IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Por que Mercado Livre não quer que Magazine Luiza compre uma fintech?

Comércio eletrônico: gigantes do varejo online duelam também por serviços financeiros  - Getty Images/iStockphoto
Comércio eletrônico: gigantes do varejo online duelam também por serviços financeiros Imagem: Getty Images/iStockphoto

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

12/04/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Magalu quer comprar Hub, que tem contas digitais e cartões pré-pagos
  • Mercado Livre entrou com ação no Cade, órgão oficial que regula concorrência, para impedir o negócio
  • A Hub prestava serviço ao Mercado Livre, que argumenta haver risco para seus clientes, pois a empresa tem os dados dos consumidores
  • Analistas dizem que se trata na verdade de uma disputa do comércio digital, que disparou na pandemia

Magazine Luiza e Mercado Livre duelam no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) por causa de uma aquisição envolvendo uma fintech. Essa disputa é apenas um pequeno capítulo no enredo de bilhões de reais em negócios no mercado digital. A pandemia de covid-19 fez esse mercado disparar e aumentar o apetite da concorrência em 2020.

Em dezembro último, o Magazine Luiza anunciou a aquisição por R$ 290 milhões da Hub Prepaid, uma fintech que tem mais de 4 milhões de contas digitais e cartões pré-pagos ativos que movimentaram R$ 7 bilhões em 12 meses. Mas essa fintech era uma importante parceira prestadora de serviços financeiros do Mercado Livre desde 2018.

O Mercado Livre decidiu questionar no Cade a compra da Hub pelo Magazine Luiza. O Cade é o órgão oficial que regula a concorrência. A decisão, que estava para ser aprovada em poucos dias, arrasta-se até hoje.

Esta semana deve ter decisão

O Cade até chegou a anunciar, em 18 de março, que a operação estava aprovada sem restrições pela superintendência-geral do órgão. Mas na terça-feira (6), o mesmo Cade avisou que o grupo Mercado Livre apresentou recurso ao tribunal do órgão contra a decisão. Assim, o caso voltou para análise, que está com um conselheiro relator.

Ao longo desta semana, ele deverá dizer se aceita ou não o recurso. Se o pedido for acolhido, o caso volta a ser analisado por um conselheiro relator, que posteriormente levará a discussão para julgamento no tribunal do Cade. Se o recurso for rejeitado, a decisão da superintendência-geral será mantida e a aquisição aprovada em definitivo.

Nossa preocupação é única: a informação que a Hub tem sobre nossos usuários. Queremos que eles sejam preservados e que haja sigilo. Com a competição, estamos acostumados
Ricardo Lagreca, diretor jurídico e de relações governamentais do Mercado Livre

A gente já estava no processo de saída da Hub, já dissolvendo o acordo. Eles trouxeram a oportunidade de aquisição, mas o Mercado Livre não se interessou porque já temos uma solução melhor, um passo à frente.
Fernando Yunes, vice-presidente sênior do Mercado Livre no Brasil

Sobre esse tema em específico, o Magazine Luiza não quis fazer comentários.

"Camelódromos digitais" que não pagam impostos

Na mesma semana em março quando o Mercado Livre abriu a briga com o Magazine Luiza no Cade, marcas tradicionais do varejo reagiram. O IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), entidade fundada por empresários como Luiza Trajano, do Magazine Luiza, Flavio Rocha, da Riachuelo, e Antonio Carlos Pipponzi, da Raia Drogasil, ameaçou abrir no Cade um processo contra e-commerces, que chamam de camelódromos digitais, por não pagarem impostos corretamente.

O alvo é exatamente o Mercado Livre. Segundo o IDV, cerca de dois terços das vendas que passam pelo Mercado Livre, aquelas realizadas por pessoas físicas, seriam fechadas sem a emissão de notas.

Eles estão desinformados. Hoje, já temos 90% de penetração, com rede logística própria, nas vendas, com a entrega feita por nós. E quando isso acontece, sempre há a emissão da nota fiscal. Ano passado, o Mercado Livre pagou R$ 1,2 bilhão de impostos.
Fernando Yunes, vice-presidente sênior do Mercado Livre no Brasil

Essa ação acabou não indo adiante -pelo menos até agora- segundo o Cade informou ao UOL. Procurado, o IDV não quis comentar o assunto também.

O que está por trás da disputa?

