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Empresários criticam, e sindicatos comemoram queda de reforma trabalhista

Filipe Andretta e João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

02/09/2021 15h37

O Senado derrubou na quarta-feira (1º) a proposta de nova reforma trabalhista. Entidades ligadas à indústria e ao comércio criticaram a rejeição do projeto, enquanto sindicatos de trabalhadores e associações da sociedade civil comemoraram.

A medida provisória original, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em abril, apenas recriava o programa emergencial de manutenção de empregos. Com ele, trabalhadores que tiveram redução de jornada ou suspensão de contratos de trabalho durante a pandemia receberam o BEm (Benefício Emergencial), pago pelo governo.

Mas, durante a tramitação na Câmara, o relator Christino Áureo (PP-RJ) inseriu novos programas de emprego apoiados pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Emprego), além de modificações na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e no benefício da Justiça gratuita.

Isso foi aprovado na Câmara, mas dependia do Senado ainda. Como o texto foi rejeitado no Senado, toda a reforma caiu —inclusive o programa emergencial de emprego e renda que estava na MP original.

Senado 'jogou a água do banho junto com a criança', diz Fecomercio-SP

José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP, diz que o Senado deveria ter aprovado pelo menos o programa emergencial de preservação de empregos.

O texto aprovado na Câmara permitia que o governo prorrogasse o programa. Como o Senado derrubou a MP, isso depende agora da tramitação e da aprovação de uma nova lei (o programa acabou em 25 de agosto).

A redução de jornada e suspensão de trabalhos é vista por especialistas como a medida mais acertada do governo federal para preservar o mercado de trabalho durante a pandemia.

Foram mais de 23 milhões de acordos celebrados desde 2020, envolvendo quase 13 milhões de empregados com carteira assinada que receberam o BEm.

Pastore diz que o Senado foi coerente ao rejeitar alterações estranhas ao texto original da MP, algo que o Supremo Tribunal Federal já declarou ser inconstitucional.

Mas ele diz que haverá um prejuízo enorme pela não renovação do programa emergencial de preservação de empregos, pois a pandemia continua afetando a economia. "O Senado jogou a água do banho junto com a criança", afirmou.

Bares e Fiesp criticam decisão do Senado

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) afirmou que a decisão do Senado mostra desconexão com a sociedade, especialmente com os milhões de pequenos negócios.

Considera também que os senadores foram insensíveis com o "impacto injusto e desproporcional gerado pelas restrições ao funcionamento durante a pandemia".

"Milhares de empresas ficaram decepcionadas e foram prejudicadas, muitas fecharão as portas em definitivo. E, com isso, milhares de brasileiros se juntarão ao já desastroso contingente de desempregados", disse o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci.

A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de SP) declarou que "houve um equívoco, pois a MP ajudaria as empresas e trabalhadores neste momento tão grave com tantos desempregados".

Reforma traria empregos?

O estrategista-chefe do banco digital Modalmais, Felipe Sichel, já estima uma recuperação do mercado de trabalho por causa da recuperação natural da própria economia, com a reabertura das atividades.

"Essa medida poderia até estimular esse movimento, mas é difícil estimar o quanto. De toda forma, visto que era uma medida que deveria beneficiar o mercado de trabalho, a não aprovação dela acaba impactando de alguma forma negativa", afirmou Sichel.

Renan Pieri, economista da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV/EAESP), diz que o impacto do projeto na economia no curto prazo não seria tão importante.

"Em geral, essas medidas tendem a ter pouco impacto na contratação no curto prazo. São mudanças que demoram algum tempo para influenciar o mercado de trabalho porque os empresários precisam entender a legislação e se há ou não riscos jurídicos", disse.

Sindicatos veem vitória sobre precarização

As centrais sindicais vinham lutando pela queda da nova reforma trabalhista. Elas afirmam que o governo tentava aprovar modelos de emprego precarizado que prejudicariam o trabalhador.

