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Caso Prevent Senior põe em xeque modelo inovador focado nos 'caros' idosos

Carolina Pulice

Colaboração para o UOL, em São Paulo

29/09/2021 04h00

Médicos e especialistas no mercado de saúde privada afirmam que o escândalo da Prevent Senior ameaça arruinar a reputação e os negócios da empresa, antes elogiada por ter criado um modelo de negócios inovador e lucrativo, com foco em um público mais "caro", os idosos.

A empresa foi acusada por médicos que trabalharam lá de esconder que pacientes morreram de covid-19, ocultar a causa da morte de um médico infectado pela doença e de ameaçar funcionários que denunciaram as irregularidades com a pesquisa.

O caso foi incluído nas apurações da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid no Senado. O diretor-executivo da Prevent, Pedro Benedito Batista Júnior, é alvo de investigação sobre um suposto acordo entre o governo Jair Bolsonaro e a empresa e sobre o papel da operadora em um suposto gabinete paralelo que assessorava o governo.

Procurada pelo UOL, a Prevent Senior não se pronunciou até a publicação deste texto.

Foco em idosos, considerados um público 'caro'

Com mais de 505 mil clientes e atuando em 16 cidades de três regiões do país, a Prevent está entre as dez maiores operadoras do país, segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

A empresa tem um modelo de negócios elogiado há anos por especialistas, concorrentes e estudiosos da área de saúde privada no Brasil. Inovador e lucrativo, o modelo é baseado no atendimento a idosos, um público geralmente negligenciado por outras empresas.

Os irmãos Fernando e Eduardo Parrillo inauguraram o primeiro hospital da rede na década de 1990.

"A Prevent Senior fez diferente ao aceitar os idosos por um preço razoável, fazendo ações de promoção de saúde e prevenção, com exames e procedimentos antes que eles fossem necessários", afirma Francisco Balestrin, presidente do SindHosp (Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do estado de São Paulo).

Embora outras companhias também ofereçam planos para idosos e tenham hospitais próprios, como a Amil e a Unimed, especialistas apontam que a combinação de fatores adotada pela Prevent levou seu nome a um patamar de inovação.

Ana Maria Malik, médica e coordenadora do FGV Saúde, diz que a empresa trabalha para que o paciente que tem exames bons, sem problemas de saúde, seja atendido com ações de prevenção, para manter os resultados positivos. "A premissa da Prevent Senior é que, a partir do momento em que o beneficiário utilizar qualquer serviço, ele será cuidado. Com isso, ele não irá para o pronto-socorro sem necessidade", declara.

Mesmo outros agentes do setor de saúde privada reconhecem o destaque da Prevent Senior.

"O modelo foi muito inovador quando criaram e, hoje em dia, é o que as outras operadoras têm buscado fazer", afirma Jefferson Plentz, presidente do Grupo Techtools Health, empresa prestadora de serviços tecnológicos para hospitais, como gestão de custos de profissionais. "Ao usarem tecnologia para sistematizar as linhas de cuidado e serem mais eficientes, conseguiram atingir um público que tem um custo de gestão mais alto."

Lucro aumentou 15% em 2020, para R$ 495 milhões

A companhia conseguiu atender um público considerado "mais caro" de forma lucrativa adotando um modelo verticalizado, isto é, oferecendo planos de saúde, exames, consultas e hospitais próprios.

Em 2020, período de pico da pandemia, a companhia teve um faturamento de R$ 4,3 bilhões, alta de 17% em relação a 2019 e de mais de 50% em relação a 2018. O lucro líquido no ano passado foi de R$ 495 milhões, um aumento de quase 15% em relação a 2019.

Para comparar, a Hapvida, maior operadora de saúde do país, teve uma receita de R$ 8,5 bilhões e lucrou R$ 785,3 milhões em 2020, com uma base de clientes bem maior em seus planos médico e odontológico, de 6,7 milhões de pessoas.

Houve um avanço das empresas de saúde como um todo durante a pandemia, como destacam relatórios de analistas financeiros, que recomendam investimentos no setor. "Como um setor mais resistente a crises, atualmente gostamos da exposição à saúde, especialmente para investidores que buscam mais proteção em tempos de forte instabilidade do mercado", afirma o banco BTG em relatório.

Investigada por CPI, MP-SP e ANS

Durante a pandemia, porém, a Prevent deixou de ser citada como exemplo de negócio para ser alvo de denúncias de irregularidades.

Um relatório da CPI mostrou que a empresa teria feito um "estudo clínico" sem autorização dos pacientes para balizar a aplicação do chamado "kit covid", composto por medicamentos sem eficácia no tratamento da doença (como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e outros). Há diversos depoimentos que sustentam o relatório.

Médicos também dizem ter sido pressionados a prescrever esses remédios e fraudar atestados de óbito, para esconder que mortes foram causadas pela covid.

A empresa nega as acusações e diz que a denúncia dos médicos é baseada em roubo e manipulação de dados sobre os pacientes.

No balanço de 2020, a Prevent afirmou que "foi citada em várias reportagens que retratam os protocolos de atendimento e processos inovadores, principalmente os adotados durante a pandemia de covid-19. "

A CPI também investiga se há relação entre a companhia e o governo federal, com a suspeita de que o Ministério da Saúde tenha usado um protocolo criado pela operadora para incentivar a utilização do chamado "kit covid".

Além disso, há a suspeita de que o chamado "gabinete paralelo" do governo federal, que teria orientado o presidente sobre a condução da pandemia, também mantinha relações com a companhia, o que teria sido alertado pelo ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Políticos da oposição acusam a companhia de ter uma conduta criminosa. "Quem permite que isso [o estudo clínico] aconteça, que se faça isso com pacientes, é criminoso. Foram 700 pacientes pesquisados com autorização, mas mais de 6.000 foram pesquisados sem ter autorização. Até hoje, a Prevent dá cloroquina para quem chegar lá"', afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE), durante sessão da CPI.

Na semana passada, o Ministério Público Estadual de São Paulo criou uma força-tarefa para investigar as denúncias contra a operadora. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) também abriu processos para investigar a atuação da empresa.

Escândalo ameaça reputação e negócio da empresa

Especialistas e agentes que atuam no setor de saúde privada entrevistados pelo UOL afirmam que o escândalo demonstra o uso político da ciência e da área da saúde e dizem que o caso pode colocar em risco o negócio da Prevent.

"A ciência está em xeque, sendo usada de forma absolutamente leviana pela maior parte dos políticos. É necessário respeitar a ciência", afirma Plentz.

Um pesquisador que atua na área de saúde privada e conhece um dos fundadores da Prevent disse à reportagem que ele é uma pessoa muito orientada a fazer bons negócios e garantir que a empresa dê certo. Para ele, esse "apetite de ganhar dinheiro" pode ter levado a empresa a fazer escolhas equivocadas durante a pandemia.

Outra fonte, membro de uma associação de hospitais privados, afirmou que a Prevent se deixou levar pela "contaminação ideológica". Para ela, essa postura pode ter colocado em risco o modelo exitoso criado pela companhia.

Para Gonçalo Vecina, médico sanitarista e professor de saúde pública da USP (Universidade de São Paulo), as acusações criaram uma mancha "indelével" na imagem da companhia.

"Não tem como limpar a mancha de não ter sido ético, de não ter usado a autodeclaração [em que o paciente autoriza os estudos]. É inaceitável", afirma.