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Podemos ter falhado em conter fronteira agrícola na Amazônia, diz ministra

Luciana Amaral e Fábio Pupo*

Do UOL e da Folha, em Brasília

12/02/2020 02h00

Resumo da notícia

  • Para Tereza Cristina (Agricultura), dificuldade em conter exploração na região é reflexo de legislação morosa
  • Ela defende intensificar regularização fundiária para combater atividades ilegais e reforçar fiscalização
  • Ministra se diz contra plano de Guedes de criar o "imposto do pecado" e reonerar cesta básica
  • Afirma ser favorável à agricultura em terras indígenas e diz que país tem que se impor no mercado mundial

Ministra da Agricultura, Tereza Cristina admite que o governo federal pode ter falhado em conter a expansão da fronteira agrícola na Amazônia ao longo de 2019. Ela atribui o problema ao que classifica de "falta de agilidade da legislação" e diz que a regularização fundiária deve ajudar na fiscalização da região, que registrou no ano passado recorde de desmatamento na década.

"Tem gente dizendo que isso [a regularização fundiária] vai facilitar a grilagem. Ao contrário. O que nós precisamos saber é quem está fazendo [o desmate e extração e ocupação ilegal], dar nome aos bois e poder punir", disse Tereza Cristina, em entrevista entrevista ao UOL e à Folha de S.Paulo, em Brasília.

Engenheira agrônoma e deputada federal (DEM-MS) licenciada, ela afirma que a agropecuária não depende da Amazônia para aumentar a produtividade.

A ministra defende o projeto de lei do governo que permite a exploração agropecuária, mineral e turística de terras indígenas e diz enxergá-la como uma equiparação de oportunidades. "Os índios têm que ter as mesmas opções que todos os brasileiros."

Ao mesmo tempo em que se mostra alinhada às ideias do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Teresa Cristina se posiciona contra os planos do ministro da Economia, Paulo Guedes, de criar o "imposto do pecado" — taxando itens açucarados, bebidas alcoólicas e cigarros — e de reonerar produtos da cesta básica.

"Tem que ter uma avaliação mais profunda. Nós temos muita dúvida sobre isso", afirmou.

Leia a seguir a entrevista, na qual a ministra tratou ainda do efeito do coronavírus nas exportações, do acordo entre Mercosul e União Europeia, de agrotóxicos e do enxugamento da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

A íntegra da conversa, realizada na última sexta-feira (7) no estúdio UOL/Folha, está disponível em podcast e no Youtube.

Tereza Cristina,  ministra da Agricultura, em entrevista para o UOL e a Folha, em Brasília  - Ian Cheibub/Folhapress  - Ian Cheibub/Folhapress
Tereza Cristina, ministra da Agricultura, em entrevista para o UOL e a Folha, em Brasília
Imagem: Ian Cheibub/Folhapress

UOL/Folha - O presidente Bolsonaro voltou a afirmar que pretende transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Os países árabes são contra. Declarações como essa podem ser prejudicar a agricultura brasileira?

Tereza Cristina - A agricultura brasileira tem um comércio aberto com o mundo todo, independentemente de ser do bloco árabe, mercado comum europeu, Estados Unidos, Ásia. É claro que essa parte da diplomacia, enfim, da geopolítica, às vezes tem algum impacto comercial. O que tenho que fazer como ministra da Agricultura é tentar minimizar esses problemas que às vezes ocorrem.

De que forma? Conversar com o presidente para demovê-lo da ideia?

Não demover o presidente, mas ter um diálogo. A determinação é do presidente da República. Cabe aos ministros trabalhar dentro de um alinhamento, e aí a gente tem que ver as consequências que isso pode trazer para a agricultura.

Qual a sua opinião sobre o projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso que permite a exploração agropecuária em terras indígenas?

Eu sou a favor. A vontade dos povos indígenas tem que prevalecer. Isso está na Constituição. Alguns povos indígenas têm aptidão para a agricultura e estão sendo cerceados, estão tendo problemas para poder entrar na agricultura comercial, ter renda. Não podemos deixar os indígenas na situação de indigência em que muitos estão.

