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Corte de salário foi adotado por Dilma, mas era complicado e não funcionou

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

05/04/2020 04h00

Entre as medidas para reduzir o impacto da pandemia de coronavírus no emprego, o Ministério da Economia publicou uma permitindo que empresas reduzam temporariamente as jornadas de trabalho e salários, com o governo bancando parte dessa perda de renda.

A Constituição já prevê a possibilidade de redução de salário, mas apenas se houver acordo com os sindicatos. Agora, o acordo poderá ser feito diretamente com o funcionário.

Essa não é uma medida inédita no Brasil. Em 2015, o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) seguiu a mesma linha para tentar frear o aumento do desemprego durante o período de recessão. Na avaliação de analistas ouvidos pelo UOL, a versão era mais complicada e não funcionou bem.

Chamado de PPE (Programa de Proteção ao Emprego), ele permitia que as empresas firmassem acordos com os sindicatos para diminuir a jornada em até 30%, com a redução proporcional dos salários, durante um período determinado. O governo, por outro lado, ficaria responsável por bancar metade dessa perda salarial, ou seja, até 15%.

Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que a ideia atual é semelhante à do governo Dilma, mas a de hoje é "mais radical", devido à queda mais dramática da atividade por causa da pandemia, que tem levado a receita de empresas não essenciais praticamente a zero.

Para Helio Zylberstajn, professor sênior da Faculdade de Economia da USP e coordenador do projeto Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), a ideia do programa do governo Dilma era boa, a princípio, mas não deu certo por ter muitas exigências para que empresas se enquadrassem nele.

O projeto da equipe econômica de Jair Bolsonaro, de acordo com o professor, é muito interessante e mais simples, com um potencial maior de funcionar.

Ideia do acordo era boa, diz professor

Para Helio Zylberstajn, o programa elaborado pelo governo Dilma, a princípio, era bom para as três partes:

  • A empresa tinha redução "expressiva"no custo da folha salarial;
  • Os trabalhadores tinham uma "redução suportável" da renda e a garantia do emprego por um período;
  • O governo tinha gastos menores com o PPE do que com o seguro-desemprego desses trabalhadores, se fossem demitidos.

Professor diz que programa fracassou

Zylberstajn, porém, afirma que o programa como um todo fracassou. Deu certo apenas para montadoras e fornecedoras de autopeças, mas os demais setores não aderiram.

Em artigo publicado no "Boletim Informaçõs Fipe", Zylberstajn afirma que, desde julho de 2015, muitas empresas preferiram abrir mão do incentivo do governo e negociar acordos sem a participação estatal. Houve 818 negociações para reduzir salários no período, mas apenas 217, ou 29% do total, utilizaram o PPE.

Para chegar à conclusão, o professor usou a base de dados do Projeto Salariômetro da Fipe, que armazena todos os acordos de negociação coletiva disponibilizados pelo Ministério da Economia.

Daniel Duque ressalta que há poucos estudos sobre o PPE, mas avalia que a medida "teve um impacto significativamente limitado" nos seus primeiros meses, citando balanço divulgado na época de que, até abril de 2016, o Programa havia beneficiado apenas 70 empresas e 53,8 mil pessoas.

Regras devem ser mais simples

Segundo o professor Zylberstajn, uma hipótese para explicar esse fracasso é o excesso de exigências da legislação para que as empresas participassem do PPE.

Entre elas, as empresas deveriam comprovar que estavam mal financeiramente. O critério para isso foi que não poderiam ter aumentado o número de empregados em mais de 1% nos 12 meses anteriores ao acordo.

Também tinham de comprovar que esgotaram outros recursos para amenizar o excesso de mão de obra, como férias coletivas e uso de banco de horas, e estar em dia com impostos federais.

"Havia algumas exigências que não faziam sentido", afirmou. "Ora, uma empresa que chega num ponto, na hora da recessão, de ter que demitir, é porque muito provavelmente não está em dia com os impostos. Essa medida afastava quem mais precisava dessa assistência."

Medida atual é muito interessante, diz professor

Para Zylberstajn, a experiência do PPE deixa como lição que medidas nesse sentido devem ser mais simples e a anunciada nesta semana pelo governo caminha nesse sentido.

"Acho que capricharam desta vez. (A medida) é muito interessante, muito bem-feita, muito bem-pensada. Ela é muito simples, quase automática", afirma.

O professor considera que o ponto forte da medida é atender, principalmente, os trabalhadores com renda menor, que terão grande parte ou toda a sua renda preservada. Quem ganha um salário mínimo, por exemplo, não poderá receber menos do que isso.

"O trabalhador que ganha dois salários mínimos vai ter preservada 90% da renda dele. O salário médio dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada, é onde o programa está fincado, é de R$ 2.000. Ou seja, praticamente dois salários mínimos (R$ 2.090). Então esse programa atinge em cheio essa faixa. Isso representa 70% dos trabalhadores, talvez", afirma.

Zylberstajn aponta, porém, que a implementação dos pagamentos de maneira rápida e eficiente pode ser um problema, já que são muitas pessoas e empresas a serem atendidas.

"O problema desse programa vai ser a implementação das transferências. Como eles vão fazer isso. Eles devem estar pensando em um jeito. Hoje em dia com cartões, computadores, internet, é mais facilitado", afirma.

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