"A rejeição pelo Senado dessa medida absurda é resultado e vitória do trabalho institucional muito bem feito e bem organizado pelo movimento sindical dentro do Congresso Nacional", afirmou Sérgio Nobre, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Segundo Nobre, a MP era inconstitucional e prejudicava o desenvolvimento do país. "Somente empregos de qualidade garantem o desenvolvimento de uma nação."

Em nota assinada nesta quinta-feira (2), os presidentes de dez centrais sindicais afirmaram que o governo tenta se beneficiar da crise econômica para aprovar medidas contra o trabalhador.

Defendemos a manutenção e o incremento de medidas emergenciais para trabalhadores, empregadores e para a população mais vulnerável durante a vigência da pandemia do coronavírus. Acusamos, entretanto, o governo federal de aproveitar-se das necessidades de uma crise que tem levado milhares de brasileiros à morte precoce, para tentar aprovar, sem o devido debate social, dispositivos impopulares, que prejudicariam ainda mais o povo, que já sofre com o desemprego, a carestia e o vírus.
Centrais Sindicais

Juízes e procuradores do trabalho eram contra a reforma

A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) afirmou que a retirada de direito dos trabalhadores não é um caminho eficiente para gerar empregos, e comemorou a queda da nova reforma.

"A decisão é uma grande vitória para a Justiça, o direito do trabalho, os trabalhadores e trabalhadoras, sepultando, por definitivo, uma medida que insistia em rumo já comprovadamente ineficaz de associar redução de direitos trabalhistas com diminuição de desemprego e crescimento econômico", disse o presidente da Anamatra, Luiz Colussi.

A Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho também vinha defendendo a ilegalidade e ineficácia dos regimes de emprego com menos direitos trabalhistas. O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, disse que o Senado acertou ao derrubar a reforma.

O IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) comemorou a decisão do Senado e disse que o texto era um retrocesso. "Foram inúmeras reuniões com os parlamentares ao longo desse período, em um trabalho intenso de alerta sobre o conteúdo do texto e da flagrante inconstitucionalidade do seu conteúdo."

Defensores públicos afirmaram que o Senado acertou ao derrubar a reforma, principalmente por causa do benefício da Justiça gratuita. "Em plena pandemia, com o aumento de procura da população pelos serviços da Defensoria Pública, dificultar a gratuidade de justiça afetaria o nosso trabalho de garantir acesso à Justiça aos grupos sociais que mais precisam dela", afirmou Rita Lima, vice-presidente da Anadep (Associação Nacional dos Defensores Públicos).

Sinal negativo para mercado financeiro

Segundo profissionais do mercado financeiro, as questões trabalhistas ficaram em segundo plano, por causa de outro tema -a mudança no Imposto de Renda, aprovada na Câmara. Mas analistas destacaram que o sinal enviado ao mercado não é positivo.

Segundo o assessor de investimentos da Messem Investimentos, Fabio Figueiredo, a reforma tributária ficou no foco dos investidores porque "este sim é um tema que impacta diretamente os investidores".

"De qualquer forma, a decisão sobre a reforma trabalhista mostra o distanciamento do presidente do Senado em relação ao governo Bolsonaro. E isso terá repercussões ruins no encaminhamento de outros temas do executivo", afirmou.

Para Felipe Sichel, do Modalmais, a votação no Senado foi pior pela mensagem que envia ao mercado do que pela decisão em si. "A sinalização foi bastante negativa porque indica uma independência do Senado em relação ao governo, com discursos fortes durante a votação", declarou.

Para o economista e professor da Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Antônio Corrêa de Lacerda, a proposta tem um "vício de origem" que é o equívoco de defender que redução de direitos trabalhistas estimularia contratações.

Nada mais equivocado. O que estimula a contratação de empregados é a perspectiva de crescimento da demanda e da possibilidade de lucros.
Antônio Corrêa de Lacerda, PUC/SP