Não são todos [que vão querer]. Acho que não serão muitos a aderir. Não é porque a lei amanhã permitirá isso que todos vão plantar. Por exemplo, os terenas são índios que gostam de plantar.

O governo ouviu as comunidades indígenas?

Hoje a Funai não está no Ministério da Agricultura, está no Ministério da Justiça com o ministro Sergio Moro. Imagino que a Funai tenha sido ouvida. Eu ouvi várias etnias. O Ministério da Agricultura volta e meia recebe pedidos de comunidades indígenas pedindo trator, semente, calcário, insumos para que eles possam plantar e não manter apenas o plantio de subsistência.

O projeto de lei autoriza o plantio de transgênicos em terras indígenas. Isso não pode prejudicar a biodiversidade e fazer com que os indígenas dependam da compra de sementes de transgênicos?

O mundo que quer a soja não transgênica tem que pagar um pouco mais por ela, porque tem uma produtividade menor. É uma questão de pagar para ter essa soja. Com os indígenas é a mesma uma coisa. Eles têm o direito de fazer essa opção e têm que ter as mesmas opções que todos os brasileiros.

Como o coronavírus pode afetar a balança comercial do agronegócio brasileiro? As exportações para a China já foram afetadas?

É claro que a agricultura mundial, não só a brasileira, pode ser afetada. [Mas] eu não acredito que a China vai deixar de comprar, há milhões de pessoas no país que precisam se alimentar e precisam desse comércio com o mundo todo.

O que afetado neste momento? O descarregamento, porque a China conteve um pouco o ir e vir das pessoas onde tem mais casos de coronavírus. Mas não deve cair a demanda.

Em relação ao acordo entre o Mercosul e União Europeia, a senhora vê protecionismo de países europeus no setor agropecuário?

Com certeza. Nós temos 8% do nosso território com a agricultura, abastecemos os nossos 210 milhões de habitantes e ainda temos um excedente de exportação enorme para abastecer outros países.

Existe o temor dos agricultores europeus porque os subsídios vêm caindo dentro do bloco. Eles estão deixando de ser competitivos, e o Brasil vem só crescendo em produtividade. Um acordo nunca é bom 100% para os dois lados. Mas o acordo [em questão] é muito bom tanto para o Mercosul quanto para a Europa.

Tem previsão de quando o acordo deve ser discutido no Congresso brasileiro?

Esse acordo deve ser ratificado e assinado no primeiro semestre deste ano e depois precisa ir para os Parlamentos. As discussões serão intensas, mas acho que o bom senso vai prevalecer e o acordo será ratificado por todos.

Como a senhora avalia a relação Brasil e Estados Unidos?

O governo [Bolsonaro] tem como meta a aproximação com o governo americano.

O Brasil tem que se impor no mercado mundial, mas, às vezes, é preciso recuar um pouquinho para depois ganhar

O país tem muito a ganhar com essa relação. A briga tem que ser de igual para igual. O que não podemos ter é submissão. Isso, na agricultura, a gente não vem tendo.

A senhora concorda a ideia de Paulo Guedes de reonerar alguns itens da cesta básica?

Acho que tem que ter uma avaliação mais profunda. Tenho certeza de que o Paulo Guedes não quer causar inflação, ao contrário. É um debate que não é do dia para a noite, e que nós temos muita dúvida sobre isso. A Agricultura vai mostrar os seus estudos e os seus pontos para a equipe econômica.

A senhora não concorda, então, com essa taxação extra?

Não.

O ministro também cogitou um "imposto do pecado". Qual é a sua opinião sobre essa cobrança?

Acho que o açúcar, no momento, é muito complicado. E o álcool também. Nós temos que ver o impacto geral. Isso não pode ser olhado de maneira pontual. Se eu olhar o açúcar só, sou contra. Está sobrando açúcar no mundo, está com preço muito defasado.

A senhora é contra?

A princípio, sou contra.

Inclusive do cigarro?

O cigarro já tem uma taxação altíssima. Quem fuma vai pagar mais.

Em 2019, o registro da aprovação de agrotóxicos aqui no Brasil foi o maior da história. Qual a previsão para este ano?

Temos uma fila. As empresas pedem aprovação dos registros. Quando você coloca esses genéricos na prateleira e autoriza a venda, o que acontece? Você traz competitividade ao setor.

