IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Centralizar auxílio de R$ 600 na Caixa criou fila e atraso, dizem analistas

Pessoas se aglomeram em frente a uma agência da Caixa enquanto esperam para sacar o auxílio emergencial de R$ 600, na quinta-feira (30) - Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo
Pessoas se aglomeram em frente a uma agência da Caixa enquanto esperam para sacar o auxílio emergencial de R$ 600, na quinta-feira (30) Imagem: Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

06/05/2020 04h00

Desde o início do programa de auxílio emergencial de R$ 600, no mês passado, muitos beneficiários têm relatado problemas para conseguir se cadastrar ou movimentar os valores. Na semana passada, com o início do calendário de saque em dinheiro direto da poupança digital, filas e aglomerações em agências da Caixa Econômica Federal foram registradas em diversas partes do país.

Para quem não recebe Bolsa Família ou está não está no Cadastro Único, o auxílio só pode ser pedido por meio do aplicativo Caixa Auxílio Emergencial, ou site. No caso de quem optou receber por meio da poupança digital, a movimentação dos valores também depende do uso de um aplicativo, o Caixa Tem.

Especialistas consultados pelo UOL dizem que, em meio à pandemia de coronavírus, o uso de meios digitais para o cadastro e pagamento do auxílio faz sentido, mas acreditam que algumas medidas poderiam ter sido tomadas para facilitar o acesso da população aos valores e evitar aglomerações. Entre elas, o uso de outras instituições financeiras, além da Caixa.

Opção pelo online tem sentido

Mesmo sendo um auxílio focado em pessoas de baixa renda, que muitas vezes não têm acesso fácil a meios digitais, os especialistas dizem que a prioridade do governo pelo online é correta neste momento.

"O meio digital é uma forma de evitar aglomerações no meio da crise sanitária. Faz sentido", diz Sérgio Firpo, professor de economia do Insper. Ainda assim, ele diz que a opção "restringe bastante a população capaz de receber esse benefício imediatamente".

Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), acredita que a opção pelo digital foi correta.

"É necessária uma política que consiga distribuir recursos de maneira adequada, sem promover aglomerações", afirma.

Problemas acontecem, mas tem de resolver logo

Ele diz que os problemas que estão acontecendo são típicos de implementação de políticas sociais de grande escala, e lembra que outros benefícios, como o Bolsa Família, levaram um tempo até que fossem acertados, porque há "arestas que devem ser aparadas ao longo do caminho".

A diferença é que, no caso atual, o benefício precisa chegar com eficiência aos destinatários em questão de dias, porque muitos dependem desse dinheiro para sua subsistência e de suas famílias.

"Esses problemas que estão acontecendo são típicos de implementação. Eles acontecem. Quando você implementa uma ferramenta, por exemplo, um aplicativo, os problemas começam a surgir. A grande questão é que isso precisa ser resolvido em dias", afirma. "A gente está falando de valores que precisam ser distribuídos, precisam chegar efetivamente o mais rápido possível. Então realmente há esse desafio."

Uso de maquininhas daria agilidade

Sérgio Firpo diz que centralizar a operacionalização do pagamento do auxílio na Caixa talvez tenha sido o principal obstáculo para facilitar o acesso de toda a população que tem direito ao auxílio.

"Há as dificuldades tecnológicas de ter só uma instituição para lidar com isso. No fundo é como se a Caixa tivesse que lidar com todas as inscrições de milhões de pessoas. Então isso de fato estrangula o sistema", afirma. "Se a gente tivesse incorporado toda a sociedade, em um grande mutirão, e tentado usar de fato o sistema de pagamentos que existe no país, o sistema bancário, que tem capilaridade para poder chegar aos mais pobres, talvez a gente tivesse sido um pouco mais rápido."

Sobre essa capilaridade, ele cita a possibilidade de usar os sistemas de meios de pagamentos, algo que chegou a ser cogitado.

"A gente sabe que, nos grandes centros urbanos, existe uma população, que talvez seja a população alvo desse benefício, de trabalhadores informais, por conta própria, ou que perdeu o emprego, que tem algum tipo de relacionamento bancário ou, pelo menos, com o sistema de pagamentos. Existem vários ambulantes que têm as famosas maquininhas que poderiam ter sido utilizadas para atingir esse público", afirma

Lauro Gonzalez também cita as fintechs, que poderiam contribuir com o acesso ao benefício, no desenvolvimento de tecnologia que facilite essa interação entre o usuário e a máquina.

