alarde e logo incomodaram os grandes bancos. As fintechs (empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros) têm conquistado cada vez mais espaço no mercado financeiro, com serviços e produtos inovadores, eficientes e, principalmente, mais baratos para o consumidor.

Será que, em algum momento, as fintechs eliminarão os grandes bancos? As instituições aceitarão, passivamente, essa ocupação do seu território? Ou haverá um contra-ataque para liquidar esses pequenos "invasores"?

Essas foram algumas das questões levantadas durante o seminário "Contrafluxo - As fintechs não vão acabar com os bancos, todos vão trabalhar juntos", promovido pela ABFintechs (Associação Brasileira das Fintechs), Idexo e Totvs, em São Paulo, na sexta-feira (14).

Especialistas presentes ao evento garantem que o convívio entre bancos e fintechs já foi mais tenso. Hoje, essa relação caminha para a cooperação e para uma competição saudável, cujo grande vencedor será o consumidor, que verá as taxas de juros e os custos de produtos financeiros caírem.

Convivência pacífica

"Nenhuma fintech, em nenhum lugar do mundo, quebrou um banco até hoje. E isso não vai acontecer. O importante é que bancos e fintechs se aproximem e entendam as demandas de cada um", disse Bernardo Pascowitch, diretor da ABFintechs.

Pelo lado dos bancos, o discurso também sinaliza que haverá uma boa convivência daqui para frente. No início do mês, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) defendeu o aumento da concorrência no setor como forma de estimular a redução dos juros no Brasil.

Segundo a Febraban, com mais competidores e, ao mesmo tempo, medidas para estimular a demanda por crédito no país, as taxas poderão cair mais rapidamente. "A Febraban e seus associados são 100% a favor da ampliação da concorrência", declarou Murilo Portugal, presidente da Febraban, em evento de fim de ano da entidade.

Juros menores

A agilidade natural das fintechs, por terem estrutura mais enxuta e serem focadas na eficiência, está obrigando os bancos a se mexerem. Um dos pontos defendidos pelos especialistas é que, quanto mais opções o consumidor tiver para obter crédito, menores tendem a ser as taxas cobradas.

"Ainda vemos hoje uma lentidão no repasse da queda dos juros para o consumidor. Embora a Selic tenha caído bastante, o recuo das taxas cobradas do consumidor não ocorreu na mesma proporção", disse Eduardo Montenegro Dotta, sócio do Dotta, Donegatti e Lacerda Advogados e professor do Insper.

"Mas isso tende a mudar com o aumento de participantes no mercado. O que o Brasil precisa é de maior concorrência para que aconteça no mercado de crédito o mesmo fenômeno ocorrido no segmento de corretagem, onde a XP 'roubou' investidores dos grandes bancos", afirmou o advogado.

Apoio do Banco Central

Quem acompanha o segmento de fintechs afirma que o Banco Central teve papel decisivo na melhora da relação com os bancos. O regulador do mercado financeiro mostrou que está disposto a apoiar todas as iniciativas que tragam inovação, agilidade e principalmente, redução de custos ao consumidor.

"A agenda de inovação tem sido apoiada pelo Banco Central. Temos participado ativamente dessa agenda com o regulador. Ele tem sido muito receptivo às nossas sugestões", declarou Mathias Fischer, diretor de regulação da ABFintechs.

"O Banco Central agiu rápido e impediu que os bancos criassem barreiras ao crescimento das fintechs", afirmou Daniel Gomes, cofundador da Nexoos. Entre as ações tomadas recentemente pelo Banco Central estão a regulamentação das contas de pagamento e das fintechs de crédito.

"Somos todos a favor da competição, como foi colocado pelo Murilo [Portugal]. Ela gera mais eficiência e melhores produtos", declarou Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, em evento realizado pela Febraban no início de dezembro.

Expectativa de continuidade com Bolsonaro

Os participantes do mercado de fintechs esperam que o governo de Jair Bolsonaro continue apoiando o segmento, promovendo uma regulamentação que permita abrir novos mercados e aumentar a concorrência com os bancos, mas sem prejudicar a inovação.

"Esperamos que o Banco Central mantenha a mesma linha de atuação da gestão atual, tendo em vista o perfil mais liberal do novo governo", disse Dotta.

O advogado elogiou a elaboração da Resolução 4656, anunciada em abril deste ano, que regulamentou o funcionamento das fintechs de crédito sem a necessidade de apoio de um banco para oferecer o produto.

"Foi uma medida muito positiva para o setor e principalmente para o consumidor. Há cerca de 30 fintechs na fila aguardando a autorização do BC. O aumento da concorrência deve favorecer a queda das taxas de juros no crédito", disse Dotta.

Regulação na dose certa

Outros assuntos em discussão no Banco Central que estão no radar das fintechs são a introdução do sistema de pagamentos instantâneos, que permitirá fazer transferências inclusive de noite e nos fins de semana, e o "open banking", que abrirá as bases de dados dos clientes de uma instituição para o restante do mercado financeiro, estimulando a concorrência em diversos produtos financeiros.

"O papel do Banco Central é muito delicado porque, ou ele regula demais uma determinada atividade e acaba matando a inovação, ou não regula e deixa de trazer a segurança jurídica necessária para que as fintechs cresçam", disse Fischer.

Sobrevivência dos melhores

Apesar do otimismo, os especialistas admitem que não há espaço no mercado brasileiro para as mais de 400 fintechs existentes hoje. Em algum momento, haverá uma seleção natural do mercado, restando algumas dezenas de empresas especializadas em nichos.

"Assim como tivemos o boom das hamburguerias e das lanchonetes de açaí, estamos tendo o boom das fintechs. Ficarão aquelas que se diferenciarem", disse Jeanne Ferreira, gestora executiva de serviços financeiros da Totvs.

Segundo ela, os empreendedores de fintechs precisam lidar entre o dilema de continuarem 100% independentes, de se associar a um investidor ou de vender o seu negócio para um grande banco. 

"Claro que ter capital é importante para a inovação. Mas sempre há o risco de ser seduzido pelo canto da sereia e acabar se acomodando. Essas empresas tendem a desaparecer ou virar instituições financeiras tradicionais", afirmou Jeanne.

Concorrentes e também clientes

A aproximação entre bancos e fintechs deve se intensificar por causa da necessidade das grandes instituições de se adaptarem às novas tecnologias e de cortar custos.

"As fintechs são fontes de inspiração. Não são ameaça aos bancos. Elas complementam negócios, são fornecedoras de soluções. Todo banco mais atualizado tecnologicamente tem algumas fintechs como suas fornecedoras", declarou Gustavo Machado, superintendente de inovação do Banco ABC Brasil

"As fintechs trouxeram inquietude aos bancos, forçando uma mudança no 'mindset' [modo de pensar] para entender o que os clientes querem. Elas vão ajudar a promover a democratização do mercado financeiro", disse Jeanne, da Totvs.