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Para mercado, reforma tributária é mais urgente que a administrativa

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

26/09/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Profissionais de mercado dizem que reforma tributária pode ter impacto mais imediato
  • Reforma tributária pode ajudar a atrair investimentos privados necessários para retomada econômica, dizem analistas
  • Reforma administrativa é importante para conter gastos, mas resultados seriam mais no longo prazo, dizem especialistas

Para o mercado, se o governo tiver que concentrar todos os esforços na aprovação de apenas uma reforma ainda este ano, o foco deveria ser a reforma tributária. É o que aponta a maioria de economistas e profissionais de instituições financeiras ouvidos pelo UOL.

Para esses especialistas, a reforma tributária teria impacto mais rápido na vida das empresas e dos consumidores, estimulando o aumento de investimentos privados necessários para que o Brasil retome o crescimento econômico.

Segundo os analistas ouvidos, as reformas administrativa e política, assim como o programa de concessões e as privatizações, também são importantes para que o Brasil consiga atrair recursos privados locais e estrangeiros capazes de tornar a economia brasileira mais dinâmica, mas essas mudanças demorariam mais para ocorrer.

Reformas influenciam os mercados

As propostas do governo para essas reformas e as negociações com o Congresso estão entre os fatores que mais têm influenciado o comportamento dos mercados, afetando o valor das ações na Bolsa, a cotação do dólar ante o real e as taxas futuras de juros.

Nos dias em que o noticiário aponta uma evolução das negociações em torno dessas reformas, a Bolsa é influenciada positivamente, o dólar perde fôlego ante o real e os juros futuros recuam.

O economista Roberto Dumas, professor do Ibmec e com passagens por instituições financeiras como UBS, Citi e Itaú BBA, explica essa correlação. Segundo ele, se o investidor vê no radar apenas aumento de gastos públicos e nada de investimento privado na economia, entende que a dívida do país vai continuar aumentando, o governo terá que tomar mais dinheiro emprestado e, em algum momento, terá que pagar juros mais altos.

"Quando a dívida pública sobe, a curva de juros sobe junto. O custo de oportunidade se volta para a compra de títulos públicos em vez de investimento privado", diz Dumas.

"Se a gente não fizer ajustes, dificilmente o investidor externo que procura economias mais equilibradas vai pousar aqui. Pode até acontecer, mas não no volume que a gente precisa. O Brasil tem apenas 15% de investimento ante o PIB. A gente precisa de, pelo menos, investimentos da ordem de 20% do PIB para crescer de forma sustentável", afirma o economista chefe do banco digital Modalmais, Alvaro Bandeira, há mais de 50 anos no mercado, com passagens por bancos e cargos de direção nas Bolsas de São Paulo e do Rio.

Maioria defende reforma tributária

Em uma enquete do UOL com 11 economistas e profissionais de mercado, seis dos especialistas afirmaram que a reforma tributária deve ser o foco do governo se todo os esforços tiverem que ser voltados para uma —e apenas uma— das reformas. Dois analistas disseram que a reforma administrativa é que deve receber as atenções neste momento. Outros dois preferem que Brasília se concentre este ano na aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que proteja o teto de gastos e deixe as demais batalhas para 2021. Um consultor aponta para a reforma política como a mais necessária neste momento.

Veja abaixo os argumentos de cada lado.

Pela reforma tributária

A reforma tributária é mais importante porque tem mais efeitos de curto e médio prazo. Já a administrativa, da forma como está posta, não pegando o funcionalismo público atualmente empregado, teria efeito mais de longo e médio prazo.
Alvaro Bandeira, economista-chefe do Modalmais

Ter um sistema tributário eficiente não beneficia apenas as empresas, mas especialmente o consumidor de baixa renda, pois a maior parte dos impostos no Brasil recai sobre o consumo. Do lado das empresas, uma carga menor tem potencial para tornar o produto brasileiro mais competitivo e reduzir em parte o chamado custo Brasil.
Alan De Genaro, professor da EAESP/FGV

Nossa tributação contém enormes disparidades e é preciso adequá-la ao fomento da geração de renda e emprego. Para isso, é fundamental rever a tributação em cascata e as exceções. Também é preciso simplificar e tornar mais transparente nosso sistema tributário.
Antonio Corrêa de Lacerda, professor e diretor da PUC-SP e presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia)

Com a reforma tributária, os investidores e os empresários já teriam uma noção de como projetar os fluxos de caixa e quanto vão ter que pagar ou economizar de impostos antes de investir.
Roberto Dumas, professor do Ibmec

A reforma tributária pode simplificar a arrecadação de tributos e propiciar um entendimento mais amigável para as empresas e investidores que pretendam entrar no mercado brasileiro, e sinalizar um desentrave relevante para a retomada da economia, abrindo caminho para o país que precisa buscar austeridade fiscal.
Paulo Fróes, diretor da gestora de recursos SRM Asset

As propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso apresentam um retorno maior em termos de crescimento e potencial de melhoria das finanças públicas. Desse modo, o ambiente raro favorável à aprovação de uma reforma tributária em ambas as Casas deveria ser aproveitado.
Emerson Marçal, economista e professor da EESP/FGV.

Pela reforma administrativa

O problema mais premente do país é solvência, e não a eficiência. Então, a reforma administrativa permite que o governo reduza custos e obedeça ao teto de gastos. Sem ela, não vejo como isto possa ser feito, e o teto de gastos é a única âncora que resta para a política fiscal. A crise de dívida pode provocar outra recessão brutal, com ou sem reforma de impostos. A prioridade, portanto, é evitar uma crise de dívida pública.
Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank

O calcanhar de Aquiles atual da economia brasileira é a situação fiscal. O endividamento público já era a maior preocupação antes da crise da covid-19, e se agravou em virtude das medidas de estímulo fiscal para atenuar o efeito recessivo.
Patricia Krause, economista da Coface para América Latina

Ambos ponderam que a reforma administrativa como está posta pode não ser bem recebida pelo mercado, mesmo que aprovada, pois terá impacto limitado no curto prazo por valer apenas para novos servidores, e não para os atuais.

Foco nas PECs

Já para dois economistas, as reformas podem ficar para depois, porque o mais urgente mesmo agora é concentrar esforços na manutenção da regra do teto de gastos para evitar a explosão da dívida pública.

Manter o teto dos gastos é fundamental para evitar aumento do prêmio de risco, desvalorização cambial, dificuldade para financiar a dívida pública, aumento das taxas de juros e da taxa de inflação, com consequente aprofundamento da recessão. Por isto, a prioridade de curto prazo é viabilizar o cumprimento do teto, o que somente será conseguido com a redução de gastos obrigatórios e desvinculação de recursos do orçamento, como propõem as PECs.
José Márcio Camargo, Genial Investimentos

A preservação do teto dos gastos é preponderante para as expectativas de retomada da economia após a crise e para a sustentabilidade da taxa de juros em baixo patamar por um longo período.
Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas gestora de recursos

Um voto para a reforma política

Embora as reformas tributária e administrativa estejam com maior visibilidade no momento e sejam mais urgentes, dada a necessidade de equilibrar as contas públicas, está claro que o atual sistema político não favorece as mudanças. Neste contexto, entendo que a reforma política é mais importante pelo potencial de avanço que pode trazer no longo prazo.
Fábio Astrauskas, economista, CEO da Siegen consultoria e professor do Insper