Quando o preço diminui, não quer dizer que o agricultor vai usar mais. É como acontece com remédio. Eu não vou tomar mais aspirina porque diminuiu o preço.

O agricultor usa o defensivo agrícola porque precisa usar. Não é porque ele quer. Se usar da maneira correta, há segurança de que aquilo não faz mal

Vamos continuar [com os registros] e a Anvisa tem uma fila enorme. O Ministério da Agricultura não tem interesse nenhum em aprovar mais ou menos. A lei diz o seguinte: cada produto a ser aprovado tem que ser menos tóxico do que os que já estão no mercado. Então, se você aprovar mais produtos, teoricamente, ele são menos tóxicos do que aqueles que estão no mercado. Há vários produtos sendo reavaliados, e alguns serão banidos.

O governo tem falhado em conter essa fronteira agrícola na região amazônica?

Pode ter falhado, sim. Às vezes, as falhas vêm porque a gente não tem uma agilidade na legislação. Por que o governo está fazendo a regularização fundiária? E tem uns dizendo que 'ah, isso vai facilitar a grilagem'. Ao contrário. O que nós precisamos saber é quem está fazendo [atividades ilegais], dar nome aos bois e poder punir.

E a fiscalização?

O Brasil é um país continental. O governo brasileiro, por mais que queira fazer, nós não tem gente suficiente. Olha o tamanho da Amazônia. Quantos países da Europa? 50% do Brasil é aquela região.

Mas qual a proposta? Contratar mais gente?

Claro, e usar a tecnologia. Porque a hora que puser satélite e souber quem está lá, ele vai ter o CPF dele ligado àquela terra. A gente tem que deixar de ser hipócrita. Se essa medida não é suficiente, tem o Congresso.

Nós não podemos dizer que o Brasil é o maior desmatador do mundo. Não é verdade. O Brasil ainda tem mais de 60% de cobertura vegetal nativa

A gente está perdendo a cada ano.

Isso não pode ser debitado na conta deste governo. Estamos achando soluções para que a gente possa preservar, porque a biodiversidade brasileira é importantíssima para o Brasil. Você não consegue fazer do dia para a noite.

A regularização fundiária é a base de toda essa estratégia. Se a gente não tiver isso, não adianta ter projetos para a Amazônia, eles vão alcançar muito pouca gente. A base é a regularização fundiária.

Tem previsão de quando isso será feito?

Nós já começamos a fazer. O Incra já está fazendo a reunificação dos cadastros. Precisamos que a medida provisória que está no Congresso seja aprovada. E o Congresso pode melhorá-la.

Qual é o real plano para a Amazônia?

Acho que o real plano para Amazônia começa com a regularização fundiária. Nós temos leis, tem o Código Florestal. 80% da Amazônia tem que ser preservado nas propriedades privadas. Temos que pegar as terras públicas e fazer as concessões, e isso está na nossa legislação. Essas terras muitas vezes não têm dono, o que facilita o desmatamento ilegal, a grilagem, o garimpo ilegal.

Nós não precisamos da Amazônia para a produção hoje.

O governo está promovendo uma reestruturação da Embrapa. Vão fechar centros de pesquisa?

A Embrapa já está passando por um reordenamento, uma modernização. Eu ainda não posso dizer se vamos fechar ou não. Mas, vamos agrupar alguns centros.

Então, alguns podem ser fechados?

Sim, fechados ou mudar de atividade. Está sendo feito um estudo. Não vai ser feito aleatoriamente.

Há possibilidade de privatizar a Embrapa no futuro?

Não, acho muito difícil. Acho que a gente pode mudar a figura jurídica para que a Embrapa possa receber mais recursos. Queremos achar um modelo para que a Embrapa receba os recursos dos royalties de tudo o que ela faz e que esse dinheiro sirva para realimentar a pesquisa, [tornando-a] cada vez mais forte.

O ministério constatou no ano passado contaminação de peixes por causa do óleo que vazou no litoral. É uma preocupação?

O ministério continua acompanhando e vendo a qualidade dos pescados da costa brasileira. O que tenho hoje é que as coisas estão dentro da normalidade

*Colaborou Felipe Amorim, do UOL, em Brasília