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Analistas cortam previsão para o PIB após 'excesso de confiança' no governo

Pablo Valadares/Agência Câmara
Imagem: Pablo Valadares/Agência Câmara

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

15/05/2019 04h00

O governo já trabalha oficialmente com uma expectativa mais fraca para a economia, de crescimento de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, confirmando o que os economistas do mercado financeiro já vinham apontando nas últimas semanas. No começo de 2019, a previsão era de que a economia cresceria cerca de 2,5%. Por que as projeções se deterioraram tão rapidamente?

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, houve um excesso de confiança após a eleição de Jair Bolsonaro. Acreditava-se que a reforma da Previdência seria aprovada rapidamente e, com isso, tanto o consumo das famílias como o investimento dos empresários seriam retomados.

Entretanto, o que se observa é a dificuldade do governo em fazer a reforma avançar, o que gera receio dos empresários em ampliar sua produção. As famílias permanecem em situação difícil devido aos elevados níveis de desemprego e endividamento.

O que estamos assistindo agora é muito parecido com o que vimos após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Houve um excesso de otimismo com as projeções para o PIB de 2017, mas elas não se confirmaram
Rafael Gonçalves Cardoso, economista da Daycoval Investimentos

Excesso de confiança

Na avaliação de Cardoso, os economistas foram, de certa forma, induzidos ao erro. Houve um aumento significativo nos índices de confiança dos empresários e dos consumidores após os dois eventos --o impeachment de Dilma, em 2016, e a eleição de Bolsonaro, em 2018.

Quando a confiança sobe, você espera que ela se traduza em aumento da atividade mais adiante. O problema é que a confiança é uma condição necessária, mas não é condição suficiente para que a economia cresça. O país ainda sofre com o desemprego elevado e a grande ociosidade nas indústrias
Rafael Gonçalves Cardoso, da Daycoval Investimentos

Alexandre Espirito Santo, economista da Órama e professor do Ibmec-RJ, diz que chegou a projetar um crescimento de 2,9% para o PIB deste ano. "Acreditava que a reforma da Previdência seria aprovada rapidamente e sem desidratação."

Aí veio a realidade, muito diferente do que eu imaginava. A articulação política do governo [para aprovar a reforma da Previdência] tem se mostrado muito fraca. Os ruídos dos filhos [de Bolsonaro], do Olavo de Carvalho, dos militares, tudo isso só atrapalha. O encanto [com o governo] se quebrou e derrubou as expectativas
Alexandre Espirito Santo, economista da Órama

Expectativa em queda

Essa quebra de confiança pode ser vista no Boletim Focus do Banco Central, que contabiliza semanalmente as projeções dos economistas de cerca 140 instituições financeiras. No começo do ano, a mediana das expectativas para o crescimento do PIB em 2019 estava na casa de 2,5%. O número foi caindo nas últimas 11 semanas e chegou agora a 1,45%.

Economia pode ter encolhido no 1º trimestre

Os dados mais recentes da economia mostram que o volume de serviços encolheu 0,6% no primeiro trimestre, revertendo a tendência de crescimento vista nos dois últimos trimestres de 2018.

A ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada ontem pelo Banco Central, apontou uma probabilidade relevante de que a economia tenha se contraído ligeiramente no primeiro trimestre.

"Eu estou com medo do PIB do primeiro trimestre. Estou trabalhando zerado [com projeção de crescimento zero], mas a ata do Copom já fala em um provável número negativo", disse Espirito Santo.

Eu acredito realmente que o país encolheu no primeiro trimestre. O dado do setor de serviços, que é um setor relevante da economia, mostrou uma queda significativa. A economia está nitidamente com um problema de tração
André Perfeito, economista da Necton Investimentos

O resultado do PIB do primeiro trimestre deve ser divulgado no dia 30 de maio pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Produção e consumo continuam fracos

Segundo Perfeito, o crescimento da economia depende basicamente de quatro fatores: o consumo das famílias, o investimento dos empresários na produção, a balança comercial (exportações menos importações) e o gasto do governo.

Na avaliação do economista, o consumo das famílias vai ficar no "zero a zero", pois o desemprego continua alto e o aumento dos salários tem sido muito pequeno.

O governo está em uma situação fiscal complicada, que impede de gastar, por exemplo, com grandes obras, que poderiam ajudar a economia a ganhar força.

O teto de gastos, aprovado durante o governo de Michel Temer, tem forçado o governo a cortar despesas para conter o déficit nas contas públicas.

Já a balança comercial deve melhorar, nem tanto pelo aumento das exportações, mas devido, principalmente, à queda das importações, como reflexo da economia desaquecida.

A situação mais preocupante é o investimento privado. Se o empresário está com máquinas ociosas [paradas] na sua fábrica, não há motivo para ele pensar em expandir a fábrica. Não há nenhuma maldade por parte dos empresários em relação ao governo. Simplesmente não faz sentido investir agora
André Perfeito, economista da Necton Investimentos

Reforma da Previdência é o suficiente?

Outro problema, na visão dos economistas, é a crença excessiva de que a reforma da Previdência funcionará como "estopim" para a retomada do crescimento.

"Temos visto muitos discursos nessa linha: 'só invisto quando a reforma da Previdência for aprovada'. O problema é que já vimos isso antes, com outros temas: com a reforma trabalhista, com a eleição de Bolsonaro", afirmou Cardoso, do Daycoval.

Quando a reforma da Previdência sair, quem será o primeiro [empresário] a ter a coragem de disparar o gatilho? Provavelmente, surgirá outra questão no radar, como a reforma tributária, para adiar investimentos
Rafael Gonçalves Cardoso, da Daycoval Investimentos

"O fato é que a reforma da Previdência, por si só, não vai gerar demanda. Pelo raciocínio do [ministro da Economia, Paulo] Guedes, não basta a volta da confiança. Mesmo que ela volte, o ritmo da economia ainda será medíocre. Há uma insuficiência de demanda", afirmou ele.

Sem governo como 'bengala'

Na opinião de Cardoso, o país vive uma mudança de paradigma em relação à forma como os empresários investem. "O empresário sempre usou o governo com uma espécie de bengala. Sempre buscava apoio em desonerações [cortes de impostos] setoriais ou em empréstimos subsidiados do BNDES", afirmou.

Esse governo já sinalizou que o empresário vai ter que caminhar com as próprias pernas, buscar dinheiro no mercado de capitais, se adaptar a uma nova realidade. Isso é positivo, mas leva tempo
Rafael Gonçalves Cardoso, da Daycoval Investimentos