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Cade abre investigação sobre publicidade na Globo; é a 2ª ação em 3 meses

João José Oliveira e Renato Pezzotti

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

02/12/2020 17h27Atualizada em 02/12/2020 22h23

Resumo da notícia

  • Conselho Administrativo de Defesa Econômica instaura inquérito administrativo para apurar indícios de condutas anticompetitivas do Grupo Globo
  • Investigação envolve planos de incentivo em contratos firmados com agências de publicidade
  • Como medida preventiva, Globo fica proibida de celebrar novos contratos de plano de incentivo e de realizar quaisquer adiantamentos

A superintendência geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) instaurou nesta quarta-feira (2) inquérito administrativo para apurar supostos indícios de condutas anticompetitivas por parte do Grupo Globo de Comunicações em contratos firmados com agências de publicidade e adotou medida preventiva contra o grupo para impedir prejuízos à concorrência. Se descumprir a medida, a multa é de R$ 20 mil por dia. É a segunda ação do Cade contra a Globo desde setembro.

Em nota técnica, a superintendência geral do Cade afirma que, nos chamados "planos de incentivo", o veículo de comunicação pode estabelecer formas adicionais de remuneração às agências, como, por exemplo, a bonificação por volume (conhecido como 'BV').

Neste caso, a bonificação pode ser considerada um programa de desconto, que inclui práticas como premiação para quem faz mais anúncios, estratégias de fidelização, imposição de volume mínimo de aquisição, entre outros.

A Globo, por meio de seu departamento de comunicação, afirmou que "está avaliando as medidas legais cabíveis".

Abuso de posição dominante

Na análise realizada, o Cade entendeu que a forma como a emissora concede a bonificação às agências decorre de exercício abusivo de posição dominante e induz à fidelidade contratual.

"As cláusulas de bonificação estimulam a discriminação arbitrária entre os adquirentes de tempo/espaço publicitários e dificultam o funcionamento de empresas concorrentes, por incentivar as agências a concentrarem seus investimentos na emissora, como forma de obtenção da bonificação", aponta o Cade.

Medida preventiva

Segundo a superintendência geral do Cade, outra prática possivelmente problemática do ponto de vista concorrencial é o adiantamento da bonificação. Para o órgão, o adiantamento promove acentuado aumento no grau de dependência econômica das agências junto à emissora.

Isso porque, ao entregar antecipadamente os valores de bonificação, a emissora torna-se credora da agência, que, portanto, deverá assegurar que seus futuros trabalhos sejam suficientes para garantir percentual de bonificação equivalente ao já recebido.

A nota do Cade diz que a medida foi adotada para "evitar prejuízos ao mercado". Desse modo, o grupo Globo fica proibido de celebrar novos contratos de plano de incentivo e de realizar quaisquer adiantamentos, seja em contratos vigentes ou futuros, a partir da concessão desta medida.

A medida pode atrapalhar a busca de patrocinadores pela emissora. Na semana passada, a Globo negociou as cotas do seu 'Pacote Futebol 2021' com Casas Bahia, Vivo, Itaú, General Motors, Hypera Pharma e Grupo Petrópolis, assegurando uma receita bruta de quase R$ 1,9 bilhão.

Atualmente, estão no mercado outros pacotes de mídia, como o do Big Brother Brasil 21. Somente do BBB 21, a emissora pode arrecadar R$ 470 milhões em patrocínios fixos.

Governo busca o "fim do BV"

No começo de 2019, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que iria buscar, junto ao Congresso, uma maneira de extinguir este tipo de plano de incentivo realizado pelos veículos de comunicação no país.

Na época, Bolsonaro afirmou que este tipo de bonificação teria que "deixar de existir" e que havia ficado até mesmo "assustado" ao entender como funciona o plano de incentivo. "Vamos eliminar essas questões para que a imprensa possa cada vez mais fazer um bom trabalho no Brasil", disse.

Logo depois do pronunciamento, a Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) anunciou que iria abrir um diálogo com o governo para explicar "como é a atual regra de compra de mídia no Brasil". Na época, a Associação afirmou que precisaria "desfazer crenças e mitos" sobre as boas práticas do segmento.

Comum entre agências e veículos de comunicação

A bonificação por volume, regra atacada pela decisão do Cade como uma "conduta anticompetitiva", é uma negociação comum entre agências de publicidade e veículos de comunicação.

O "BV" é, realmente, considerado um programa de incentivo: quanto mais se anuncia num determinado veículo, maior o desconto que a agência consegue. A remuneração, que já chegou a 20%, hoje gira em torno de 5% do total da verba investida.

Os veículos de imprensa que possuem uma audiência menor são menos contemplados pelos planos de mídia dos anunciantes.

No ano passado, Marcelo de Carvalho, vice-presidente da Rede TV, afirmou que a prática seria "o verdadeiro vilão da derrocada da Abril e do sufoco do mercado como um todo: o BV, eufemisticamente chamado de 'Planos de Incentivo', uma espécie de propina legalizada".

No texto, o executivo afirmou que "enquanto não for proibida essa prática, continuaremos a ver um verdadeiro assassinato em massa dos outros veículos, um atentado à liberdade de imprensa, a continuação da hegemonia de um só microfone em detrimento dos demais".

Monopólio no futebol

Em setembro, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) já havia aberto uma outra investigação, para apurar se a Globo tem o monopólio de transmissão de direitos de futebol no mercado nacional.

Pelo regimento do Cade, o órgão tem até o fim de março de 2021, prorrogáveis até maio do mesmo ano, para concluir a investigação e indiciar, ou não, a Globo por crime de abuso de poder econômico.