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O governo brasileiro está forçando mesmo a alta do dólar, como disse Trump?

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

03/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Presidente dos EUA diz que Brasil intecionalmente deixa real fraco para favorecer exportadores brasileiros
  • Economistas afirmam que dólar forte é resultado de juros baixos no Brasil e crescimento maior da economia americana
  • Há analista que acha que o governo não está se esforçando para segurar o dólar, mas outros dizem que não há como fazer isso

O Brasil está deixando o dólar se valorizar de propósito para favorecer os exportadores do país, como acusou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump?

Na opinião de analistas, os principais fatores da queda do real e da alta do dólar são a fraqueza da economia e a redução dos juros (com juros menores, os investidores estrangeiros tiraram seus dólares daqui, o que elevou a cotação da moeda, por haver menos disponibilidade). Mas há analista que considera que o governo não está fazendo muita força para recuperar a moeda.

Trump acusa Brasil no Twitter

Trump anunciou em um post no Twitter na segunda-feira (2) que vai retomar a cobrança de tarifas sobre o aço e o alumínio brasileiros vendidos para o mercado americano, porque ele acha que o Brasil está manipulando a taxa de câmbio.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse na segunda-feira da semana passada, em um evento em Nova York, nos Estados Unidos, que, diante da redução da taxa básica de juros no país, o câmbio de equilíbrio "tende a ir para um lugar mais alto".

Para profissionais de mercado ouvidos pelo UOL, a fragilidade do real tem relação mais direta hoje com a queda dos juros no país e com o crescimento econômico mais forte nos EUA. Segundo esses analistas, a atual política cambial está apenas atuando para reduzir a instabilidade da moeda.

Como um governo pode influir na moeda?

Quando um governo quer desvalorizar a própria moeda, basta deixar de atuar no mercado, por exemplo, permitindo que a oferta de dólares diminua. Quando a moeda do país perde valor, caso do real diante do dólar, os produtos brasileiros ficam mais baratos no mercado externo e, assim, podem tirar clientes que compravam similares fabricados nos Estados Unidos. É disso que Trump está acusando o Brasil.

Para o economista da Troster & Associados, Roberto Troster, o Brasil até poderia "defender" o real, vendendo dólares da reserva, mas isso não se sustentaria a longo prazo.

"A desvalorização é ruim para o Brasil, assim como é para a Argentina. A bem da verdade, Trump está perdendo nas pesquisas eleitorais e tem que fazer algo, chamando a atenção para outros assuntos", afirmou.

Brasil queimaria reservas em dólar e não resolveria

Segundo ele, se o Banco Central ficar vendendo dólares aqui dentro pode queimar reservas porque os motivos que provocam a alta da moeda americana continuarão presentes,

O Brasil tem atualmente US$ 369,8 bilhões em reservas cambiais, uma espécie de poupança em moeda estrangeira de um país. Isso equivale, a quase sete vezes o saldo negativo que o Brasil acumulou nos últimos 12 meses, até outubro, em negócios com o exterior, que foi de US$ 54,8 bilhões.

Esse é, dizem os economistas, o verdadeiro motivo da alta do dólar ante o real. Ou seja, a quantidade de moeda estrangeira que está saindo do Brasil é maior que o volume das entradas. Por isso a moeda americana está subindo e o real está caindo.

Juros baixos atraem menos capital

O professor de Economia da FIA, Celso Grisi, destaca que os juros caíram de 14,25%, em agosto de 2016, para 5% agora. Com isso, os investidores estrangeiros mais especulativos, aqueles que traziam dólares para aplicar no mercado financeiro, como a renda fixa, por exemplo, não veem mais muita vantagem.

Além disso, a atividade econômica ainda está fraca. E isso também afasta os investidores estrangeiros que querem colocar dinheiro na atividade produtiva, em empresas, infraestrutura.

"Quando a economia começar a reagir, os investimentos estrangeiros vão voltar, e o dólar vai começar a recuar", disse Grisi. Para ele, isso deve começar a ocorrer de forma mais evidente ao longo do primeiro semestre de 2020.

Governo é um pouco "conivente", diz analista

O diretor-executivo e economista da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, concorda que o principal fator por trás do dólar forte e do real fraco é a taxa de juros. Mas ele diz que o governo pode estar sendo um pouco conivente. "Vejo uma estratégia silenciosa do governo para tentar, pela taxa de câmbio, estimular a exportação e conter a importação", afirma o especialista.

Segundo ele, a indústria brasileira pode aproveitar o dólar mais caro para vender mais no mercado internacional, aumentar a receita, gerar empregos e assim alimentar a atividade econômica enquanto o consumo interno não acelera.

Mas o fato é que as vendas brasileiras para o exterior não reagem. No acumulado do ano, as exportações do país em 2019 estão 6,7% abaixo do mesmo período de 2018, enquanto as importações até aumentaram, em 0,7%, resultando em superávit comercial de US$ 29,1 bilhões, bem abaixo dos US$ 43,5 bilhões que tínhamos de saldo em período correspondente de 2018.

Dólar alto mais atrapalha do que ajuda, diz associação

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, que representa centenas de exportadores, disse que o dólar alto mais atrapalha do que ajuda o país. "Os importadores veem o que está acontecendo aqui e acham que o exportador está ganhando mais e já pedem desconto, porque acham que o exportador tem mais margem para negociar", disse.

Segundo Castro, o governo brasileiro não está atuando de forma intencional para manter o real fraco. "O Banco Central tem atuado corretamente, pois o papel dele é evitar volatilidade exagerada", afirmou.

Dólar forte no mundo

O responsável pela mesa institucional da Genial Investimentos, Roberto Motta, disse que o dólar forte tem mais relação com a economia global que com o Brasil. "Estamos em um ciclo de dez anos de um dólar forte porque a economia americana vem crescendo mais que o restante do mundo na média", afirmou.

O economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, concorda com essa linha. "Claramente o presidente Trump não entende a natureza das desvalorizações do real e do peso argentino", disse.

Para ele, a ação de Trump vai ter um efeito contrário ao desejado, uma vez que, ao anunciar restrições às exportações do Brasil, acaba desvalorizando o real. André Perfeito mantém as projeções para o dólar, fechando este ano em R$ 4,30.

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