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O que faz o agente autônomo de investimento, centro de disputa de XP e BTG?

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

04/08/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Disputa por escritórios de profissionais de investimento mostra aumento de importância dessa categoria
  • Agentes autônomos ajudaram na migração de investimentos para Bolsa e fundos imobiliários
  • Queda dos juros reduziu ganhos de profissionais e empresas de mercado
  • Regras do setor estão em revisão pela CVM, órgão regulador do mercado financeiro

Eles eram praticamente inexistentes e desconhecidos de muitos investidores brasileiros há cerca de duas décadas, mas hoje são motivo de disputa entre grandes instituições financeiras. Os agentes autônomos de investimento (AAI), que somam mais de 12 mil profissionais no país, ajudaram milhões de brasileiros a trocar aplicações tradicionais e de baixo rendimento, como poupança e fundos de renda Fixa DI, por produtos com maior potencial de ganhos, como Bolsa e fundos imobiliários.

Nos últimos 20 anos, o número de investidores pessoas físicas na Bolsa saltou de 75 mil para quase 2,7 milhões, com uma participação direta dos agentes autônomos, que passaram a ser disputados pela maior empresa independente de investimentos, a XP, e o maior banco de investimentos da América Latina, o BTG Pactual. Uma briga que vai além da concorrência de mercado. Veja o que está em jogo.

Eles apresentam os investimentos

Os agentes autônomos fazem a ponte entre o investidor e o mundo dos investimentos, apresentando as aplicações que existem, dando orientações sobre os produtos e tirando as dúvidas dos aplicadores que surgem no dia a dia. Esse tipo de serviço acelerou-se no Brasil nos últimos três anos impulsionado pela queda dos juros.

Juros mais baixos estão gerando uma série de oportunidades no mercado financeiro porque levaram muitos investidores a buscar novos investimentos fora da renda fixa tradicional, tomando mais risco.
Cristiano Ayres, sócio e co-CEO do banco digital Modalmais

Investidor começou a tirar dinheiro dos bancos

Embora atualmente cerca de 90% dos R$ 4 trilhões que os brasileiros têm aplicados ainda estejam nos bancos, antes essa fatia era ainda maior, de quase 100%. Foram os agentes autônomos que ajudaram as novas plataformas a atrair recursos que estavam em casas como Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa.

A XP surgiu em 2001 como um escritório desses profissionais e criou uma rede de parcerias em todo o país até se tornar hoje a maior plataforma de aplicações em produtos financeiros do mercado, somando atualmente cerca de 2 milhões de clientes ativos, com R$ 412 bilhões aplicados.

Agora, o BTG Pactual quer fazer o mesmo. Mas aí surge um obstáculo: a exclusividade.

Exclusividade de atuação

Pelas regras atuais, um escritório de agentes autônomos tem que atuar por meio de um acordo de exclusividade com uma corretora. Isso acontece porque esse profissional é, por lei, um preposto da instituição financeira -ou seja, trabalha em nome dela.

É a corretora quem paga os serviços do agente autônomo, e não o cliente investidor. E, por isso, tem que ser exclusivo de apenas uma delas.

Então, para uma plataforma de investimentos ampliar sua base de clientes, há duas opções: ou estimula o surgimento de novos agentes autônomos ou tira esses profissionais de um concorrente. E, ao atrair esse executivo, tenta conquistar também a carteira de investidores desse escritório.

Por isso, o BTG Pactual tem trabalhado para tirar escritórios de agentes autônomos da concorrente XP.

Migração de cliente não é garantia

Quando um escritório de agentes autônomos troca de plataforma, os clientes desses agentes não são obrigados a seguir o mesmo caminho. É uma opção do investidor. Mas, como há uma relação de confiança, essa possibilidade fica no radar.

A XP diz que nos últimos dois anos, 18 de seus escritórios de agentes autônomos, ou 3,6% da base atual, com R$ 9,9 bilhões em recursos sob custódia, deixaram a plataforma. Mas afirma que, três meses após a saída de cada caso, apenas 11% dos investimentos dos clientes foram transferidos diretamente dos escritórios para a nova instituição financeira.

A XP destaca que nos últimos 24 meses também conquistou 139 novos escritórios e que o total de ativos sob custódia cresceu 160%, para R$ 412 bilhões.

