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Enquanto CPI da Covid atrai atenção, economia tem decisões que afetam bolso

Nivaldo Souza

Colaboração para o UOL, de São Paulo

29/05/2021 04h00

A CPI da Covid foi instalada há mais de um mês, no dia 27 de abril. Marcada por mentiras, embates sobre cloroquina e depoimentos de ex-ministros e personagens do segundo escalão do governo, a Comissão Parlamentar de Inquérito ofuscou os últimos lances da economia brasileira e retirou dos holofotes o ministro Paulo Guedes (Economia). Mas o primeiro mês da CPI ocorreu em paralelo a muitas polêmicas e eventos econômicos que podem afetar seu bolso.

Entre eles: a discussão sobre a prorrogação do auxílio emergencial para além de julho, a gestação de um novo Bolsa Família, a privatização da Eletrobras, o fatiamento da reforma tributária e o avanço lento da reforma administrativa.

Enquanto tudo isso acontecia, a taxa de desemprego atingiu 14,7% no primeiro trimestre. Foi a pior marca trimestral desde 2012, como reportou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quinta-feira (27). Cerca de 14,8 milhões de brasileiros procuram emprego.

Já a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) nos últimos 12 meses atingiu 6,75% em abril, superando o teto da meta do Banco Central (5,25% ao ano). A soma de inflação alta, desemprego e perda de renda levou o brasileiro ao menor consumo de carne em 25 anos, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Nos quatro primeiros meses do 2021, o consumo per capita de proteína animal recuou 4% em relação ao mesmo período em 2020.

Mais R$ 7 bi em auxílio emergencial

A CPI conseguiu até mesmo eclipsar um ofício enviado pelo Ministério da Economia à própria comissão, em 14 de maio, no qual a pasta definiu a pandemia como um "fenômeno de imprevisibilidade" - embora ela já dure mais de um ano.

O documento foi, na prática, a maneira tecnocrata de o governo justificar o motivo de não ter se preparado do ponto de vista orçamentário para enfrentar a continuação da crise sanitária em 2021.

A postura explica a indefinição da área econômica sobre a continuidade do auxílio emergencial, cujo debate pela extensão do pagamento começou em outubro passado e só terminou em março deste ano. A segundada rodada do benefício começou a ser paga em abril, entre R$ 150 a R$ 375. Foram reservados R$ 44 bilhões para quatro parcela com valor médio de R$ 250 por beneficiário.

O governo foi criticado por demorar em dar assistência às famílias em vulnerabilidade social causada pela pandemia. A demora impactou a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. O Palácio do Planalto parece ter entendido o recado.

O governo prepara uma nova PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para manter o auxílio no segundo semestre. "Se a pandemia continuar conosco, temos que ir renovando as camadas de proteção Se a pandemia recua, nós podemos já passar para o novo Bolsa Família", disse Guedes em evento da BTG Pactual.

O temor de um novo abalo de popularidade do presidente está fazendo a pasta estudar o pagamento de uma parcela adicional do auxílio, utilizando uma 'sobra' de R$ 7 bilhões do Bolsa Família atual.

Bolsa Família

A nova versão do programa ainda não foi definida. O Ministério da Cidadania estuda a possibilidade de elevar o benefício de R$ 190 para R$ 250 por mês e ampliar a base de beneficiários de 14,6 milhões para até 18 milhões.

O presidente da Câmara e aliado do governo, Arthur Lira, assegura colocar a proposta em discussão até o final de julho, quando a última parcela do auxílio emergencial será paga.

Em entrevista à "Folha de S.Paulo", Guedes afirmou que a repaginada no Bolsa Família é parte da estratégia eleitoral do presidente Jair Bolsonaro para disputar um segundo mandato em 2022.

"Agora vem a eleição? Nós vamos para o ataque. Vai ter Bolsa Família melhorado, BIP (Bônus de Inclusão Produtiva), o BIQ (Bônus de Incentivo à Qualificação), vai ter uma porção de coisa boa para vocês baterem palma. Tudo certinho, feito com seriedade, sem furar teto, sem confusão", disse.

Privatização da Eletrobras

A Câmara aprovou na semana passada uma medida provisória autorizando a privatização da Eletrobras, que é responsável por 30% da energia gerada no país. A proposta prevê a capitalização da empresa a partir da diminuição da participação acionária do governo na estatal, que deve cair de cerca de 60% para 45%.

O Ministério da Economia calcula em até R$ 100 bilhões o valor da venda de ações até o fim de 2022. A expectativa é de que pelo menos R$ 25 bilhões desse montante sejam repassados à União pela renovação de contratos de concessão de hidrelétricas e linhas de transmissão.

A MP seguiu para aprovação do Senado. Os senadores têm até 22 de julho para decidir. Se não houver acordo até lá, a medida provisória vai caducar e a privatização será cancelada.

A concessão da maior fatia da Eletrobras ao mercado é parte do pacote de privatizações desejadas pelo governo, incluindo a venda dos Correios. Um balanço divulgado pelo secretário Especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, calculou que o governo já arrecadou R$ 204,7 bilhões com privatizações desde 2019.

O governo deseja arrecadar R$ 400 bilhões com a venda de estatais até o final de 2022. Se a meta for atingida, ela ficará muito distante da soma de R$ 1,2 trilhão sonhada por Guedes.

Ao revelar o "ataque" eleitoral de Bolsonaro, o ministro incluiu a promessa de "devolver as estatais ao povo brasileiro" por meio de um fundo social abastecido com o dinheiro da venda de empresas controladas pela União.

Reforma tributária fatiada

A reforma tributária foi fatiada em dois projetos de lei, voltando a proposta à estaca zero. A mudança foi anunciada após acordo entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e Senado, Rodrigo Pacheco. Em alinhamento com Guedes, mas ainda sem definir como será a tramitação.

Um dos projetos trata da unificação do PIS e da Cofins em um novo imposto chamado CBS. A segunda proposta de lei vai mudar o Imposto de Renda, ampliando as faixas de isenção e a redução do IR para as empresas. Prevê também alterar o modelo de tributação regressiva para aplicações financeiras, que varia atualmente de 22,5% a 15%, conforme o tempo de aplicação.

Em discussão está a criação de uma alíquota única de 15%. "Se o banco quer que você fique mais tempo com o dinheiro aplicado, ele que te pague uma taxa [de remuneração] maior. Vamos reduzir e unificar por baixo", sugeriu Guedes.

Reforma administrativa avançou

A PEC da reforma administrativa avançou nesta semana, com a sua admissibilidade aprovada por 39 votos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.

A proposta prevê mudanças no regime de contratação, remuneração e demissão de servidores públicos. A PEC seguiu para uma comissão especial, que irá debater cada ponto do texto.

Os 26 votos contrários às alterações na CCJ, contudo, mostraram a força dos opositores da reforma. Se chegar ao plenário da Câmara, a PEC precisará de no mínimo 308 votos dos deputados - três quintos do total de 513 parlamentares.

Na noite da última terça-feira (25), o ministro Paulo Guedes foi cobrado em jantar com empresários para trabalhar por uma reforma robusta. "Conversamos com o ministro sobre a necessidade de uma reforma administrativa que seja digna deste nome", disse o presidente do conselho do Grupo Guararapes/Riachuelo, Flávio Rocha.