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Governo quer quadruplicar 'aluguel' de florestas; desmatamento atrapalha

Exploração de madeira em área de concessão florestal - Serviço Florestal Brasileiro
Exploração de madeira em área de concessão florestal Imagem: Serviço Florestal Brasileiro

Carla Araújo e Giulia Fontes

Colaboração para o UOL, em Brasília, e do UOL, em São Paulo

17/07/2021 04h00

O governo federal quer aumentar de 1 milhão de hectares para 4 milhões de hectares as áreas de florestas públicas concedidas à iniciativa privada até o final de 2023. Na prática, isso significa delegar a gestão destas florestas a empresas, que podem retirar e vender madeira legalmente. Podem ser concedidas nove áreas florestais públicas: seis que ficam na Amazônia e outras três da região Sul.

No ano passado, o governo arrecadou R$ 28 milhões com as concessões florestais. A expectativa para 2021 é obter R$ 32 milhões com o "aluguel" das florestas. Mas, de acordo com especialistas, os planos esbarram no desmatamento ilegal, que não está sendo combatido pelo próprio governo. A derrubada irregular de florestas prejudica não só o meio ambiente, mas também as empresas que buscam as concessões legais, o que diminui o interesse no negócio.

Quais florestas o governo quer conceder

As concessões florestais são consideradas prioritárias pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), órgão que passou a ser responsável por esses processos durante o governo de Jair Bolsonaro. Anteriormente, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que cuida do tema, era vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

De acordo com o Mapa, nove florestas públicas estão qualificadas pelo PPI (Programa de Parceria de Investimentos) para que sejam concedidas à iniciativa privada. Seis ficam na Amazônia e outras três na região Sul.

O órgão afirma que as concessões ainda estão em fase de elaboração de estudos preparatórios para que sejam desenvolvidos os editais de concessão.

De acordo com o diretor de Concessão Florestal e Monitoramento do SFB, Paulo Carneiro, os contratos costumam atrair pequenos empresários da própria região. "O empresário local que já trabalha no ramo madeireiro ganha segurança jurídica para investir no negócio", afirmou.

Como funcionam as concessões florestais

Nas áreas concedidas, as empresas ganham permissão para derrubar árvores desde que sigam uma série de procedimentos. Esse tipo de exploração é chamada de manejo florestal.

Leonardo Martin Sobral, gerente florestal da ONG Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), diz que o manejo mantém a floresta em pé. Para isso, há um estudo da área: só árvores adultas e que têm potencial de comercialização são retiradas.

Em uma área do tamanho de um campo de futebol, são retiradas entre três e cinco árvores, no máximo. E essa retirada envolve técnicas e maquinário adequado, para que a floresta não só fique em pé mas, também, mantenha sua biodiversidade, seus recursos hídricos etc.
Leonardo Sobral

Por isso, o manejo é diferente do desmatamento, em que a floresta inteira é colocada no chão para que a área ganhe outro uso, como pasto ou plantação.

Para garantir que a exploração de madeira seja feita adequadamente nas concessões, a lei estabelece que o Ibama e o SFB realizem ações de fiscalização. Os contratos também devem passar por auditorias independentes periódicas.

Por que o desmatamento ilegal afeta as concessões?

A exploração por meio do manejo sustentável, porém, tem um custo. Por isso, a madeira produzida nas concessões é mais cara que a do desmatamento ilegal.

A questão é que, quando aumenta a exploração irregular, o mercado é inundado com madeira barata, que compete de forma desleal com a que é produzida dentro dos parâmetros estabelecidos nas concessões. Segundo o Imaflora, a madeira ilegal é algo entre 30% e 40% mais barata do que a legal.

Letícia Santos de Lima, professora da Escola de Engenharia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que esse contexto torna as concessões menos atrativas à iniciativa privada.

Para que trabalhem no sistema de concessão, as empresas passam por uma licitação. É um processo muito burocrático, com muitas exigências. A exploração de madeira ilegal prejudica o mercado e, no fim das contas, causa prejuízo aos cofres públicos.
Letícia Lima

Recorde de desmatamento e ex-ministro investigado

A política ambiental do governo Bolsonaro vem sendo criticada por entidades ambientalistas.

Em junho, os alertas de desmatamento na Amazônia bateram um novo recorde, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A área sob alerta somou 1.062 quilômetros quadrados, o maior número desde junho de 2016. Em março, abril e maio já haviam sido registrados recordes negativos.

Alvo de críticas, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deixou o cargo no mês passado. Ele é investigado pela Polícia Federal pelo suposto favorecimento a madeireiros que desmatam áreas na Amazônia para contrabando de madeira. Salles nega que tenha cometido irregularidades.
Ambientalistas comemoraram a saída do ministro, mas avaliaram que a política "pró-desmatamento" do governo não terá mudanças.

Concessões são boas para o meio ambiente?

De acordo com Lima, da UFMG, não há consenso entre os cientistas a respeito do manejo florestal. Há pesquisadores que defendem que, mesmo com regras rigorosas, a exploração madeireira causa degradação da floresta no longo prazo. Mas, segundo a professora, é utópico pensar que não haverá nenhum tipo de exploração.

Se o governo não estiver presente, de que maneira essa exploração vai acontecer? Em uma floresta nacional, não é toda a área que se torna unidade de manejo florestal, mas uma pequena porção. A função primordial [da concessão] é a proteção ambiental, já que é uma forma de permitir uma exploração mais sustentável.
Letícia Lima

Para Leonardo Sobral, do Imaflora, as concessões são uma forma de "valorizar a floresta em pé". Mesmo assim, ele afirma que é preciso fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização.

Dentro das concessões há bastante rigor, mas fora delas existe uma dependência muito maior dos mecanismos de comando e controle. Defendemos que não seja simplesmente aumentar essa fiscalização, mas fazê-la de forma inteligente e mais moderna. Tecnologia não falta.
Leonardo Sobral

O que diz o governo

O gestor do SFB, Paulo Carneiro, afirmou que todo o processo de concessão florestal é regulamentado pela Lei. 11.284 de 2006, que determina que a maior parte do valor obtido com as concessões seja investido justamente nas operações dos órgãos de controle e fiscalização.

"A arrecadação é significativa, mas é o menor ganho para o governo. O maior ganho está na formalização da economia no Norte do país e de municípios que têm um baixo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano], gerando emprego e renda", afirmou ao UOL.

O diretor disse, ainda, que o manejo florestal é feito no mundo inteiro, e visto como um conjunto de técnicas de baixo impacto ambiental. "O manejo está no plano de combate ao desmatamento", afirmou.

O UOL questionou o Mapa e o Ministério do Meio Ambiente sobre o desmatamento ilegal e seu impacto nas concessões florestais, mas não obteve resposta.