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BB lucrou R$ 18 bi e rendeu R$ 3,4 bi para governo em 2019; por que vender?

O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Antonio Temóteo

Do UOL, em Brasília

09/06/2020 15h41Atualizada em 10/06/2020 17h04

Pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o Banco do Brasil seria privatizado já. Mas o BB é uma empresa pública que dá dinheiro: o banco lucrou R$ 18,1 bilhões em 2019 e pagou R$ 3,4 bilhões em dividendos para o governo federal no mesmo ano. Na década entre 2010 e 2019, o lucro médio foi de R$ 16,3 bilhões em cada ano. No mesmo período, a média anual de dividendos pagos para a União foi de R$ 3,6 bilhões.

Se o banco é tão lucrativo e rende dividendos anuais para o governo federal, porque privatizá-lo? Quais as vantagens e desvantagens de mantê-lo sob controle público?

A despeito da lucratividade, economistas ouvidos pelo UOL divergem sobre uma eventual privatização da instituição financeira. De um lado, especialistas avaliam que os sucessivos resultados positivos não são o ponto principal a ser analisado na discussão sobre a venda da empresa pública.

Eles defendem que não é papel do estado ter um banco e afirmam que os cargos da instituição financeira são alvos de diversos partidos políticos. "Eu entendo que uma empresa pública ter lucro ou não é uma questão secundária na decisão de privatizar. Esse não é o ponto mais importante. Tem justificativa o BB atuar em mercado privado? Não faz sentido", disse a economista Zeina Latif.

Quem é contrário à privatização afirma que o BB não pode ser privatizado porque deve ser usado para políticas públicas e para oferecer crédito em momentos de crise, mesmo que isso reduza o lucro. "O banco público pode ser um instrumento de política econômica, mesmo que tenha seu balanço penalizado, com redução do lucro", declarou o economista Júlio Miragaya, ex-presidente do Conselho Federal de Economia.

Equipe econômica é favorável à privatização

Na reunião ministerial de 22 de abril com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Guedes e o presidente do BB, Rubem Novaes, defenderam privatizar o BB.

Em conversas com técnicos da equipe econômica e outros executivos de mercado, Novaes tem reclamado das dificuldades de presidir uma sociedade de economia mista, que tem ações na Bolsa de Valores, mas é controlada pelo governo.

O BB é obrigado por lei a se submeter ao regime de licitações para contratar fornecedores e prestadores de serviço, além de ser fiscalizado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), pela CGU (Controladoria-Geral da União) e pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Economia.

A maioria dos trabalhadores precisa ingressar por concurso público. Além disso, há uma dificuldade em reter executivos talentosos que são atraídos pelos concorrentes com propostas salariais vantajosas. No BB, não há flexibilidade para remunerar melhor os executivos.

Lucro é questão secundária, diz economista

Zeina Latif afirmou que a lucratividade de uma estatal não é o ponto principal a ser levado em conta quando um governo decide privatizar. Segundo ela, uma empresa pública deve ser criada apenas quando o setor privado não atua em um segmento específico.

Mesmo sendo uma estatal lucrativa, essa empresa seria ainda mais eficiente se tivesse controle privado. Qual a justificativa para o setor público ter presença nesse negócio? É uma questão de eficiência econômica. Em situação de crise, privatizar uma empresa que dá prejuízo e representa um risco fiscal também deve ser levado em consideração.
Zeina Latif, economista

O leilão do BB, afirmou Zeina, precisa de supervisão do BC e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para evitar ainda mais concentração no mercado bancário brasileiro. Os cinco maiores bancos do país, incluíndo o BB, concentram mais de 80% dos depósitos e empréstimos. Apesar disso, ela declarou que o leilão do banco público não é urgente.

"A prioridade no momento é privatizar a Eletrobras. Ela representa um risco fiscal enorme porque é responsável por 30% da geração de energia do país e depende de investimentos anuais de até R$ 13 bilhões. O governo não tem esse dinheiro para investir", declarou.

Apesar do debate sobre privatizações, a economista afirmou que essa agenda não é uma prioridade do governo. Zeina declarou que a Casa Civil tem uma visão estatizante da economia e deixou isso claro quando divulgou o programa Pró-Brasil para alavancar o crescimento econômico com obras públicas. "Essa não é uma agenda cara ao governo. Pode ser para o Paulo Guedes, mas não é para o governo", disse.

Bancos são alvo de disputa política

O economista Roberto Ellery, professor da UnB (Universidade de Brasília), afirmou que mais importante que privatizar o BB é abrir o capital da Caixa. Ellery criticou as declarações do ministro da Economia, que afirmou que Caixa e BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) são do governo, e o Executivo pode fazer o que quiser com as duas estatais.

"Dizer que podem fazer o que querem com os dois bancos públicos é um absurdo. Essa postura era criticada no governo Dilma Rousseff. A questão principal é se cabe ao governo ter um banco ou não", declarou.

Ellery também afirmou que as diretorias, vice-presidências e a presidência dos bancos públicos são alvo de disputa política que levaram a sucessivos casos de corrupção em diferentes governos.

Sou a favor da privatização para tirar mais um poder do governo. Outro problema no Brasil é o que o mercado de capitais não se desenvolve porque temos juros subsidiados de bancos públicos. O setor privado não consegue concorrer.
Roberto Ellery. economista e professor da UnB

O processo de privatizações dos bancos públicos, afirmou Ellery, precisa trazer mais competição para o mercado bancário. Segundo ele, BB e Caixa não podem ser vendidos para os concorrentes privados brasileiros porque isso traria mais concentração bancária.

Bancos públicos são importantes na crise, diz economista

O economista Júlio Miragaya declarou que é contra o processo de privatização do BB. Segundo ele, os bancos públicos são instrumentos de política econômica, sobretudo em períodos de crise.

Os critérios dos bancos privados para conceder crédito são exclusivamente comerciais. E os relatos são de que exigem garantias imensas nesse momento de restrição de empréstimos. O banco oficial pode ser um instrumento de governo, mesmo que tenha seu balanço punido, com redução do lucro
Júlio Miragaya, economista e ex-presidente do Cofecon

A defesa da tese de que a venda de estatais é importante para reduzir a dívida pública, afirmou Miragaya, não é adequada. Ele declarou que o país precisa manter a taxa básica de juros baixa e voltar a fazer a fazer economia (superávit primário) para reduzir o endividamento.

"O crédito é essencial para recuperação econômica. Os bancos públicos poderiam flexibilizar as regras para emprestar, e isso traria um impacto positivo para a retomada do crescimento", afirmou.

Banco também recebeu dinheiro do governo

O BB tem dado lucro, mas também recebeu em 2012 um aporte de R$ 8,1 bilhões do Tesouro Nacional, por meio de IHCD (instrumento híbrido de capital e dívida), que são títulos de dívida, sem prazo de vencimento. Os recursos foram usados para enquardar o BB nas regras de regulação bancária para continuar a fazer empréstimos para o agronegócio.

Em 2014, após autorização do BC (Banco Central), esse dinheiro passou a compor o capital principal do banco. Não há prazo para o banco devolver esse dinheiro ao Tesouro, mas o Ministério da Economia já sinalizou que quer esse pagamento o mais rápido possível.