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Startups levam tecnologia, inovação e cabelos coloridos às megacorporações

 Livia Brando, da Wayra Brasil, hub de inovação aberta da Vivo: "Aprendizado mútuo" - Divulgação/Wayra Brasil
Livia Brando, da Wayra Brasil, hub de inovação aberta da Vivo: "Aprendizado mútuo" Imagem: Divulgação/Wayra Brasil

Bruno Lazaretti

Do UOL, em São Paulo

20/11/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Grandes empresas se aproximam de startups em busca de inovação, mas percebem que também ganham melhoras na cultura organizacional
  • Graças à parceria com fintechs, Visa passou a trabalhar com equipes multidisciplinares e percebeu funcionários mais dispostos a arriscar
  • Porto Seguro mantém a aceleradora de startups Oxigênio; uma das consequências foi a adoção de uma hierarquia mais horizontal
  • Vivo conta com o hub de inovação aberta Wayra e criou projeto para sistematizar a influência disruptiva das startups
  • Parceria da Vivo com a startup Guppy, focada em recrutamento, encurtou o tempo de reposições de vagas em 30%

Segundo a Associação Brasileira de Startups, já existe 12.700 empreendimentos desse tipo operando no país. É uma boa notícia para o mercado de trabalho e para o mercado consumidor. Mas também para as grandes empresas: desde o início dos anos 2000, as startups têm se provado uma "fonte da juventude" para corporações em busca de reinvenção, ao prover novas tecnologias, processos e mindsets. E essas mudanças também impactam a cultura organizacional desses lugares.

"As pessoas se contaminam", relata Eduardo Abreu, VP de novos negócios da Visa, que supervisiona o programa de aceleração de startups da companhia. "Depois do primeiro ano [do programa], já era comum você ver nossos colaboradores falarem, 'a gente tem que tentar isso aqui e ver se dá certo! Se não der certo, a gente não evolui, mas temos que tentar. Não podemos desistir por conta da burocracia'."

A iniciativa seleciona fintechs em processo de amadurecimento e as conecta ao ecossistema da gigante de cartões. Para cada uma delas, é designado um executivo-mentor da Visa, que dá acesso a clientes, oferece assessoria para pitches e consultoria tecnológica. Em contrapartida, a Visa consegue trazer novas soluções para a própria empresa e para parceiros, além de, claro, ficar de olho em novidades do mercado que podem se converter em oportunidades (ou ameaças).

Eduardo Abreu, VP de novos negócios da Visa - Alexandre Schneider/Visa - Alexandre Schneider/Visa
Abreu, da Visa: "A linguagem das startups entrou na veia de todo mundo"
Imagem: Alexandre Schneider/Visa
Do choque de culturas entre a empresa de cartões fundada em 1958 e as dezenas de fintechs que passaram pelo programa, quem mais saiu transformada foi a Visa. "Hoje em dia, da recepcionista ao presidente, todos sabem o que é um SDK [software development kit] ou um API [application programing interface]. A linguagem entrou na veia de todo mundo", exemplifica Abreu.

"Depois do projeto de aceleração, passamos a trabalhar com o formato de pequenas equipes multidisciplinares, as squads. O mais interessante de ver é que os scrum-masters [líderes] dessas squads não são determinados por cargo. Então, é comum ver uma gerente coordenando o trabalho de um vice-presidente, de um diretor. Isso é uma prova de como mudamos a forma de trabalho", completa. Segundo ele, a decisão de não mais determinar assentos no escritório também foi consequência dessa influência.

Como "oxigenar" uma seguradora tradicional

Marcos Sirelli, diretor de TI da Porto Seguro - Fernando Martinho/Porto Seguro - Fernando Martinho/Porto Seguro
Sirelli, da Porto Seguro: "Nova inspiração para a construção de produtos"
Imagem: Fernando Martinho/Porto Seguro
Na Porto Seguro, que mantém a aceleradora Oxigênio, o contato com startups também sacudiu as estruturas hierárquicas. "Adotamos um modelo mais horizontal a fim de integrar os colaboradores e corretores, independentemente do cargo que ocupem ou da ligação exclusiva ou não que tenham com a companhia", diz o diretor de TI Marcos Sirelli. "Na diretoria, por exemplo, não temos salas específicas para diretores. Todo corretor que atende a Porto ganha um crachá e tem livre acesso à estrutura física da empresa".

