IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Ex-diretores do BC se dizem "estarrecidos" com suposto vazamento do Copom

Antonio Temóteo

Do UOL, em Brasília

03/10/2019 18h27

Resumo da notícia

  • Ex-diretores do BC disseram estar "estarrecidos" com suposto vazamento de decisões do Copom
  • Segundo eles, um presidente do BC não tem como antecipar decisões sobre a taxa básica de juros antes das reuniões do Copom
  • Eles declararam que, mesmo em reuniões com o presidente da República, o presidente do BC faz apenas comentários sobre a economia
  • Eles relembraram que as relações entre BC e Fazenda estavam estremecidas no governo do PT por divergências na condução da política econômica
  • De um lado, o BC tentava controlar a inflação, enquanto a Fazenda gastava em excesso para tentar estimular o crescimento econômico

Dois ex-diretores do BC (Banco Central) ouvidos reservadamente pelo UOL afirmaram estar "estarrecidos" e "assustados" com a notícia do suposto vazamento das decisões do Copom (Comitê de Política Monetária) sobre a taxa básica de juros (Selic).

Segundo eles, um presidente do BC não tem como garantir qual será o resultado de uma reunião antes de ela ocorrer, mesmo em condições econômicas favoráveis, com inflação controlada. Um deles também afirmou que a relação entre os técnicos do BC e do Ministério da Fazenda era tensa na época.

"Naquela época, vivíamos um momento complicado, com uma divisão explícita entre o BC e o Ministério da Fazenda. De um lado, tentávamos controlar a inflação. Do outro, tínhamos a Fazenda gastando demais e pressionando a inflação", disse.

Investigação após delação de Palocci

Informações obtidas no acordo de colaboração do ex-ministro Antonio Palocci serviram como base para uma investigação sobre vazamentos de resultados de reuniões do Copom. O banco BTG Pactual é alvo da operação da PF (Polícia Federal). A investigação está sob sigilo.

Segundo a PF e o MPF (Ministério Público Federal), os vazamentos teriam acontecido entre 2010 e 2012, período que abarca os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). O esquema tinha como objetivo oferecer vantagens para "banqueiros e agentes públicos do alto escalão do governo federal da época".

Segundo a investigação do MPF, informação repassa a André Esteves, então presidente do BTG, seria usada em investimentos do Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado Bintang.

Fundo teve retorno de 402% em 2011

Segundo dados da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o Fundo de Investimento Multimercado. Crédito Privado Bintang foi aberto em agosto de 2010 e encerrado em fevereiro de 2013. Ele teve como gestor e único cotista Marcelo Augusto Lustosa de Souza, e era administrado pelo BTG Pactual.

O fundo começou com R$ 3,9 milhões e tinha R$ 50 milhões em abril de 2012. Em 2011, teve um retorno de mais de 402%. Parte dessa rentabilidade veio após o Copom reduzir os juros 12,5% para 12% ao ano, em agosto de 2011, em decisão que surpreendeu o mercado.

Tensão entre BC e Fazenda

No período mencionado pelos investigadores, a Fazenda era comandada por Guido Mantega, e o Banco Central, por Henrique Meirelles (até o final de 2010) e Alexandre Tombini (a partir de 2011). Mantega teria vazado informações para André Esteves, do BTG, segundo a delação de Palocci.

Um dos ex-diretores do BC ouvidos pelo UOL disse que, nessa época, as diferenças entre as partes eram tão grandes que diretores do BC e secretários da Fazenda não se cumprimentavam e reuniam-se apenas em reuniões técnicas, como do CMN (Conselho Monetário Nacional).

"Existia uma divisão clara entre o BC e a Fazenda. As reuniões eram muito protocolares. Vale lembrar que havia uma pressão do ministro da Fazenda para substituir o presidente do BC tanto no governo Lula, como no governo Dilma", afirmou um deles.

Regras rígidas contra vazamento

Os ex-diretores do BC também declararam que a reunião do Copom possui regras extremamente rígidas para que não ocorra vazamento. O uso de celular é proibido durante a reunião, e os diretores só deixam a sala após a divulgação do comunicado à imprensa, com a publicação das primeiras matérias sobre o tema.

"Os presidentes do BC são excessivamente cautelosos mesmo quando se reúnem com o presidente da República. O que ocorre nesses encontros é uma sinalização de como a economia se comporta e se comportará nos meses seguintes. Mas antecipar uma decisão do Copom é um completo absurdo, porque ele não sabe como os demais diretores votarão", declarou.

O que diz o BTG Pactual

Em nota ao UOL, o BTG Pactual disse que recebeu "pedidos de informação do MPF referentes a operações realizadas pelo Fundo Bintang FIM". "O fundo possuía um único cotista pessoa física, profissional do mercado financeiro que também era o gestor credenciado junto à CVM [Comissão de Valores Mobiliários], que nunca foi funcionário do BTG Pactual ou teve qualquer vínculo profissional com o banco ou qualquer de seus sócios".

Segundo o BTG, o banco "exerceu apenas o papel de administrador do referido fundo, não tendo qualquer poder de gestão ou participação no mesmo".

O que diz Henrique Meirelles

Advogado do ex-ministro Guido Mantega, o criminalista Fábio Tofic Simantob disse ao UOL que "Palocci fez um admirável feito". "Conseguiu juntar fatos aleatórios, sem qualquer relação uns com os outros, para criar uma narrativa falsa mas que fosse capaz de seduzir a polícia, já que nem o MPF caiu na sua ladainha."

Por meio da Secretaria da Fazenda de São Paulo, pasta que comanda atualmente, o ex-presidente do BC Henrique Meirelles disse que "a hipótese de ingerências políticas e vazamentos de informações privilegiadas do Copom é absurda e incompatível com o modelo de gestão do Banco Central naquele período".

De acordo com o comunicado, "as decisões tomadas pelo comitê tinham caráter estritamente técnico e divulgação em absoluta conformidade com a legislação brasileira". Meirelles aponta que sua orientação sempre foi para que cada membro do Copom não discutisse seu voto "até o momento das reuniões".

Na nota de Meirelles, também é dito que Palocci afirmou, em delação, ter recebido solicitação para tentar convencer o atual secretário a pedir demissão da presidência do Banco Central "de modo a possibilitar a obtenção de vantagens indevidas por meio da instituição". "Isso evidencia que entendiam, de acordo com o delator, que a gestão de Henrique Meirelles impedia práticas ilegais", traz o comunicado de Meirelles.

A reportagem não conseguiu contato com o ex-presidente do BC Alexandre Tombini.