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Coronavírus pode levar a recessão global, e economistas têm pouco a fazer

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

11/03/2020 14h04

O aumento de casos de coronavírus no mundo já afeta a economia mundial, e diversos países já têm reduzido suas expectativas de crescimento. É o que fez hoje o Brasil, que baixou a projeção para o PIB deste ano de 2,4% para 2,1%.

É possível falar em uma grande crise econômica global? Há perspectiva de que os efeitos de uma epidemia não apenas diminuam o crescimento da economia mundial, mas levem a uma recessão? E, nesse caso, o que poderia ser feito para tentar minimizar os impactos econômicos do coronavírus? Veja o que dizem economistas.

Que impacto as doenças têm na economia?

Dados divulgados nesta semana pela Unctad (Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento) apontam que o mundo sofrerá um golpe de até US$ 2 trilhões, com um impacto de mais de US$ 220 bilhões aos países emergentes, se o surto de coronavírus não for parado.

Os efeitos de grandes epidemias do passado na economia já foram analisados em diversos estudos econômicos. O Banco Mundial estima que o custo de uma pandemia severa de gripe, por exemplo, pode chegar a 5% do PIB global.

Segundo relatório da consultoria de risco Marsh, ainda que as pandemias recentes tenham taxas de mortalidades menores que as do passado, por causa dos avanços na medicina e infraestrutura, os impactos econômicos potenciais podem ser muito maiores.

Isso porque o aumento da dependência das empresas em tecnologia, viagens e cadeias de suprimento longas "significa que o surto em um único país pode ter repercussões globais".

De acordo com o relatório, as epidemias afetam as empresas por levar a:

  • Perda de mão de obra, por causa da doença e mortes;
  • Aumento de faltas dos funcionários e diminuição de produtividade, por causa da necessidade de cuidar de familiares, distanciamento entre as pessoas e medo da contaminação;
  • Rupturas operacionais, como interrupção e atraso nas redes de transporte e cadeias de suprimentos;
  • Diminuição da demanda pelos consumidores;
  • Dano à reputação, se a resposta da empresa à epidemia for vista como ineficaz, ou se a comunicação com acionistas for vista como incompleta ou enganosa.

É cedo para falar em recessão, diz economista

Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em Economia do Insper, considera que ainda seja cedo para afirmar que teremos uma recessão global, mas 2020 deve ser um ano de crescimento menor.

Falar em recessão talvez ainda seja um pouco cedo, porque só estamos no mês de março. Ainda não sabemos como é que o coronavírus se comporta e como ele impactará a economia daqui para frente. Mas o que sabemos, sem dúvida, é que o crescimento mundial acaba sendo impactado. A gente tem crescimento menor.
Juliana Inhasz, do Insper

Ela descreve impactos do lado da oferta, já que a crise começa a afetar o fornecimento de suprimentos para empresas, como peças que vêm da China, por exemplo.

Além disso, há o problema pelo lado da demanda, também. Em países muito afetados pela doença, a circulação de pessoas diminui, inclusive com medidas mais rígidas, como a quarentena imposta pelos governos em locais da China e Itália. Menos pessoas na rua significa menos gente trabalhando e consumindo, e a economia vai parando.

"A redução da demanda, necessariamente, provoca um impacto econômico relativamente perverso. Esse impacto econômico não é trivial. E aí, é óbvio, você desacelera a economia como um todo. Causa um problema maior ainda", disse Juliana Inhasz.

O professor Eliezer Martins Diniz, da FEA-RP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), também não fala ainda em recessão, mas vê um impacto negativo no crescimento, principalmente com base em estudos sobre o efeito de epidemias na economia.

A maior parte dos economistas sempre apontou que uma epidemia, como a Aids, por exemplo, gera um impacto negativo sobre o crescimento.
Eliezer Martins Diniz, da FEA-RP

"Recessão é quase inevitável", diz outro

Para o economista Celso Grisi, coordenador de projetos da FIA (Fundação Instituto de Administração), a perspectiva de uma recessão é muito mais clara, principalmente se o problema com o coronavírus se estender por muito tempo.

Se o coronavírus continuar com a intensidade que ele vem tendo, eu acho que a recessão é quase inevitável. Se isso não se desfizer em um mês, um mês e pouco, a recessão vai aparecer já neste ano.
Celso Grisi, da FIA

"Teremos uma queda acentuada de demanda. Vamos ter também uma queda acentuada nos preços. Isso é provável porque acaba com a mobilidade do mundo. Fecha as fronteiras para a movimentação humana. Vai ter que reduzir o trabalho e, sobretudo, o trabalho coletivo, trabalho em grandes unidades, onde haja concentração de pessoas. Isso tudo traz a perspectiva de uma recessão", disse.

Crise pode ser maior do que a de 2008?

Os analistas comparam a situação com a da última grande crise econômica global, em 2008.
Enquanto, naquele momento, a causa era puramente econômica, consequência do crédito fácil e disseminação de investimentos "podres", o problema atual está em outro campo.

"Qual é a grande diferença? Aquela situação estava na mão dos economistas, de poder encaminhar a solução. Iniciaram uma política monetária muito flexível. Compraram títulos podres, inicialmente. O governo comprou isso, injetou liquidez na economia, e a economia conseguiu sair para o outro lado", disse Celso Grisi.

Esse é um problema médico. Não é um problema econômico. O economista tem uma ação muito duvidosa, não tem o que fazer. A gente pode baixar mais os juros do que já baixou? É difícil, os juros já são negativos em boa parte do mundo. O que mais nós podemos fazer? Injetar mais dinheiro, comprar mais títulos? Isso não vai mexer com a capacidade de produção. A produção ficou estagnada. E claro que produção estagnada derruba renda, derruba emprego, e a demanda acaba acompanhando essa estagnação. Não há o que fazer.
Celso Grisi, da FIA

Para Juliana Inhasz, o efeito negativo pode até ser maior, por causa disso.

"O epicentro da crise vem da economia chinesa, que hoje é muito central. Esse efeito está se irradiando de uma forma muito perversa para outras economias", afirma.

O problema em 2008 era uma quebradeira generalizada. Mas ali era um fator econômico. Agora, a gente lida com um fator que está completamente fora do nosso alcance. Este é um grande problema. É uma incerteza muito cruel.
Juliana Inhasz, do Insper

Eliezer Martins Diniz não acredita que a proporção seja a mesma da última crise.

É difícil estimar a magnitude disso no momento. Eu não acredito, sinceramente, que venha a ser uma recessão como aconteceu em 2008, 2009.
Eliezer Martins Diniz, da FEA-RP

Solução pode ser mais rápida

Se a atual crise não é de fácil solução para economistas, a recuperação mundial pode ser mais veloz assim que a epidemia for controlada, com a criação de uma vacina ou a diminuição da disseminação da doença.

Se nós tivermos o coronavírus resolvido, eu acho que as condições para a recuperação serão muito favoráveis.
Celso Grisi, da FIA

"Haverá muita oportunidade, porque o consumo e a produção vão se refazendo, a renda vai se refazendo numa velocidade maior. E começam a aparecer as oportunidades para exportação, para a importação, para investimento. A situação tende a ter uma melhoria expressiva", afirmou Grisi.