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Seca, aquecimento global e desmatamento: por que a conta de luz disparou

Luciana Cavalcante

Colaboração para o UOL, em Belém

01/09/2021 11h22

Os sucessivos aumentos da conta de luz pesam no bolso dos brasileiros e estão pressionando a inflação e o custo de vida de modo geral.

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou na terça-feira (31) a criação de uma nova bandeira para a conta de luz, chamada de bandeira de escassez hídrica. A taxa tem o valor de R$ 14,20 por 100 kWh, e será aplicada à conta de luz a partir desta quarta-feira (1º), e ficará em vigor até 30 de abril de 2022.

O novo valor representa um aumento de 49,6% (ou R$ 4,71) em relação à atual bandeira vermelha patamar 2 que estava sendo aplicada à conta de luz. No final de junho, o valor da bandeira vermelha patamar 2 já havia subido 52%.

O motivo da alta da energia elétrica é a maior crise hídrica que o país enfrenta desde 1930. Com a diminuição das chuvas, o nível dos reservatórios das hidrelétricas que produzem a energia que abastece o país está baixo.

Assim, é necessário acionar as usinas termelétricas para garantir o fornecimento e evitar o risco de racionamento ou até de apagão. Mas o custo de produção de energia em uma termelétrica é mais caro.

Bandeiras tarifárias

Toda vez que as termelétricas precisam ser ligadas, as bandeiras tarifárias entram na conta de luz. O sistema de bandeiras foi criado em 2015 com objetivo de custear a despesa incluindo taxas extras na conta dos consumidores. A taxa vai depender de como está a situação da produção de energia no momento. Antes disso, esse custo só era aplicado no reajuste da tarifa, que ocorre uma vez no ano.

A cor da bandeira é que vai determinar se o consumidor pagará mais ou menos pela energia, dependendo da condição de produção.

A taxa é calculada por 100 kWh consumidos, nessa ordem:

  • Bandeira de escassez hídrica - R$ 14,20
  • Bandeira vermelha patamar 2 - R$ 9,49
  • Bandeira vermelha patamar 1 - R$ 4,169
  • Bandeira amarela - R$ 1,343
  • Bandeira verde - sem cobrança extra

Segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a elevação das taxas também é um alerta para que os consumidores evitem desperdício e economizem energia, mas não há uma estimativa dessa redução. Desde que foram instituídas as bandeiras, os consumidores já pagaram mais de R$ 38,5 bilhões em taxas.

Crise hídrica, aquecimento globa, e desmatamento

Em sua pior crise hídrica, os reservatórios das hidrelétricas do Centro-Oeste e Sudeste atingiram o menor patamar para agosto dos últimos 20 anos, com apenas 21,57% da capacidade, segundo o Operador Nacional do Sistema. As duas regiões concentram 70% da capacidade de armazenamento do sistema.

Segundo especialistas, há três principais causas para a diminuição das chuvas: aquecimento global, desmatamento da Amazônia e o fenômeno natural La Niña.

A Amazônia é importante para regular o fluxo de chuvas no país. O desmatamento atingiu o segundo pior índice entre agosto de 2020 e julho de 2021 desde o início da série histórica, em 2015, e só perde para o ano passado. Já o La Niña costuma provocar seca no Centro-Sul, onde estão os principais reservatórios para geração de energia. As mudanças climáticas pioram ainda mais esse cenário.

A seca começou a afetar a produção de energia desde maio, quando a bandeira passou de amarela para vermelha e desde então não teve recuo. Em maio foi aplicado patamar 1, a R$ 4,16/100 kWh. Nos três meses seguintes, subimos para o patamar 2, a R$ 6,24, em junho; R$ 9,49, em julho e repetiu-se o mesmo valor em agosto.

E a situação só piorou em setembro, com a criação da bandeira de crise hídrica. A nova taxa entra em vigor hoje e vai até abril do ano que vem, exceto para consumidores de baixa renda ou moradores de Roraima. A mudança vai representar um aumento real de 7% na conta de luz dos brasileiros.

Com isso o governo espera arrecadar R$ 13 bilhões, para cobrir os custos com o uso das termelétricas nacionais e da importação de energia da Argentina e Uruguai.

Impactos na vida do consumidor

Segundo estimativas do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), ­­­­­­­­nos últimos 12 meses, o reajuste acumulado da conta de luz, foi cerca de 20%, mais que o dobro da inflação do período, calculada em 7%.

O aumento do custo da energia elétrica provoca uma reação em cadeia, que mexe com toda a economia. Ela é formadora de preços, assim como os combustíveis, colaborando para a composição final do preço de produtos e serviços.

"Ninguém vai deixar de produzir, prestar serviço e deixar de considerar nos seus custos, na sua cobrança, a alta da energia elétrica. Então nós vamos pagar mais de uma vez. Primeiro quando chegar a minha fatura de energia, quando eu consumir, quando eu comprar, porque tudo isso vai ser repassado aos preços", explica Everson Costa, técnico do Dieese no Pará.

O pesquisador ressalta que esse aumento também vai refletir no custo de vida da população, pois essa conta está inserida na lista das essenciais, tão difíceis de quitar em tempos de pandemia, com a alta do desemprego e queda da renda dos brasileiros.

"A taxa de endividamento dos brasileiros é acima de setenta por cento e as pessoas estão deixando de pagar inclusive contas essenciais, como a da energia elétrica. E vão continuar nesse caminho. Além de não ter emprego suficiente, a renda está baixa, os preços da economia subiram muito. A tendência é esse endividamento continuar", estima.

O técnico do Dieese questiona a falta de opções do governo para fugir da possibilidade de racionamento e apagão, já que as termelétricas têm um elevado custo de produção. "A gente não vê um plano B do governo. Só tem as termelétricas, mas elas são movidas a combustível, no caso o diesel, que só este ano subiu 41%".