"Por que as fintechs ganharam espaço rapidamente, apesar de serem menores? Porque são instituições mais ágeis e conseguem lidar melhor com a usabilidade do que uma grande instituição, fazendo a mesma operação", diz.

Firpo acredita que o uso de fintechs para o pagamento poderia contribuir não apenas para facilitar o acesso, mas também no processo de identificação das pessoas que de fato se enquadram nos critérios de benefícios, restringindo as fraudes.

"As fintechs poderiam ter sido utilizadas, sobretudo pela questão que elas manejam muito bem, que é a de fraude bancária, de identificação dos correntistas, porque eles têm toda uma inteligência artificial para poder lidar com isso", diz Firpo. "A gente pode ter um problema de não ter dado acesso a todo mundo que precisa e, talvez, ter dado acesso a quem não precisa."

É preciso inclusão financeira

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, reconheceu na semana passada que o aplicativo teve problemas técnicos e que estavam trabalhando para resolvê-los. Ele disse, porém, que os entraves também são gerados pela falta de conhecimento de parte dos beneficiários sobre o uso do aplicativo, afirmando que 30 milhões não tinham conta em banco.

Guimarães afirma que os problemas tendem a diminuir nas próximas semanas, após a solução dos problemas tecnológicos dos aplicativos e à medida que os usuários se habituem com as plataformas online.

"É um conjunto de coisas. Por isso que esse primeiro movimento foi muito importante para que muitas dessas pessoas, milhões de brasileiros que nunca tinham usado um celular para realizar pagamentos, começassem a aprender", disse.

Ainda assim, Lauro Gonzalez acredita que a Caixa "está correndo atrás do prejuízo" e foi "tímida" no passado recente na inclusão financeira de pessoas de baixa renda.

Segundo ele, a inclusão é possibilitar o acesso e uso pela população de serviços financeiros adequados às suas necessidades, o que é diferente da bancarização, "meramente abrir a conta".

"A Caixa poderia ter sido mais ativa em oferecer soluções digitais que fossem capazes de incluir financeiramente essa população de baixa renda", afirma. "Se um número muito maior de pessoas de baixa renda já tivesse conta, e já as estivesse usando, não haveria essa aglomeração toda, porque bastaria creditar nelas o valor do auxílio emergencial".

Informação para evitar aglomeração desnecessária

Na primeira semana de saque em dinheiro do auxílio direto das poupanças digitais, houve aglomeração e longas filas em diversas agências da Caixa. Segundo o presidente do banco, a maioria das pessoas foi aos locais buscar informações, ou ainda não tinha direito ao saque.

"Temos tido, sim, uma demanda enorme por informação. A maioria das pessoas que está indo nas agências da Caixa não vai para retirar dinheiro, vai para ter informações", afirmou na sexta-feira (1º).

Lauro Gonzalez defende a colaboração de agentes sociais e bancos de desenvolvimento regional, que têm maior proximidade com a população de baixa renda e informais, para passar orientações e evitar aglomerações.

"O Banco do Nordeste tem quase 2,5 milhões de clientes, quase todos ligados a agentes de crédito. Eles estão acostumados a lidar com esse público. Há os agentes comunitários de saúde, por exemplo, que podem ter um tipo de atuação. O pessoal ligado ao Cras (Centro de Referência de Assistência Social), também", diz. "Esse contato deve ser digital, mas é bastante disseminado hoje o uso de WhatsApp, mesmo na população de baixa renda."

Caixa diz que filas são inevitáveis

O presidente da Caixa disse que é o maior pagamento da história do Brasil e que as filas são inevitáveis.

"Em menos de 20 dias, nós pagamos mais de 50 milhões de brasileiros, ou seja, um em cada três adultos recebeu dinheiro pela Caixa Econômica Federal", afirmou.

Sabemos que houve uma aglomeração grande. Estamos agindo para reduzir. Resolver, não. (Vou) deixar muito claro aqui. Não há nenhuma possibilidade de se pagar 50 milhões de pessoas em três semanas e não existir fila. Isso não existe. Não vou prometer o que é impossível. O que nós faremos é mitigar, reduzir as filas, com a ajuda de todos vocês
Pedro Guimarães, presidente da Caixa

Entre as medidas anunciadas pelo banco até agora, estão o aumento do horário de funcionamento de todas as agências em duas horas, o reforço do número de funcionários de atendimento e vigilância e mudanças no calendário de recebimento, para que o pagamento de pessoas que estão no Bolsa Família não coincida com o dos demais grupos.