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Saída da Ford significa desindustrialização do Brasil? Economistas opinam

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

11/01/2021 20h34

O anúncio do fim da produção de veículos da Ford no país e fechamento das três fábricas da montadora pegou o mercado de surpresa, que não esperava uma decisão dessa proporção de uma empresa há tanto tempo no Brasil.

Apesar das implicações diretas da saída, como a perda de empregos, economistas consultados pelo UOL se dividem ao opinar se ela seria consequência, ou não, de um processo de desindustrialização no país.

Ford culpa ambiente econômico desfavorável

Lyle Watters, presidente da Ford na América do Sul, afirmou que, após reduzir custos em "todos os aspectos do negócio" e encerrar produtos não lucrativos, incluindo o fim da produção de caminhões, o ambiente econômico desfavorável, agravado pela pandemia, deixou claro que seria necessário "muito mais" para dar sustentabilidade e rentabilidade à operação.

O economista Mauro Rochlin diz que é difícil saber, ao certo, o que motivou a decisão, mas acredita que ela tenha mais a ver com uma estratégia global da empresa, do que com o cenário brasileiro.

Causa estranheza, porque o Brasil ainda é um mercado consumidor muito importante. A perspectiva para 2021 é de venda de cerca de 2,5 milhões de veículos. Não é pouco. Não consigo enxergar, em termos macroeconômicos, o que poderia levar a empresa a se decidir pela saída.
Mauro Rochlin, economista

Para professor, é "difícil falar em desindustrialização"

O economista Emerson Marçal, professor da FGV EESP (Escola de Economia da São Paulo da Fundação Getulio Vargas), não crê que o fechamento das fábricas sinalize uma desindustrialização do país, apesar de considerar que demonstre um "certo pessimismo com o Brasil".

"É difícil falar em desindustrialização por causa da decisão de uma empresa, por mais importante que ela seja. Mas é uma decisão simbólica, importante. É uma empresa que está aqui há muito tempo", afirma.

Se realmente, e deve ser o caso, eles estão fechando porque essas fábricas [da Ford] não são as mais competitivas, as [montadoras] que ficaram aqui devem ter unidades mais competitivas, então elas vão ocupar esse espaço. O mercado não deixou de existir.
Emerson Marçal, economista

Livre-comércio pode ter influenciado decisão

Para Marçal, a saída da Ford é motivada mais por uma decisão empresarial do que por um cenário brasileiro adverso.

Ele cita que, desde a criação do Mercosul, o setor automotivo é um dos poucos que ficaram de fora das regras de livre-comércio do bloco, mas isso deve mudar nos próximos anos. Brasil e Argentina fecharam acordo, em 2019, para estabelecer o livre-comércio de veículos e autopeças a partir de 2029.

O economista acredita que essa possa ser uma das motivações da Ford para fechar as fábricas brasileiras, mas manter na Argentina e no Uruguai.

Brasil vive desindustrialização, diz diretor da FEA-PUC

Para Antonio Corrêa de Lacerda, diretor da FEA (Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais) da PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia, a decisão da empresa está diretamente ligada a um cenário de desindustrialização do Brasil.

O Brasil vive há anos um processo agudo de desindustrialização, desnacionalização de empresas e desmobilização de cadeias industriais. Estamos "reprimarizando" nossa economia, cada vez mais dependente de commodities
Antonio Corrêa de Lacerda, diretor da FEA da PUC-SP

Maia atribui saída ao governo

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a saída da montadora "é uma demonstração da falta de credibilidade do governo brasileiro, de regras claras, de segurança jurídica e de um sistema tributário racional".

A decisão da Ford, segundo Antonio Corrêa de Lacerda, mostra que é equivocado o argumento de que um governo com uma equipe econômica liberal, como a atual, atrairia investimentos.

Ele critica a decisão do governo Jair Bolsonaro (sem partido), tomada no início do mandato, de juntar no Ministério da Economia as antigas pastas da Fazenda, Indústria e Comércio Exterior, Planejamento e Trabalho.

"Houve perda de interlocução com o setor privado e desempoderamento de temas de extrema relevância, como política industrial, por exemplo", afirma.

Setor é muito protegido, diz economista

Segundo Emerson Marçal a saída da Ford mostra que o setor automotivo brasileiro precisa ser remodelado para se tornar mais competitivo internacionalmente.

A gente tem que pensar seriamente por que o setor automotivo é pouco competitivo. Isso entra no excessivo grau de proteção do setor automotivo no Brasil. Temos que pensar em como remodelar o setor automotivo para ser mais competitivo do ponto de vista internacional.
Emerson Marçal