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Não é só o Magalu; vagas só para negros avançam, mas sofrem críticas

Imagem: Divulgação

Wagner Prado

Colaboração para o UOL, de São Paulo

23/09/2020 10h21

Ao direcionar seu programa de trainees apenas a candidatos negros, a rede varejista Magazine Luiza gerou polêmica. A iniciativa, porém, tem avançado entre empresas que tentam aumentar a reduzida presença de executivos pretos e pardos em seu corpo de funcionários. Bayer, Vivo e Diageo também anunciaram ações nessa linha.

Apesar de a intenção da empresa ser captar talentos pinçados exclusivamente entre candidatos negros, críticos classificaram a conduta é racista. Especialistas consultados pelo UOL, no entanto, rebatem, dizendo que trata-se de uma ação afirmativa para diminuir os efeitos do racismo, um problema estrutural, que afasta profissionais negros das grandes empresas.

Aplaudido por movimentos sociais, o programa do Magazine Luiza gerou controvérsia nas redes sociais e foi criticado por políticos. O deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) disse na noite de segunda-feira (21) que entraria com representação no Ministério Público.

Esse processo seletivo é completamente excludente. A Magalu alega que não há negros em cargos de diretoria na empresa. Ao fazer um processo só para negros, eles excluem brancos, pardos, indígenas e todo tipo de raça existente no Brasil. Se esse processo seletivo for efetivado, estaremos legalizando o racismo
Carlos Jordy, deputado federal (PSL-RJ) em entrevista à Rádio Jovem Pan

Outro que não gostou é o vereador paulistano Fernando Holiday (Patriota-SP), que classificou erroneamente a ação da empresa e da Bayer como racista.

"Essas empresas vão utilizar como critério de avaliação a cor da pele, e não a capacidade das pessoas. O nome disso é discriminação. É preconceito", afirmou em vídeo no Twitter.

Ações afirmativas são previstas em lei

Em sua fala, Jordy fez uma confusão. Historicamente, negros são a soma das populações parda e preta. Tanto ele como Holiday mencionam a lei 7716/89, que classifica o racismo como crime inafiançável, punido com pena de um a cinco anos de prisão. O que os dois não mencionam é que a lei foi motivada por atos de discriminação e racismo sofridos por mulheres e homens pretos ao longo da história do Brasil.

Para o escritor Oswaldo Faustino, militante do movimento negro, manifestações como a dos dois políticos já eram esperadas. "Não incluir negros nos programas de trainee ou tê-los em números irrisórios é o que os privilegiados consideram 'natural'. As ações afirmativas, assim como as políticas públicas inclusivas, já estão previstas na lei do Estatuto da Igualdade Racial", disse.

Ações afirmativas, explica, são programas de empresas que dão acesso a candidatos negros ou que reservam vagas a eles. Essas medidas combatem a discriminação racial, étnica, religiosa ou de gênero e tentam reparar seu caráter histórico.

No caso do Magazine Luiza, a ideia é promover acesso a emprego qualificado para cidadãos historicamente excluídos. Esse programa prepara os futuros executivos da varejista, e os selecionados recebem salário inicial de R$ 6.600.

Para Patricia Pugas, diretora executiva de Gestão de Pessoas do Magazine Luiza, diversidade é sinônimo de força empresarial. "Queremos desenvolver talentos negros, atuar contra o racismo estrutural e ajudar a combater a desigualdade brasileira. Uma empresa diversa é melhor e mais competitiva", diz.

Daniel Teixeira, advogado e diretor do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), afasta a ideia de que as ações da empresa possam incorrer no crime de racismo.

"O combate à desigualdade social está previsto tanto no Estatuto da Igualdade Racial quanto na nossa Constituição. Essas manifestações [como a do vereador Holiday] são contrárias ao avanço da equidade racial na sociedade brasileira e geram reação contrária em quem não concorda e acha que o Brasil deve fechar os olhos para isso, como fez historicamente".

Outras empresas adotam ações semelhantes

Magalu e Bayer não estão sozinhas. Em seu programa de trainee, a Vivo abriu 30 vagas, das quais reservou 30% (nove vagas) para candidatos negros. Uma das exigências, o domínio do inglês, foi abolida. "Estamos procurando quem esteja alinhado com a cultura e valores da empresa. Os conhecimentos técnicos, como o domínio de uma língua, serão trabalhados depois", afirmou a vice-presidente de pessoas da companhia, Niva Ribeiro.

A consultoria EY lançou neste mês o Black Professional Network, iniciativa que ampliará o recrutamento, desenvolvimento profissional e a retenção de profissionais pretos e pardos. Valerá inclusive para posições de liderança.

Já a fabricante de bebidas Diageo, dona de marcas como Smirnoff, Johnnie Walker e Tanqueray, abriu seis vagas voltadas a negros para trabalhar nas áreas de marketing e trade marketing.

Inclusão é caminho sem volta

Ainda que importantes, ações como estas, se forem isoladas, são insuficientes para mudar drasticamente o quadro de falta de diversidade, avalia José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.

"Essas ações não resolvem a desigualdade no Brasil, mas são um passo importante para a construção de um paradigma. Temos que comemorar ações dessas no ambiente corporativo. São transformadoras", disse.

A reversão total é difícil, dizem os especialistas consultados pelo UOL, porque as bases da sociedade brasileira ainda estão assentadas na escravidão. "As empresas estão corrigindo distorções que ocorrem na formação da sociedade brasileira, cujas estacas estão fincadas na escravidão negra. Isso é uma ação de reparação", diz o advogado Humberto Adami, presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra.

Adami conta que a semente desse movimento nas empresas foi plantada há 15 anos. Junto de outras entidades, como a Universidade Zumbi dos Palmares, a comissão levantou dados e mostrou que os bancos tinham no seu quadro de funcionários só 2% de negros. Isso serviu para as empresas criarem programas de inclusão de negros em seus quadros. Para Adami, o caminho da inclusão não tem mais volta.

Quem está combatendo isso ou quer frear o que está ocorrendo são pessoas desinformadas juridicamente e humanitariamente. Essas pessoas, sim, são racistas. A pauta delas é a da desconstrução. O avanço que as empresas estão promovendo em termos de inclusão social não tem volta.
Humberto Adami, presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra

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