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Cortar pizza e x-salada: quem teve salário reduzido conta como sobrevive

Da esquerda para a direita: Claudia, Antônio e Rosi - Arte/UOL
Da esquerda para a direita: Claudia, Antônio e Rosi Imagem: Arte/UOL

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

26/04/2020 04h00Atualizada em 26/04/2020 12h20

Diminuir a renda para manter o emprego. Esta tem sido a realidade de mais de 1 milhão de trabalhadores pelo país impactados pela medida provisória 936, que possibilita redução de salário ou suspensão de contrato, com parte da renda paga pelo governo, durante a crise provocada pela epidemia do novo coronavírus. Segundo o Ministério da Economia, o objetivo é reduzir o possível número de demissões.

Ao UOL, profissionais de diferentes áreas e regiões que tiveram seus salários reduzidos ou suspensos contam como pretendem fazer para levar os próximos meses e dizem concordar com as medidas, embora muitas vezes não entendam os meandros do pagamento.

Cortar pizza e x-salada, mas garantindo emprego

Com diminuição da procura, a metalúrgica em que Everson Correia da Rocha, 48, trabalha há 20 anos, em Criciúma (SC), parou as máquinas em 9 de abril. Em acordo com o sindicato, a companhia propôs diminuir a produção e pagar 50% do salário dos funcionários pelos próximos três meses. Em contrapartida, não poderá demitir nos três meses seguintes.

"A gente também vai diminuir a carga horária pela metade e receber esses 50%. Informaram que deve durar três meses, a depender de como for tratada essa pandemia e o andamento geral do país."

Everson está seguro quanto à contribuição da empresa, que continuará a pagar no mesmo dia, mas não sabe como funcionará o pagamento do governo.

Eu acho que o ganho vai diminuir, porque o governo não vai pagar todos os outros 50%, vai pagar menos.
Everson Correia da Rocha, 48, metalúrgico

Segundo a MP, em caso de reduções iguais ou maiores a 50% e menores que 70%, o pagamento complementar será de 50% do equivalente ao seguro-desemprego.

Casado e com filho, ele conta que a mulher, professora do ensino básico, está passando pelo mesmo regime.

Nesse período, vamos reduzir os custos, né? Diminuir pizzaria, o x-salada, controlar os gastos. Acho que [o acordo] até foi justo. Não há muito emprego por aí, e a tendência é piorar. Assim, pelo menos, eu vou garantir o meu por seis meses, esses três meses de redução, mais os outros três, no mínimo.
Everson Correia da Rocha

Cortando supérfluos, até na comida

O salão de beleza em que Claudia Rita Silva trabalha como subgerente, em São Paulo, fechou no dia 19 de março. Até o início de abril, mesmo com as portas fechadas, ela recebeu normalmente.

"Nesta semana, assinei um contrato de suspensão para receber 70% do salário até a reabertura. Eu também tenho banco de horas, que falaram que vão pagar. Pelo que entendi, a única coisa que não vou ter nesse período em que ficar ausente é o FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço]."

Divorciada, Claudia conta que mora sozinha e já leva uma vida financeiramente regrada desde antes da possibilidade de redução salarial, mas diz que deverá apertar ainda mais o cinto.

Sou uma pessoa bem correta, procuro pagar minhas contas em dia, antecipadamente. Sempre tive esse cuidado, mas agora redobrou. Para mim, 30% é significativo, não tenho outra renda. Então, estou eliminando as coisas mais supérfluas, até na alimentação.
Claudia Rita Silva, 54, subgerente de salão de beleza

Apesar das dificuldades que a redução pode acarretar, ela diz entender a necessidade da medida.

A rede tem quatro unidades. Que eu saiba, não falaram em demitir nem houve demissão, estão cumprindo a lei. Então, acho essa decisão importante e prudente. Se é difícil para o funcionário, imagino como também deve ser para o empreendedor.
Claudia Rita Silva

Sua única preocupação, ela diz, é quanto tempo a crise deverá durar. "Não temos controle. No começo, fiquei algumas noites sem dormir. Estou muito preocupada, sentindo [o impacto da crise] e vou sentir mais, mas sou controlada, ciente das coisas. Apesar da dificuldade, eu procuro ver o lado bom."

