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Agências de publicidade apostam em projetos para ampliar diversidade racial

O programa Entre, da Publicis, chegou à sua 3ª edição este ano - Divulgação
O programa Entre, da Publicis, chegou à sua 3ª edição este ano Imagem: Divulgação

Renato Pezzotti

Colaboração para o UOL, em São Paulo

20/11/2020 10h01

Mais de um ano após a assinatura de um pacto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) por 15 agências de publicidade, para ampliar a presença de publicitários negros no mercado publicitário nacional, o que as agências têm efetivamente feito?

Segundo o MPT, o balanço do primeiro ano do projeto é excelente. Os resultados estão sendo monitorados pela procuradora Valdirene Dias de Assis, coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho.

Reuniões para troca de boas práticas

"Notamos um grande engajamento dos CEOs e presidentes das agências. Isso faz toda a diferença. Além disso, a percepção é de que o setor publicitário é mais aberto ao debate, em relação a outros setores. É perceptível que eles se permitem mais diálogos assim, mesmo porque a publicidade não pode estar descolada dos grandes temas contemporâneos", declara Valdirene.

Mesmo durante a pandemia, as agências têm se reunido constantemente com membros do MPT para apresentar os resultados de suas iniciativas e atualizar o órgão sobre o censo de empregados de cada uma. Algumas agências do pacto, entre elas Mutato, Ogilvy, Publicis Brasil, VML&YR e Wunderman Thompson, têm ampliado suas ações. Confira abaixo algumas das iniciativas.

Meta ampliada

A Wunderman Thompson atualizou seu projeto 20/20, lançado em 2017, que consistia no objetivo de ter, ao final de 2020, 20% do quadro de funcionários em áreas estratégicas da agência preenchido por profissionais negros.

Segundo a empresa, a última atualização cadastral apontou que 24,2% dos 550 funcionários se classificam como negros (pretos e pardos). A meta da empresa, agora, é que a representação seja equivalente à proporção da sociedade brasileira, que possui 56% de negros, segundo dados de 2019 do IBGE.

Turmas somente para estudantes negras

A Publicis Brasil, por sua vez, desde 2017 promove o projeto Entre, criado pela empresa para capacitar mulheres que desejam seguir carreira nas áreas de criação das agências de publicidade.

Este ano, em sua terceira edição, o programa foi aberto exclusivamente para estudantes negras e realizado de forma online, devido à pandemia. As selecionadas estão participando de um curso gratuito, com três meses de duração. A última aula acontece em 28 de novembro.

'Escola na Rua'

A VMLY&R realizou este ano um programa de extensão, com o objetivo de aumentar o número de pessoas de universidades periféricas nos departamentos de criação das agências.

Chamado de 'Escola Rua', o projeto formou 14 estudantes em sua primeira turma, em fevereiro deste ano. Ao todo, foram três meses de aulas, realizadas aos sábados, na sede da agência, em São Paulo.

A agência havia programado uma segunda turma, de forma presencial, para o segundo semestre —plano que teve que ser alterado devido à pandemia.

Criação (e divulgação) de conteúdo

A Ogilvy afirma que possui 27% de profissionais negros em seu quadro de funcionários —sendo 9% destes em cargos de liderança. A agência pretende ter 20% de profissionais de média e alta gerência negros nas contratações.

No mês passado, a agência lançou a iniciativa "Eixo Benguela", que se propõe a gerar debates sobre a importância da representatividade racial na publicidade, por meio da divulgação de conteúdos sobre o tema.

Incubadora do Indique uma Preta

A Mutato, por fim, explica que iniciou seu projeto de diversidade em 2016, com o apoio da consultoria Empregueafro. Neste movimento, a agência saltou de 11% de profissionais autodeclarados negros em 2017 para 32% no primeiro semestre de 2020.

Este ano, a agência passou a servir de incubadora para a consultoria Indique uma Preta, fundada por três profissionais que trabalharam na agência ao longo da carreira. O Indique uma Preta foi criado para ser um ponto de conexão entre mulheres negras e o mercado de trabalho.

Objetivo agora? Aumentar número de líderes negros

"O cenário já passou a ser questão de sobrevivência das empresas. Se eu fosse CEO, já estaria atrasado para entender o processo. Quem assumir a vanguarda ficará bem à frente dos outros", diz Michael França, pesquisador do Insper.

"A diversidade fará as agências identificarem melhor as oportunidades de mercado. Temos uma percepção de relativo avanço. Mas quando comparamos as agências brasileiras com as norte-americanas ou britânicas, por exemplo, percebemos o quanto estamos atrasados. Lá, elas já são (ou têm departamentos) multiculturais, para entender esse novo momento", afirma Paulo Rogério Nunes, publicitário e consultor em diversidade.

Para o Ministério Público do Trabalho, o objetivo agora é aumentar o número de líderes negros nas empresas de comunicação. Em 2021, as produtoras de filmes comerciais também serão convidadas a entrarem no pacto -bem como outras agências de publicidade.

"O desafio é criar um mecanismo de ascensão desses profissionais. Outro ponto importante é, também, a diversificação dos fornecedores, como produtoras e criadores de conteúdo. Isso já é bem forte nos EUA", afirma o consultor Paulo Rogério.

"Algumas agências têm programas mais fortes, estruturados, que abrem espaço para o crescimento dentro da carreira. Outras, porém, acabam contratando profissionais já formados. De qualquer forma, o desafio é incrementar esse extrato dentro das agências, principalmente nos cargos de liderança", afirma a procuradora do MPT.

Nova dinâmica, com novas relações de poder

"Não podemos olhar fotos estáticas do momento. Uma nova dinâmica já está acontecendo e acredito que a readequação das relações de poder é inevitável", diz Michael, do Insper.

Para falar sobre o tema, a Wunderman Thopmson vai promover, entre os dias 7 e 11 de dezembro deste ano, a 4ª Semana de Equidade Racial. A ideia é discutir como o mercado deve atuar para aumentar a presença de profissionais negros em cargos de direção das empresas.

Se as outras edições foram restritas aos colaboradores da agência, o evento deste ano será aberto ao público, com debates transmitidos pelo ECOA, do UOL.

Participarão do encontro nomes como o professor e pesquisador Silvio Almeida, Daniel Teixeira (CEERT - Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades), Vivi Duarte (Plano Feminino), Helena Bertho (L'Oréal) e Mafoane Odara (Instituto Avon), entre outros profissionais.