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Reforma de imposto fará empresas na Bolsa entrarem na Justiça, diz entidade

Eduardo Lucano, presidente executivo da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), defende ajustes no texto para evitar impacto nas empresas - Divulgação
Eduardo Lucano, presidente executivo da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), defende ajustes no texto para evitar impacto nas empresas Imagem: Divulgação

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

26/08/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Presidente da associação que representa maiores empresas com ações na Bolsa critica reforma tributária em discussão no Congresso
  • Segundo Eduardo Lucano, proposta de reforma tributária vai levar empresas à Justiça
  • Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) defende ajustes no texto para evitar impacto nas empresas

A última versão da reforma tributária que aguarda votação no Congresso não simplifica o sistema tributário sobre as empresas, vai aumentar a busca da Justiça para solução de conflitos e pode prejudicar a capacidade de investimento das companhias já em 2022, afirma Eduardo Lucano, presidente da Abrasca, Associação Brasileira das Companhias Abertas.

A entidade, que representa as maiores empresas que têm ações e que são responsáveis por 85% do volume de negócios na Bolsa brasileira, defende mudanças no texto para evitar que a reforma tributária piore o sistema de impostos sobre o setor produtivo -em vez de aperfeiçoá-lo.

Do jeito que está, esse projeto vai gerar mais judicialização porque reduz a segurança jurídica, além de complicar o planejamento dos investimentos para o ano que vem.
Eduardo Lucano, Abrasca

O presidente da Abrasca diz que a reforma tributária como está colocada pode provocar redução de investimentos por parte das empresas por dois motivos: taxar os dividendos em 20% (hoje são isentos); e acabar com os juros sobre o capital próprio (JCP).

Juros sobre capital próprio representam um instrumento contábil usado pelas empresas para calcular quanto custa a utilização dos próprios ativos (imóveis, maquinários, etc) para produzir algo. É calculado como se fosse uma taxa de juros de um empréstimo. E, como o custo de uma dívida, servem também para abater parte do Imposto de Renda a pagar. Mas para ter esse abatimento, a empresa precisa repartir parte do lucro com os acionistas. Veja mais detalhes aqui.

Dividendos também são usados pelas empresas para distribuir parte dos lucros aos acionistas. Os dividendos são calculados após o resultado final do balanço, ou seja, em relação ao lucro líquido. Veja mais detalhes aqui.

Concordamos em tributar os dividendos, mas precisa haver equilíbrio entre a tributação sobre o capital produtivo e o capital financeiro.
Eduardo Lucano

Veja abaixo os principais trechos da entrevista com Eduardo Lucano, presidente da Abrasca.

UOL: A reforma tributária vai estimular a produção e os investimentos das empresas no Brasil?

Eduardo Lucano: Do jeito que está, esse projeto vai gerar mais judicialização porque reduz a segurança jurídica sobre a tributação dos lucros acumulados até 2021, além de complicar o planejamento dos investimentos para o ano que vem. Essa reforma, como proposta, não simplifica o sistema tributário e abre espaço para questionamentos na Justiça.

Pode dar alguns exemplos?

Um ponto que gera espaço para questionamentos, por exemplo, é a cobrança de Imposto de Renda na Fonte (IRRF) sobre lucros acumulados até 2021, que já foram tributados à alíquota de 34%. Isso vai estimular o endividamento para distribuição de dividendos em 2021 e ainda vai gerar contencioso, ou seja, discussão na Justiça.

Nossa proposta é preservar a isenção para lucros acumulados até 2021 e criar regra de transição para dividendos de 2022 em diante, para não frustrar expectativas de arrecadação.

O ministério da Economia alega que os JCP podem acabar porque não se mostraram úteis como forma de redução do endividamento das empresas e que a tributação sobre os dividendos vai estimular o reinvestimento por parte das empresas nos negócios.

Sobre os JCP, tivemos um bom diálogo no começo com o governo, quando mencionaram estudos que os JCP não teriam funcionado no Brasil.

Nós nos debruçamos sobre esses estudos e vimos dois pontos que deveriam ser questionados nessas conclusões. Primeiro, são estudos antigos.

Os JCP foram criados nos anos 1990, mas passaram a ser usados mesmo após 2003, quando a economia decolou. Os estudos não consideraram resultados mais recentes.

Outro problema é que a metodologia dos estudos do governo considera uma média geral das empresas, sem levar em conta setores ou portes de cada uma.

Fizemos então com a FGV um estudo econométrico, considerando o histórico mais recente e comparando os resultados por pares de empresas de mesmo perfil, de mesmo porte.

E a conclusão foi que os JCP ajudaram sim a reduzir o nível de endividamento das empresas (veja abaixo). Nossa proposta é aprimorar os JCP em vez de acabar com eles.

E sobre a tributação dos dividendos? O ministério da Economia diz que a tributação sobre dividendos vai ser compensada com a redução do Imposto de Renda, gerando impacto neutro em termos de carga tributária.

Temos aí um primeiro questionamento, que é a vinculação da redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) ou da CSLL à arrecadação tributária, mas com tributação imediata sobre dividendos a 20%.

Isso torna a carga imprevisível, gerando mais instabilidade no ambiente de negócios no país, mais contencioso, afugentando investidores. Nossa proposta é não vincular uma coisa à outra e avaliar outras opções para amenizar a preocupação dos estados e municípios.

E sobre os dividendos, concordamos em tributá-los, mas precisa haver equilíbrio entre a tributação sobre o capital produtivo e o capital financeiro.

Como assim?

A reforma propõe tributar os dividendos em 20% e as aplicações de renda fixa em 15%. Você está tributando mais o capital produtivo que o capital financeiro.

Lá fora, é o oposto. Na média, os Estados Unidos, tributam os dividendos em 23,8%, mas a renda fixa em 40,8%. No México, para ter um exemplo mais parecido com o Brasil, a renda fixa é tributada em 35%, e os dividendos em 17%.

É preciso uniformizar alíquotas de dividendos e aplicações financeiras em 15%, atingindo neutralidade fiscal a fim de que as decisões de investimento não sejam afetadas por aspectos tributários.

Outra questão é a tributação de dividendos pagos a coligadas com menos de 20% de capital votante, o que prejudica companhias com capital distribuído entre várias empresas.

Nossa proposta é simplesmente não cobrar dividendos distribuídos entre pessoas jurídicas de um mesmo grupo econômico no Brasil, independentemente do percentual de participação no capital.

Então, da forma como está a redução do Imposto de Renda sobre as empresas, não está compensando o fim dos JCP e a tributação dos dividendos?

Poderia compensar, mas não da forma como está.