BTG oferece sociedade

A disputa entre XP e BTG também revela outra face desse mercado -a dos próprios agentes de investimento tentando voos próprios mais altos.
As regras atuais determinam que um escritório de agentes autônomos só pode ter entre seus sócios esse profissional -credenciado pela Ancord (Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias).

Por isso, na hora de crescer e ampliar os negócios, esses escritórios têm dificuldades para atrair capital de um sócio investidor ou empresa. A saída para alguns desses escritórios seria se transformar em corretora, driblando a legislação para poder atrair outros investidores. Mas para se tornar corretora é preciso ter mais capital.

A estratégia então usada pelo BTG para tirar escritórios de agentes autônomos da XP é oferecer a eles a possibilidade de entrar de sócio do escritório na criação de uma corretora.

Assim, por exemplo, o BTG se tornou sócio do EQI, maior escritório de agentes autônomos do país, que vai deixar a XP Investimentos ao fim do atual contrato.

Esse movimento abre mais uma oportunidade para o agente autônomo: sendo maior e atuando como corretora, ele amplia as chances de manter os clientes investidores que havia angariado ao longo dos anos.

Mudança de regras a caminho

Para a Abaai (Associação Brasileira dos Agentes Autônomos), o tema que mais interessa ao setor hoje é mesmo a flexibilização da estrutura societária dos agentes pessoa jurídica.

"Esse tema vai destravar todo o mercado de agentes autônomos", afirma o diretor de relacionamento social da Abaai, Eduardo Siqueira, também sócio fundador do escritório de agentes autônomos Acqua Investimentos.

Segundo ele não faz sentido um escritório de agentes autônomos ter que se transformar em corretora para poder crescer.

É como me obrigar a trocar de esporte para poder seguir dentro de uma competição.
Eduardo Siqueira

A categoria defende essa mudança em uma possível alteração de regras do setor. Em março do ano passado a CVM - que regula o mercado de capitais no país - abriu uma consulta pública para ouvir propostas para uma nova lei.

Entre os temas que a CVM quer debater, estão a exclusividade do agente autônomo; a possibilidade de flexibilizar a estrutura societária dos agentes pessoa jurídica e ainda a transparência dos negócios entre instituições financeiras, agentes e clientes investidores.

Transparência sobre quem paga pelos serviços

Para a CVM, é preciso esclarecer os possíveis incentivos e conflitos de interesse na atuação desses agentes quando investidores decidem aplicar recursos nesse ou naquele produto dessa ou daquela corretora, afinal são as corretoras que remuneram os agentes, e não os clientes.

Além da transparência na remuneração, a CVM questiona como estimular a atuação dos consultores em parceria com os intermediários e distribuidores, de forma que os ganhos de todas as partes sejam transparentes.

Todos esses pontos estão ligados. Não adianta flexibilizar o modelo societário, se não acabar com a exclusividade ou se não houver portabilidade de investimentos.
Alexandre Marchetti, sócio do banco digital Modalmais

Segundo ele, o ativo mais importante em um escritório de agentes autônomos são os profissionais. Então, quanto mais liberdade para atuar eles tiverem, maior será a chance de captarem mais investidores.

Com juros altos, problema era menor

Quando a taxa básica de juros era mais elevada, superior a 10% ao ano, os ganhos sem risco e acima da inflação eram mais fáceis. E, por isso, empresas e profissionais que atuam (gestora de recursos, corretora, plataforma de investimento, agente autônomo) conseguiam ser remunerados sem corroer de forma relevante o ganho do aplicador.

Mas, com a Selic a apenas 2,25% ao ano e o mercado de ações atravessando um ano de muita volatilidade, os ganhos das aplicações recuaram. Ou seja, a margem para cobrar taxas do cliente ficou mais estreita.

Por isso, ganhou corpo a discussão sobre quem cobra o que nesse mercado. É uma informação que precisa ficar clara para o cliente, segundo profissionais de mercado.

Consultores financeiros e gestores de carteira também atuam

A sócia e diretora comercial da Genial Investimentos, Cláudia Simon, declara que além dos agentes autônomos há outros modelos de serviços para investidores prestados pelos consultores financeiros e pelos gestores de carteira.

Assim, as empresas e profissionais que atuam no mercado devem abrir ao máximo as informações sobre as formas de remuneração praticadas.

Tudo passa pela transparência. Com informações, o investidor tem que ter a maior liberdade para decidir pelo melhor modelo de serviço, com a maior flexibilidade possível.
Cláudia Simon