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Especialistas e produtores de itens básicos dizem que abastecimento vai bem

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/03/2020 13h31Atualizada em 24/03/2020 20h09

A preocupação com possível falta de alimentos em meio à epidemia do novo coronavírus tem feito com que muitas pessoas façam estoques para o isolamento domiciliar. A atitude tem deixado algumas prateleiras vazias e diferentes produtos com falta localizada em certos supermercados.

Mas isso significa que haja desabastecimento? O Brasil corre esse risco? É preciso fazer estoque? O UOL consultou instituições e especialistas para tirar todas as suas dúvidas sobre abastecimento em tempos de coronavírus:

O que define desabastecimento tecnicamente?

De acordo com Claudio Felisoni, coordenador do Provar-FIA (Programa de Varejo da Fundação Instituto de Administração), há dois conceitos de desabastecimento:

Específico: quando há interrupção pontual de uma cadeia produtiva, que leva à falta de um certo produto.

"Hoje, há desabastecimento de álcool gel", exemplificou.

Amplo: quando, por razões diversas, há uma interrupção de muitos produtos, em especial de primeira necessidade, como alimentos básicos e materiais de higiene.

"Este segundo, mais abrangente, está relacionado a situações caóticas da economia e é mais usado quando se fala em desabastecimento", explicou.

Há desabastecimento no Brasil hoje?

Não.

O Brasil experimenta problemas específicos com o álcool gel, mas não há problema de abastecimento no país de forma ampla, conforme tem reafirmado a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) desde o início da epidemia.

"As lojas do setor supermercadista registraram normalidade no movimento, de acordo com pesquisa exclusiva da Abras realizada nesta segunda-feira (23) com as 27 associações estaduais", declarou a associação.

Com o agravamento da epidemia, pode haver desabastecimento?

Não é possível descartar totalmente o risco de desabastecimento, mas, para Silvio Laban, coordenador do mestrado em Administração no Insper, a possibilidade é baixíssima.

"Toda cadeia produtiva está se organizando e se esforçando para manter tudo funcionando -e tudo tem funcionado. Podem acontecer problemas pontuais, mais relacionados a um descontrole na ponta da demanda [prateleiras de supermercado] por conta do pânico, e não pela ruptura de produção", argumentou Laban.

"Não há falta de determinado insumo, resultado de um problema de eliminação deste insumo, como uma praga que varreu plantações ou enchentes que quebraram todas as pontes do país. É evidente que, se não for tomada uma série de medidas, às vezes até amargas, pode surgir uma situação de catástrofe. Mas, neste momento, parece improvável", concluiu o professor do Insper.

Por que alguns produtos estão faltando nos supermercados e farmácias?

Porque muitas vezes a população, com medo do desabastecimento, estoca uma quantidade maior de determinados produtos -geralmente os de primeira necessidade- e cria este problema de reposição.

Segundo a Apas (Associação Paulista de Supermercados), muitas vezes as prateleiras vazias são resultado de uma demanda tão alta que não há tempo de repor os produtos.

A associação comparou o momento atual a dias com movimentação muito intensa de consumidores, como Natal e Páscoa, quando parte das prateleiras também ficam vazias, mas não é caso de desabastecimento.

Há algum produto com problema de abastecimento?

Sim. Como já comentado, a alta demanda de álcool gel fez com que o produto sofresse desabastecimento. Grandes centros, como São Paulo, têm experimentado a falta do produto desde o final de fevereiro, quando houve o primeiro caso confirmado no Brasil.

Para tentar evitar o agravamento da situação, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou, na última sexta (20), novos procedimentos que liberam imediatamente a produção de álcool em gel. As empresas fabricantes de medicamentos e cosméticos terão a permissão de fabricar e comercializar preparações antissépticas ou sanitizantes oficinais sem prévia autorização do órgão.

Por meio de nota, a Abras também relatou falta de álcool gel pelo país, mas diz acreditar que a situação "poderá melhorar" após a resolução da Anvisa.

Em seu site, a CNA (Companhia Nacional de Álcool) informa que está "com uma demanda elevada no momento e, por isso, o tempo de atendimento pode ser maior".

O que fazer se não há álcool gel?

É possível fazer a higienização para evitar o contágio de Covid-19 de outras formas, como lavar bem as mãos com sabão.

"Não podemos deixar de lado o que as próprias autoridades da área de saúde recomendam: reforço dos hábitos de higiene, principalmente da lavagem das mãos", sugeriu João Carlos Basílio, presidente-executivo da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).

Pode faltar comida?

Nada indica que faltará comida. De acordo com João Dornellas, presidente da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), a logística de abastecimento "segue dentro da normalidade, assim como os estoques, e não há nenhum risco imediato de desabastecimento de alimentos".

"A indústria brasileira de alimentos tem 80% da sua produção voltada para o mercado interno. Não há motivo para preocupação, e as pessoas devem evitar compras motivadas por pânico", declarou Dornellas.

"Pudemos aprender com situações complicadas enfrentadas por países como Itália e Espanha. O Brasil tem se antecipado. Creio que vamos ter alguns gargalos de produtos pontualmente, mas não uma situação caótica", concordou Felisoni, da FIA.

Alimentos básicos e produtos de limpeza podem sofrer com desabastecimento?

Não. Associações e indústrias dos alimentos básicos e materiais de limpeza garantiram a continuidade da cadeia produtiva.

Arroz: "Está completamente assegurada aquisição da matéria-prima e fluxo produtivo do arroz. A safra começou no fim de janeiro, e a indústria tem um espaço amplo e tecnológico, a expectativa é boa", afirma Andressa Silva, diretora-executiva da Abiarroz (Associação Brasileira da Indústria do Arroz).

Feijão: "Não há risco de desabastecimento. Tivemos muitas perdas com chuvas e estiagem no início do ano, e o feijão carioca está em estado crítico, mas temos um bom estoque de feijão preto e fradinho. Se o carioca subir de preço, existem estas alternativas e em maio já chega a safra nova", afirmou Marcelo Eduardo Lüders, presidente do Ibrafe (Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses).

Carnes: Por meio de nota, a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) informou que "os setores de aves, ovos e suínos do Brasil estão empenhados na manutenção do fluxo de oferta de alimentos para a população brasileira" e que não há risco de desabastecimento.

Frutas e legumes: "Não há nenhum perigo. A produção existe e vai continuar escoando, as pessoas têm de se alimentar. O que pode ser que aconteça é algumas cidades turísticas diminuírem o consumo por causa da queda na demanda de bares e restaurantes. Mas desabastecer, não. A oferta vai continuar a mesma", declarou Gustavo Melo, presidente da Abracen (Associação Brasileira das Centrais de Abastecimento).

Produtos de limpeza: "Acreditamos que não haverá desabastecimento, mas reforçamos os esforços do setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, em toda a sua cadeia, para atender às necessidades da população neste momento de combate à disseminação do coronavírus", afirmou Basílio, da Abihpec.

Devo estocar alimentos, bebidas e produtos de primeira necessidade?

Não.

Como, até o momento, não há indicação alguma de desabastecimento no país, estocar produtos só contribui para gargalos e que haja espaços vazios nas prateleiras.

"Não há por que estocar, não está faltando produtos, e isso só contribui para criar problema, pois, quando a demanda por um determinado produto aumenta subitamente, criam-se gargalos. Não há como nenhuma indústria duplicar, triplicar sua produção da noite para o dia, isso leva tempo", argumentou Laban, do Insper. "A questão básica é entender que, se eu tiver estoque para seis meses, é provável que alguém possa não ter para amanhã."