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Cadastro positivo, que mostra bom pagador, pode expor sua vida financeira?

Juliana Elias

Do UOL, em São Paulo

15/03/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Cadastro positivo, que era opcional, passará a ser automático
  • Entidades se preocupam com falta de clareza nas regras para uso e proteção dos dados
  • Cadastro é formado por informações financeiras como compras, parcelas e datas de pagamento
  • Falta de transparência na forma como dados são usados é reclamação comum

O cadastro positivo, banco de dados que reúne as informações de crédito dos bons pagadores, deve agora passar a ser automático, o que pode expor dados financeiros dos consumidores e prejudicar sua segurança digital, dizem especialistas.

A proposta, aprovada no Senado, altera a lógica do cadastro: hoje, ele só pode ser aberto mediante solicitação dos interessados. Com as novas regras, qualquer pessoa com CPF pode ser incluída no sistema, e quem não quiser participar é que terá que pedir a retirada. O texto vai agora para sanção presidencial. Os bons pagadores teriam a vantagem de obter juros mais baixos.

Empréstimos a juros mais baixos

O cadastro já existe desde 2013, mas, como não era automático e a pessoa tinha de se inscrever nele, pouca gente usou. A intenção era criar uma base de dados com pessoas que pagam as contas em dia e estimular empréstimos a juros mais baixos para elas.

Para os defensores da mudança, como empresas de crédito, torná-lo automático vai ampliar o uso. Para os críticos, como associações de defesa do consumidor, o texto é vago em alguns pontos e o trânsito automático de informações em larga escala pode deixar as informações das pessoas desprotegidas.

Como e quem vai usar seus dados?

"Há sempre uma preocupação com o que envolve manipulação de dados", disse o assessor-chefe do Procon-SP, Marco Antônio Araujo Júnior. Ele aponta questões:

  • Quem vai usar seus dados?
  • Quantos dados serão usados?
  • De que maneira?

Bárbara Simão, pesquisadora de direitos direitos digitais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), afirmou que o projeto aprovado é vago sobre que informações serão utilizadas.

"O projeto veda o uso de 'informações excessivas', que seriam aquelas não relacionadas à nota de crédito da pessoa, mas não é dito de maneira expressa o que seria isso", disse ela.

Podem conhecer suas preferências na internet

Essa falta de definição, afirmou, deixa espaço para que as empresas decidam o que é relevante ou não, e pode acabar chegando a informações como dados de navegação e preferências dos usuários na internet, por exemplo.

Para o Idec, também faltou à nova lei criar mecanismos de proteção para o caso de roubo e vazamento de dados, afirmou Bárbara.

Cadastro tem sua vida financeira

O cadastro positivo é um banco de dados com informações do histórico financeiro da pessoa. Ele tem dados como:

  • Empréstimos tomados
  • Data de compra e financiamento
  • Prazos para pagar
  • Valor das parcelas
  • Quantidade de parcelas
  • Pontualidade com que foram pagas
  • Dados cadastrais (CPF, endereço e contatos)

As informações serão fornecidas por empresas de sua relação:

  • Bancos
  • Lojas de varejo
  • Concessionárias de luz e telefone

Score mostra se você é bom pagador

As informações são geridas pelos chamados birôs de crédito (como Serasa, Boa Vista e SPC Brasil), e são usadas por eles para formar o chamado score, uma pontuação de zero a 1.000 para o nível de pontualidade nos pagamentos de cada pessoa. Quanto maior a nota, mais pontuais os pagamentos, e maiores as chances de o cadastrado receber empréstimos e conseguir juros mais baixos.

É esse score que será consultado para dar crédito ou não a você. Qualquer pessoa pode também consultar a própria pontuação, inclusive pela internet.

Consumidor não sabe critérios do score

A falta de clareza em como essa pontuação é formada é outro ponto questionado. "Falta transparência, o consumidor não sabe como aquela pontuação é formada e pode acabar sendo prejudicado por isso", disse Araujo, do Procon-SP.

Quanto tempo de atraso em um pagamento faz a pontuação cair? As razões para esse atraso são consideradas, como alguém que não pagou, por exemplo, por falha no débito automático? São questões que Araújo menciona.

Empresas garantem privacidade

As empresas de crédito afirmam que há um reforço grande de exigências e direitos por trás das trocas de dados, o que protegeria o consumidor.

"As gestoras que vão operar o cadastro devem ser credenciadas e aprovadas pelo Banco Central e haverá um critério muito rigoroso para isso", disse o vice-presidente de informações sobre o consumidor da Serasa Experian, Vander Nagata.

Ele afirmou que as informações que compõem o histórico de cada cadastrado, como o valor de empréstimos e as datas de pagamento, "só são compartilhadas com outras empresas sob autorização do cliente".

Além disso, o acesso não é livre para qualquer empresa. "Para terem acesso, elas precisam ter legítimo interesse na operação, isto é, estarem fazendo negócio, aprovando crédito e tomando risco com a pessoa daquele CPF", disse Nagata.

Política de proteção de dados daria garantias

O procurador do MPF (Ministério Público Federal) Carlos Bruno Ferreira disse que um complemento importante a essa nova configuração do cadastro positivo será a política nacional de proteção de dados, sancionada em agosto do ano passado e que entra em vigor em 2020.

Ela assegura que dados pessoais como nome ou endereço não serão usados por empresas ou governo sem consentimento.

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