3 filhos pequenos e corte de 100% no salário

A recepcionista Rosilaine da Silva sentiu um baque um pouco maior. A clínica de estética em que trabalha, em São Paulo, decidiu suspender 100% do salário por 60 dias. "Ela fechou no meio de março, quando determinaram a quarentena, para fechar os shoppings. Desde então, fiquei em casa, e a empresa pagou certinho, dia 5 [de abril, o salário] caiu normal. A partir de agora, vai ser o governo."

Ela diz que assinou o contrato de suspensão, mas não sabe de alguns detalhes, como se há cláusula de não demissão ao retomar o serviço ou o valor que receberá do governo. "Eu vou receber o seguro-desemprego, né? Eu preciso ler aqui no contrato." Segundo a MP, em caso de reduções iguais ou superiores a 70%, o benefício será de 70% do equivalente ao seguro-desemprego.

Para ajudar a pagar as contas, a clínica está vendendo kits de estética online, e os funcionários que fizerem a venda recebem uma comissão. "É um jeito de ficar em contato com o cliente e também ajuda os funcionários, principalmente os profissionais que não são CLT."

Com três filhos pequenos, a família se apoiará principalmente no salário do marido, que trabalha em uma petroquímica na Grande São Paulo.

Ele [o marido] não parou o serviço, por isso, até o momento, ainda não sentimos, mas devemos sentir porque há coisas que não podemos cortar, como alimentação, fralda... São três crianças, já imagina o gasto, né? Estamos fazendo economia de energia, água, essas coisas.
Rosilaine da Silva, 28, recepcionista

Ela também diz entender a medida. Para ela, o contrato suspenso foi a opção ao desemprego.

Foi uma coisa que eles precisaram pensar rápido. Muitas pessoas vão sofrer, vão receber menos, mas tem que pensar em todo mundo. Li que, se não fosse feito, a previsão era de corte de mais de 12 milhões [de empregos]. Assim, eu continuo empregada.
Rosilaine da Silva, 28, recepcionista

Sem gorjetas, garçom se preocupa com sobrevivência

O garçom Antônio Aragão está sem trabalhar desde 18 de março, quando a churrascaria onde atua, na zona sul do Rio de Janeiro, fechou. Nesta semana, assinou um contrato em que o restaurante pagará 30% do salário por 60 dias, com possibilidade de prorrogação.

Dois pontos lhe causam preocupação neste acordo. O primeiro é a diferença entre datas de pagamento.

É complicado porque a gente nem sabe quando vai receber esse dinheiro. A empresa vai pagar os 30% na data em que sempre pagou, mas o governo ainda não sei. Mas vai ser data diferente, isso dificulta.
Antônio Aragão, 45, garçom

A segunda —e maior delas— é a falta das gorjetas, os famosos 10%, na renda mensal.

A bonificação não entra nesse acordo, e a gorjeta é o que supre a despesa da gente, é muitas vezes o mais importante. Sem ela, fica até difícil se planejar, não tenho como saber.
Antônio Aragão

Em casa, ele diz que a mulher passa por um problema ainda maior. "Ela não está trabalhando porque cuida de casa de família, então está sem serviço no momento."

Com a renda apertada, ele se diz dividido sobre a situação e afirma que espera voltar ao trabalho o quanto antes.

De um lado, ficar em casa é importante para evitar o vírus. Por outro, a gente fica apreensivo por estar sem trabalho. É muito complicado, preocupante. É difícil até dizer se concordo [com as medidas restritivas], se aceito. Mas, se falarem em abrir, é claro que a gente vai trabalhar. O que a gente espera é que tudo volte ao normal, né? Que a vida siga.
Antônio Aragão, 45, garçom