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Quais são os tipos de gestão de RH - e o que eles revelam sobre sua empresa

Reunião de negócios, vista do alto, com gráficos e planilhas - Matthew Henry/Burst
Reunião de negócios, vista do alto, com gráficos e planilhas Imagem: Matthew Henry/Burst

Bruno Lazaretti

Do UOL, em São Paulo

14/10/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Professor e pesquisador de gestão de pessoas define quatro modelos: clássico, motivacional, estratégico e competitivo
  • Modelos estão associados à evolução dos sistemas de trabalho ao longo dos últimos 120 anos
  • Cultura corporativa e leis trabalhistas também interferem na adoção do modelo
  • A "uberização do trabalho" trouxe uma nova forma de gestão, via análise de dados, que pode consolidar um quinto modelo de RH

Para muitos trabalhadores, a relação com o departamento de recursos humanos de sua empresa se resume a ser contratado, remunerado e, eventualmente, demitido. Se essa sempre foi sua experiência, sinto informar: você trabalhou a vida toda num companhia com um modelo muito antigo de gestão de pessoas.

Segundo André Fischer, livre-docente e coordenador dos MBAs de recursos humanos da Fundação Instituto de Administração (FIA), esse foi o primeiro modelo de supervisão de trabalhadores que surgiu, nas linhas de produção industriais do começo do século 20. Muita coisa mudou desde então.

André Fischer, professor da FIA - Divulgação/FIA - Divulgação/FIA
Fischer, da FIA: modelos de gestão foram se transformando ao longo do século passado
Imagem: Divulgação/FIA
Fischer tem acompanhado essa evolução desde que publicou sua tese de doutorado, em 1998. Hoje, ele propõe quatro modelos de gestão nas empresas brasileiras, e que podem ser localizados numa linha evolutiva que começa com os operários das linhas de montagem clássicas e termina nas equipes reduzidas e altamente qualificadas das fintechs atuais.

Ele também começou a detectar sinais de um novo formato, que desafia as convenções tradicionais, ligado à chamada "uberização do trabalho". Em serviços como iFood, Rappi ou 99, "a pessoa assume o trabalho e ela mesma é responsável por tudo o que acontece ali , e está sujeita a um sistema de controle que é da própria plataforma", pondera Fischer.

Clássico, motivacional, estratégico ou competitivo?

"Os modelos originais descritos pelo professor Fischer explicam a maior parte do que a gente precisa entender sobre o assunto", afirma Elza Veloso, livre-docente pela USP. "Se você é um empresário e quer saber o que precisa fazer para ser mais competitivo em termos de gestão de pessoas, esses modelos vão te ajudar", resume.

No modelo clássico, surgido com a produção industrial, o RH tem uma atuação limitada: garantir que os trabalhadores batam cartão, realizem suas tarefas, e sejam promovidos ou demitidos de acordo com a performance. "O RH é basicamente um executor. Faz o sistema repetitivo continuar repetindo", explica Marcos Baptistucci, diretor de RH para o Cone Sul para a Owens Illinois, uma gigante de embalagens de vidro, e MBA pela FIA.

Com o aumento da concorrência entre empresas e o avanço da tecnologia, a necessidade de evitar a evasão de mão de obra levou ao modelo motivacional, que cria benefícios para manter os funcionários satisfeitos e programas para treiná-los. "Quanto melhor preparado está o funcionário, mais satisfeito ele fica, e melhor ele produz", resume Marcos Baptistucci.

Na década de 70, as empresas passaram a integrar melhor distintos departamentos, como um organismo vivo de sistemas interdependentes. O RH acompanhou essa mudança de visão, se organizando em comitês e tomando decisões coletivas: é o modelo estratégico. "Tudo se discute na forma colegiada, da calibração das metas à validação dos talentos. Se vou falar de finanças, o setor de vendas precisa participar", exemplifica Marcos.

Por fim, o modelo competitivo se popularizou com as grandes firmas de tecnologia e de consultoria, que precisam reter talentos altamente especializados - daí o nome, já que competem por profissionais entre si. "Essas pessoas precisam de mais autonomia, mas também precisam estar comprometidas com o trabalho, porque não estarão subordinadas a um horário fixo, ou a uma remuneração fixa", afirma Fischer. "Entra em jogo a remuneração variável, o envolvimento com stock options. O funcionário tem que administrar a própria carreira".

A influência das leis trabalhistas e da cultura corporativa

Elza Veloso, livre docente na FIA e na USP - Divulgação/FIA - Divulgação/FIA
Elza Veloso, da FIA: cultura corporativa precisa olhar para as pessoas desde o começo
Imagem: Divulgação/FIA
"Quanto mais a automação absorve atividades operacionais, mais o trabalhador tem uma função de monitorar o processo, em vez de executá-lo. Nesse sentido, as empresas com modelos clássicos deveriam deixar de existir", explica Fischer. "Mas, quando você vai a campo, vê que empresas adotam até hoje uma diversidade de modelos".

Mas muitos fatores internos podem tensionar o cabo de guerra entre modelos. "Quando a cultura corporativa não se forma olhando para as pessoas [desde o começo], isso vira uma grande barreira", opina Elza. "Tenho alunos que são contratados para avançar o modelo de gestão e não conseguem por causa disso. Uma aluna trabalhou em uma empresa familiar e escutou 'a gente não acredita em RH, mas tudo bem, faz aí'".

Fatores externos também podem afetar essa definição de perfil. A atuação de sindicatos, por exemplo, tende a empurrar a gestão de RH para o lado dos modelos clássico e motivacional. Já a flexibilização das leis trabalhistas ou a adoção do home office empurram para o outro lado, o dos modelos estratégico e competitivo.

A "economia de bico" muda tudo

Greve de entregadores de aplicativos - Taba Benedicto/Estadão Conteúdo - Taba Benedicto/Estadão Conteúdo
"Economia de bico" desafia os modelos convencionais de gestão de pessoas
Imagem: Taba Benedicto/Estadão Conteúdo
Para André Fischer, os negócios da chamada "gig economy", ou "economia de bico", como Uber, iFood, Rappi, desafiam convenções sobre modelos de gestão e talvez exijam a criação de uma nova categoria.

Nesses casos, o vínculo entre um entregador de comida e o aplicativo não é mediado por um conjunto de práticas de RH. E a relação entre ambos é mediada por um sistema resenhas de usuários. Operado por modelos algorítmicos, esse sistema pode ser entendido como a automação de parte do setor de RH. "Nessa situação, a gente vê o uso de dados para administrar as pessoas e o trabalho", explica Fischer. "O uso de big data e people analytics é algo que não existia antes".

"O que está em gestação é um novo modelo de gestão de RH", sugere André Fischer. "Não conseguimos mapear ainda, porque não está pronto, é difícil de fotografar". Mas neste novo modelo, parte da relação de trabalho é determinada pelo usuário. "Você dar estrelinhas em um aplicativo é, sim, uma prática de RH", conclui.

O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que mede o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e os vencedores do Prêmio devem ser anunciados em novembro.