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Como a queda do preço do petróleo pode afetar o Brasil?

Plataforma de petróleo na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro - Pilar Olivares
Plataforma de petróleo na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro Imagem: Pilar Olivares

Larissa Linder

Deutsche Welle

09/03/2020 15h35

O recuo acentuado no preço do barril do petróleo após uma queda de braço entre Arábia Saudita e Rússia pode afetar negativamente o Brasil. O valor do barril de petróleo do tipo Brent, que já havia caído de 61 para 50 dólares desde janeiro, quando teve início o surto do covid-19, o novo coronavírus, na China, abriu nesta segunda-feira (09/03) em 31 dólares. Foi imediato o efeito sobre as ações da Petrobras, que chegaram a cair mais de 20% pela manhã, e as consequências para o país podem ir além disso, a depender da duração do patamar mais baixo de preço.

A balança comercial brasileira pode vir a ser impactada, segundo o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Segundo ranking de 2018, o Brasil é o nono maior produtor de petróleo do mundo, em um mercado liderado por Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia. E a commodity tem um peso significativo na pauta de exportações brasileira, tendo representado 15% delas nos últimos 12 meses, atrás somente da soja e à frente do minério de ferro.

Além disso, diz Gonçalves, há a possibilidade de o preço menor afetar a atração de investimentos. "Pode haver um efeito de médio prazo no investimento no setor de óleo e gás, o que, para mim, é o maior risco, porque o país precisa de investimentos, e uma parte do investimento com o qual todo mundo conta para recuperar um pouco a economia está ligado a esse setor", diz.

Um terceiro ponto a ser considerado é o impacto fiscal. Como o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é cobrado sobre o valor do produto ou serviço, quanto menor o preço, menor a arrecadação, principalmente para os estados.

"Se você reduzir o preço [do petróleo] talvez não em 30%, mas em 10%, você corta a arrecadação em 10% e piora a situação fiscal de uma forma complicada", aponta Gonçalves.

Além disso, o efeito sobre a Petrobras -- estatal de economia mista, da qual o governo federal é o maior acionista, com 28,67% dos papéis -- pode ter também impacto sobre o governo.

De acordo com o analista de investimentos da Mirae Asset Pedro Galdi, embora o valor dos dividendos (distribuição de lucro aos acionistas) não seja alto em relação ao orçamento do governo federal, o impacto sobre eles é algo a se considerar.

"Como [a queda no preço do petróleo] reduz a margem de lucro, é claro que vai comprometer a geração de caixa e os dividendos", afirma Galdi. No ano passado, o governo embolsou 1,3 bilhão de reais em dividendos da Petrobras.

A empresa, no entanto, tem uma vantagem competitiva entre os players globais, já que tem um custo de extração menor. O custo para extrair petróleo do pré-sal em 2019 era menor que em todas as outras categorias de extração -- águas rasas, águas profundas e terra.

"Mas tem muita empresa que não vai aguentar por ter um custo alto", diz o analista.

A incerteza gerada pela queda do petróleo -- não se sabe, por exemplo, quanto tempo vai durar esse patamar de preços e a queda de braço entre Arábia Saudita e Rússia -- também é um fator a ser considerado, já que atrapalha a atração de investimentos.

É fato, contudo, que a própria Arábia Saudita, que contribuiu para a queda nos preços ao anunciar o aumento da produção e a redução do preço do barril, tem menos fôlego para um conflito como esse, já que praticamente 100% de sua economia depende do petróleo, enquanto para a Rússia, diz Gonçalves, o setor de óleo e gás representa cerca de um terço do PIB.

Por fim, entra em jogo a incerteza política sobre qual será a postura da Petrobras, ou seja, se vai reduzir o preço dos combustíveis e em quanto vai reduzir. Há cerca de três anos a empresa vem tentando se mostrar mais pró-mercado, com menos intervenção do governo.

No ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro tentou segurar o preço dos combustíveis evitando que a empresa repassasse o reajuste da commodity, as ações da estatal caíram.

Bolsa brasileira chegou a interromper negociações

O mercado financeiro foi o primeiro a ser atingido pela queda no preço do petróleo. As bolsas globais abriram em forte queda nesta segunda-feira, e no Brasil não foi diferente. O evento somou-se ao caos provocado pelo coronavírus e derrubou o índice Bovespa, que recuou 10,2% em meia hora de pregão.

Com a queda brusca, as negociações na Bolsa de Valores do Brasil foram interrompidas por 30 minutos, com a ativação do chamado circuit breaker. O mecanismo é utilizado em situações atípicas de mercado -- a última vez havia sido em 2017 -- e é ativado em estágios. O primeiro movimento é quando o Ibovespa perde 10% do seu valor em relação ao valor de fechamento do dia anterior, e a negociação é interrompida por 30 minutos.

Segundo Galdi, o comportamento do mercado deve repetir o que se viu durante o surto de Sars em 2003. "Há uma queda brusca e depois o mercado se recupera em uma velocidade impressionante", diz.

As ações preferenciais da Petrobras chegaram a ser negociadas a 17 reais nesta segunda, menor preço desde agosto de 2018, após terem fechado em 22,83 reais na sexta-feira. As ações da estatal chegaram a despencar mais de 20%. A recomendação de Galdi para investidores é que aproveitem para comprar os papéis.