Segundo especialistas, essas disputas entre Magazine Luiza junto com varejistas tradicionais contra o Mercado Livre representa a ponta de um movimento maior, que é a transformação do mercado digital

O comércio eletrônico acelerou o passo em 2020 no Brasil, com um crescimento de 41%, atingindo R$ 87,4 bilhões em vendas, segundo o relatório Webshoppers 43, da Ebit/Nielsen e do Bexs Banco. Com a quarentena para conter a covid-19, as pessoas passaram a comprar muito mais pela internet, e não apenas produtos do varejo, mas todo tipo de serviço, incluindo os financeiros.

Oferecer vários serviços num lugar só

A estratégia de Magazine Luiza e Mercado Livre -e de outras gigantes do comércio eletrônico, como B2W/Americanas.com, Via Varejo e Amazon- é aproveitar esse fluxo crescente de clientes em suas plataformas para oferecer cada vez mais serviços.

A intenção é oferecer tudo de que o cliente precisa: desde os sistemas de busca para encontrar produtos e comparar preços, passando pela oferta de cartão de crédito, meios de pagamento e carteiras digitais, indo até a prestação final de logística para entregar produtos na casa do comprador.

A transformação do varejo passa pelo uso mais intensivo da tecnologia, de dados e da integração de ambientes físico e digital. Os chamados market places vão se tornar cada vez mais dominantes, com plataformas ampliadas por terceiros, com serviços embarcados de pagamentos, entretenimento e logística.
Alberto Serrentino, sócio fundador da Varese Retail

Segundo o consultor da firma especializada em estratégias de varejo, é esse movimento que tem levado grupos, que tinham no passado origens de negócios diferentes, a se tornarem atualmente cada vez mais concorrentes.

Magalu entrou em supermercado e moda

Isso explica por que o Magazine Luiza fez só neste ano cinco aquisições, de empresas de buscas a supermercados e moda. Segundo o vice-presidente de negócios do Magazine Luiza, Eduardo Galanternik, adquirir uma companhia é uma forma de acelerar a entrada ou a ampliação do grupo em um novo negócio ou serviço.

Todas essas aquisições vêm com uma solução para desenvolver nosso ecossistema. No caso da Hub, por exemplo, nós já temos um histórico de prestação de serviços financeiros, com soluções como o Magalu Pagamentos ou MagaluPay. Nesse sentido, a Hub vem com plataforma e conhecimento do mercado muito robustos para a gente acelerar esse crescimento.
Eduardo Galanternik, vice-presidente de negócios do Magazine Luiza

MIsturar digital e físico dá vantagem sobre concorrentes

Segundo o vice presidente do Magazine Luiza, a combinação dos modelos digital e físico dá uma vantagem competitiva ao grupo diante da concorrência.

O Magazine Luiza conseguiu ir bem na crise e crescer por causa do modelo híbrido. Hoje, o desafio é reduzir o tempo de entrega sem que isso seja muito caro. No nosso caso, metade das vendas no comércio eletrônico passa por uma de nossas lojas antes de chegar ao cliente. A loja continua tendo papéis importantes, na experimentação, no atendimento, na concessão de crédito, na logística.
Eduardo Galanternik, vice-presidente de Negócios do Magazine Luiza

Em 2020, o Magazine Luiza aumentou a receita bruta em 59,6%. No meio digital, o crescimento foi mais que o dobro disso: 131%.

Investimento bilionário do Mercado Livre

O Mercado Livre anunciou que vai investir só neste ano no Brasil R$ 10 bilhões -o equivalente a tudo o que aportou nos quatro anos anteriores somados. A meta da companhia é ter cada vez mais domínio sobre toda a cadeia de venda que passa pela plataforma. Por isso, vai ampliar frota de entregas, centros de distribuição e dobrar o número de funcionários aqui no país para 10 mil.

Se na origem o Mercado Livre era um site de revenda de produtos usados, hoje o grupo é uma plataforma por onde passam US$ 49,7 bilhões em transações, em 18 países. O Brasil é o maior desses mercados, representando 54% das vendas.

Dos quase US$ 50 bilhões que passaram pelo Mercado Livre em 2020, uma fatia de US$ 19,9 bilhões foi gerada nas vendas das lojas no market place (plataforma onde diversos vendedores negociam seus produtos). A diferença (US$ 29,8 bilhões) vem de outros serviços, como o Mercado Pago, a fintech de meios de pagamento do grupo.

Nosso caminho é o crescimento orgânico com algumas parcerias. Até porque o Mercado Livre vem construindo esse ecossistema há duas décadas. Já quem começou há menos tempo enfrenta restrições que levam à necessidade de aquisições. O problema é que cada aquisição vem com sistemas, processos, culturas diferentes. Então, cada aquisição tem um gasto de energia na integração.
Fernando Yunes, vice-presidente sênior do Mercado Livre no Brasil