"Não há como se relacionar com essas empresas sem estarmos adequados a esse estilo", afirma Sirelli. "É fundamental ouvirmos nossos colaboradores e isso tem trazido resultados bastante positivos para o dia a dia da companhia".

Quando perguntado sobre esses resultados, Sirelli vira uma metralhadora de jargões em inglês - outro efeito colateral comum da convivência com startups. "Na TI, o programa de aceleração deu uma nova inspiração ao trabalho com squads e à construção de produtos, com design thinking [metodologia criativa para solução de problemas], design sprint [versão acelerada do design thinking] e growth hacking [técnicas inovadoras para crescimento da empresa]", afirma.

Entre as startups que já tiveram soluções integradas à Porto estão a SoluCx, focada em gestão de experiência para o segurado; a Psicologia Viva, voltada para o atendimento de funcionários e clientes; e a BornLogic, que auxilia a interação entre corretores e seus clientes nas redes sociais.

Na Vivo, recrutamento 30% mais rápido

Rodrigo Gruner, diretor de serviços digitais e inovação da Vivo - Divulgação/Vivo - Divulgação/Vivo
Gruner, da Vivo: "Mais capacidade de provocar uma cultura orgânica de inovação"
Imagem: Divulgação/Vivo
Outra empresa que relata uma disrupção controlada no contato com startups é a Vivo. Desde 2012, a telecom mantém a Wayra, um hub de inovação aberta, que busca, investe e escalona startups. "Tem um aprendizado mútuo. A startup abre uma porta, valida uma solução. E os colaboradores da Vivo, além de conhecer mais da tecnologia, despertam em si mesmos o sentimento de empreendedorismo, mesmo estando dentro de uma organização", diz Livia Brando, country manager da Wayra Brasil.

Segundo Rodrigo Gruner, diretor de serviços digitais e inovação da Vivo, a Wayra faz parte de um esforço da empresa de quebrar a inércia natural que acomete companhias de grande porte, agravada por uma desaceleração específica no setor de telecom.

"Hoje, a Vivo tem 33 mil colaboradores diretos. Uma empresa desse tamanho tem a lógica de continuar fazendo o que sempre fez, porque é mais fácil", resume Gruner. "Chegamos em um ponto da indústria em que, globalmente, não temos o crescimento que tínhamos no passado. Então, obviamente, surgiu um ambiente em que a empresa busca novas linhas de receita. E também olha para dentro. Olha o que faz, e como faz."

Uma das mudanças mais significativas trazidas pela Wayra foi a Guppy, uma startup de tecnologia de RH (ou "HR Tech", como eles gostam de dizer) focada em recrutamento. Ela leva em conta aspectos comportamentais do candidato para calcular sua adequação à vaga em disputa. A Wayra descobriu a Guppy em 2018, e no ano seguinte adotou a ferramenta para todas as contratações da própria Vivo. Seu uso encurtou o tempo de reposições de vagas em 30% e aumentou os indicadores de satisfação com o recrutamento em 70%. O caso trouxe ainda mudanças comportamentais: a área de RH passou a confiar em soluções oferecidas por empresas de menor porte e startups, coisa que não acontecia antes.

O sucesso da Guppy também ajudou a pilhar outro projeto, chamado Shapers, para sistematizar essa "polinização cruzada" dos colaboradores da empresa. Criado há dois anos, ele seleciona gestores e executivos da Vivo para passarem por uma imersão na selva do empreendedorismo, com ciclos de palestras e visitas na própria Wayra, em fundos de capital de risco e em startups. Os "modeladores" têm a missão de encontrar soluções inovadoras para suas áreas (que vão desde TI ao jurídico). "Essa galera fica contaminada. E isso gera um efeito positivo. Nos dá mais capacidade de provocar uma mudança perene na organização, criar uma cultura orgânica de inovação", diz Gruner.

O impacto das startups inclui até mudanças no dress code da corporação. "Há dez anos, aqui era terno e gravata, parecia um banco. Hoje você para em um andar e vai ver gente de cabelo colorido e bermuda. No outro, pode encontrar gente vestindo camisa e calça social, porque aceitamos tudo", exemplifica Gruner.

O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que mede o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. Eles serão anunciados em 1/12.