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PicPay, da família Batista, se prepara para lançar ações nos EUA

PicPay, controlado pelo Banco Original, quer vender ações no mercado americano - Adobe Stock
PicPay, controlado pelo Banco Original, quer vender ações no mercado americano Imagem: Adobe Stock

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

26/03/2021 04h00

O PicPay, carteira digital que oferece serviços financeiros como cartões e conta corrente, quer levantar dinheiro de investidores estrangeiros nos Estados Unidos para acelerar o crescimento. O plano enfrenta resistência de investidores por causa de envolvimento dos controladores, a família Batista, dos irmãos Joesley e Wesley, em processos na Justiça.

A empresa procura levar adiante uma venda de ações na Bolsa eletrônica Nasdaq, nos Estados Unidos. Para fazer o IPO (na sigla em Inglês para Oferta Pública Inicial de Ações), o PicPay já acertou com quatro bancos - os brasileiros Bradesco e BTG Pactual, e os americanos Bank Of America (BofA) e Citi.

O PicPay pertence ao Banco Original. O Original é controlado por empresas da família Batista, dona da J&F, que comanda o frigorífico JBS e o banco, entre outras companhias. Embora seja um dos maiores grupos empresariais do Brasil, bancos estrangeiros apresentaram resistência para entrar nessa operação por causa do envolvimento da família Batista com investigações na Justiça.

Quatro anos de "Joesley Day"

Essas investigações estouraram em 2017, quando aconteceu o que o mercado batizou de "Joesley Day". No dia 17 de maio daquele ano, a imprensa divulgou trechos de uma conversa entre o presidente Michel Temer e Joesley Batista, - responsável pelo grampo. Entre os assuntos tratados, supostos pagamentos de propinas a políticos que levaram o mercado a reagir com grandes quedas.

Naquele mesmo mês, os empresários fecharam acordos de delação premiada e, depois, a J&F assinou acordo de leniência de R$ 10 bilhões. Empresários e a companhia também entraram na mira da CVM (Comissão de Valores Mobiliários, que regula a Bolsa) em investigações para checar se informações privilegiadas foram usadas para operações lucrativas nos mercados, em processos que incluíram o Banco Original.

Bancos americanos resistentes

Passados quatro anos do "Joesley Day", as áreas de compliance de alguns bancos de investimento americanos seguem resistentes a aprovar negócios com empresas dos Batista por causa do risco de questionamentos da Justiça dos Estados Unidos. O Bank of America aceitou entrar no negócio, desde que outra instituição americana também participasse. Após algumas negativas, o Citi aceitou o convite.

Um caminho para atenuar esse problema seria um eventual novo ajuste no controle do Banco Original para distanciar os empresários Joesley e Wesley Batista dessa operação.

O controle do Original era 100% da J&F Investimentos, que pertence aos irmãos Joesley e Wesley. Mas após os eventos relacionados ao "Joesley Day", o banco alterou o quadro societário.

No fim de 2017, o Banco Central autorizou uma alteração no quadro de sócios do Banco Original, que passou a ser 100% controlado pela J&F Participações, que por sua vez tem a seguinte composição: 49,9% da J&F Investimentos, 25% de José Batista Sobrinho (conhecido como José Mineiro, pais dos irmãos Joesley e Wesley) e 25% da JBJ Agropecuária, do irmão primogênito José Batista Junior.

Assim, o patriarca da família e o irmão mais velho passaram a deter 50,1% do Original, enquanto os irmãos Joesley e Wesley têm 49,9%.

Dúvidas sobre a rentabilidade da operação

Outra incerteza que surgiu pelo menos em um encontro de executivos do PicPay com bancos e investidores foi com relação ao verdadeiro potencial de essa empresa gerar lucros aos futuros acionistas que apostarem nesse IPO.

No balanço do Banco Original do segundo trimestre de 2020, a instituição financeira informou que o PicPay tem 24,2 milhões de usuários cadastrados, sendo 11,7 milhões deles ativos, que efetivamente fizeram transações no período de 12 meses.

Em encontros mais recentes, o PicPay informou ter chegado em fevereiro de 2021 a 47,6 milhões de usuários, sendo 34 milhões de clientes ativos. O conceito de clientes ativos não considera necessariamente transações que gerem receita para a companhia.

Prejuízos?

Segundo um profissional de mercado que teve acesso às apresentações do PicPay, a empresa diz que em 2020 fez cerca de R$ 500 milhões de receita. O fato de o material apresentado aos investidores em janeiro deste ano não ter mais detalhes sobre os resultados abriu questionamentos sobre eventuais prejuízos e queima de caixa.

Esse analista disse que uma dificuldade para entrar nesse IPO é a dúvida sobre como classificar o PicPay - se como uma fintech de cartão de crédito ou como uma empresa de pagamentos. Também levantou dúvidas entre os analistas o fato de o PicPay depender das plataformas de operações da Cielo, da Rede e da Getnet - que não deixam de ser concorrentes do PicPay - para capturar a maior parte das transações que passam pela empresa, o que é visto como um risco de mercado.

Questões de governança

Ao levar adiante a oferta, disse um investidor, o PicPay precisa deixar bem claro ao mercado como será a relação da companhia com os negócios da família Batista. Isso inclui os contratos com o Banco Original. A empresa que está abrindo o capital é o Picpay. Mas a companhia é uma subsidiária do Banco Original.

Ou seja, todos os serviços financeiros do PicPay são fornecidos pelo Original, como emissão de cartões. No caso da emissão de um cartão, por exemplo, quem ficará com o grosso da receita, que é o intercâmbio? Esse tipo de resposta será fundamental para que os investidores possam calcular como o PicPay pode transformar sua base de clientes em receita própria e em lucro.

Demanda de mercado

Apesar dos desafios do PicPay para atrair a demanda de investidores para seu IPO, o comportamento do mercado de capitais aponta que deve haver interesse pelo negócio, dizem profissionais de gestoras de recursos.

A presença das fintechs está aumentando no mercado brasileiro, o que tem atraído capital. Em 2020, o setor de TI no Brasil somou 398 transações de fusões e aquisições, respondendo por 45% de todos os negócios desse tipo no Brasil, segundo o relatório anual da empresa de consultoria e auditoria PwC.

O ano de 2020 começou positivo para IPOs, com R$ 14,5 bilhões movimentados em nove ofertas de ações (três ofertas primárias e seis ofertas secundárias), segundo a Anbima. Há ainda quase R$ 17 bilhões de operações em andamento.

Apesar da piora dos casos de contágios e mortes pela covid-19, do ritmo lento da vacinação e de novas dúvidas sobre a política e a economia do país, profissionais de mercado dizem que há interesse por ativos do setor em que atua o PicPay, operação que cresceu 23% em base de clientes e 20% em clientes ativos apenas no primeiro bimestre deste ano. Tudo vai depender do preço, afirmou um desses executivos.

PicPay e bancos não comentam

Procurados, os bancos que participam da operação responderam por meio de suas assessorias de imprensa que não comentam o assunto. Também procurado, o PicPay decidiu não se manifestar.