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O que é offshore? É ilegal investir em empresas em paraísos fiscais?

Vinícius de Oliveira

Colaboração para UOL, em São Paulo

04/10/2021 15h25

O termo "offshore" voltou ao noticiário brasileiro após o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) divulgar que autoridades e artistas brasileiros, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, possuem empresas e dinheiro investido em paraísos fiscais.

Você sabe o que é uma offshore? Em tradução livre, o termo significa "fora da costa marítima", no sentido de longe do continente. É comumente usado para designar empresas fora do país de origem da pessoa, em geral com sede em paraísos fiscais.

Para a Receita Federal, são considerados paraísos fiscais os países que tributam a renda em menos de 20% e cuja legislação permite manter em sigilo a composição societária das empresas.

O exemplo mais conhecido são as Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe, que oferece sigilo dos dados e não cobra nenhum imposto sobre renda, ganhos de capital, herança e doações. Há apenas a cobrança de uma taxa anual do governo, que custa a partir de US$ 925, e o pagamento aos operadores da empresa.

Segundo os "Pandora Papers" do ICIJ, Guedes possui desde 2014 uma offshore de nome Dreadnoughts International. O ministro da Economia depositou US$ 9,54 milhões (mais de R$ 51,8 milhões, na cotação atual) na conta da offshore, em uma agência do banco Crédit Suisse em Nova York.

Já Campos Neto possui uma offshore desde 2004, no Panamá, outro paraíso fiscal conhecido. A empresa possuía um capital de US$ 1,09 milhão (cerca de R$ 5,92 milhões), mas foi fechada em outubro de 2020 — cerca de 15 meses depois de assumir o cargo de presidente do Banco Central.

Offshore pode ser legal, desde que declarada

A abertura de uma empresa no exterior não é ilegal, desde que seja declarada à Receita Federal. Também precisa ser declarada ao Banco Central, caso os ativos da empresa ultrapassem US$ 1 milhão.

O grupo internacional Tax Justice Network (Rede de Justiça Fiscal, em tradução livre), faz todos os anos um levantamento dos principais paraísos fiscais do mundo. Em 2021, os principais destinos para empresas offshore eram Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Bermudas, Holanda e Suíça, entre outros.

Atualmente, brasileiros mantêm 809 mil empresas no exterior, de acordo com dados da Receita. Essas offshore somam 136 bilhões de euros (R$ 859,5 bilhões, na cotação atual), segundo os dados obtidos pela ICIJ via Lei de Acesso à Informação.

A offshore pode ser usada legalmente para fazer negócios internacionais. Os principais objetivos de brasileiros ao fazerem negócios no exterior são investimentos financeiros, compras e vendas no mercado internacional, além de sociedade com artistas e atletas.

O Ministério da Economia afirmou, em comunicado, que o ministro Paulo Guedes declarou à Receita Federal e aos demais órgãos competentes, antes de assumir o cargo no Governo Federal, sua participação em em uma empresa offshore localizada em paraíso fiscal.

Conflito de interesses

No entanto, tanto o caso de Guedes quanto de Campos Neto podem ser enquadrados no primeiro parágrafo do artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 2000.

"Artigo 5º § 1º. É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP venha a especificar."

De acordo com a legislação, funcionários públicos de alto escalão estão proibidos de manter aplicações financeiras que possam ser afetadas por políticas governamentais. Por isso, ambos teriam que declarar à Comissão de Ética Pública (CEP) quais investimentos teriam, num período de 10 dias antes de assumir os cargos.

Deputados de oposição protocolaram nesta segunda-feira (4) uma representação para que o Ministério Público Federal (MPF) apure "evidentes irregularidades praticadas" pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto por conta de investimentos no exterior.

Para os deputados, Guedes e Campos Neto possuem "informações privilegiadas, em razão do cargo ou função" que podem facilitar seus investimentos com empresas de offshore, havendo claro conflito de interesses entre as posições pública e privada".

Offshore virou sinônimo de corrupção

No Brasil, o termo offshore virou sinônimo de duto de corrupção. Isto porque esse tipo de empresa oferece condições de sigilo, permitindo que corruptos usem os paraísos fiscais para receber dinheiro ilegal.

Em 2016, uma investigação de documentos vazados do escritório de advocacia Mossack Fonseca, do Panamá, descobriu 107 offshores ligadas a empresas e políticos citados na Operação Lava Jato. O caso ficou conhecido como "Panama Papers" e envolve ainda 214 mil empresas de celebridades, artistas, atletas e políticos de todo o mundo.

Os documentos apontavam para Odebrecht, Grupo Petrópolis, Queiroz Galvão, Grupo Suzano e Grupo Schahin. Entre os políticos citados estavam o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha; o ex-deputado federal João Lyra; o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró; e o ex-senador Edison Lobão.

Outro caso que ajudou a ligar o termo "offshore" a atividades ilícitas aconteceu em 2017. Na época, o grupo de engenharia SBM Offshore aceitou pagar uma multa de US$ 238 milhões por envolvimento em suborno de funcionários estrangeiros no Brasil, Angola, Guiné Equatorial, Cazaquistão e Iraque.

A empresa, fornecedora de equipamentos de perfuração de petróleo para a Petrobras, declarou ser culpada de crime de corrupção. No acordo de leniência firmado com o Ministério da Transparência e com a Controladoria Geral da União (CGU), a companhia holandesa se comprometeu a restituir R$ 1,22 bilhão ao país.