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Inflação mais alta no Brasil é culpa do governo?

Inflação no Brasil é a terceira maior no grupo dos 20 países mais ricos do mundo Imagem: Allanswart/iStock

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

22/10/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Ministro da Economia diz que inflação é problema no mundo todo
  • Mas inflação no Brasil é terceira maior entre 20 países mais ricos do mundo
  • Governo deixou de tomar medidas para inflação não subir tanto? Veja o que dizem economistas

A inflação no Brasil é culpa do governo ou é reflexo do que acontece no mundo? Segundo economistas ouvidos pelo UOL, houve mesmo uma alta mundial no preço dos alimentos e do petróleo. Mas a inflação poderia ser menor se o governo brasileiro não tivesse alimentado a valorização do dólar e adotasse medidas para reduzir o impacto da alta de preços no mundo, avaliam especialistas.

Para um grupo de economistas, entre as medidas que o governo poderia ter adotado, estão a utilização de estoques reguladores de alimentos, um fundo do petróleo para o setor de combustíveis, e maior atuação no mercado de câmbio. Já outro grupo discorda dessas medidas porque seriam tentativas de manipular preços de mercado de forma artificial, com efeito pouco duradouro.

Mas os dois grupos de economistas ouvidos pelo UOL concordam em um ponto: se houvesse menos incertezas sobre as políticas do atual governo, o dólar não teria subido tanto e, por tabela, a inflação seria menor.

Inflação mais alta em todo o mundo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que a inflação está mais alta em todo o mundo. De fato, os índices de preços mudaram de patamar desde o início da pandemia: no grupo dos 20 países mais ricos do mundo (G-20), a inflação passou de 3,5% para 4,5% desde o começo de 2020, puxada por quatro fatores.

  • Matérias-primas: Depois de interrupções na produção de diversas atividades econômicas, os consumidores voltaram a comprar, começando pela China, que aumentou as compras de minérios, aço, grãos e proteína.
  • Mudança de consumo: Pessoas que deixaram de gastar no lazer fora de casa, por causa do isolamento social, optaram por consumir mais bens, como TVs e eletrodomésticos, justo no momento em que a indústria e os transportes ainda enfrentam restrições para atender mais pedidos.
  • Petróleo: Principal fonte de energia do mundo, o petróleo vem subindo com o maior consumo mundial, em valorização de quase 50% desde o começo de 2020.

Inflação nos 20 países mais ricos do mundo, acumulada em 12 meses:

  1. Argentina: 51,42%
  2. Turquia: 19,58%
  3. Brasil: 10,25%
  4. Rússia: 6,69%
  5. México: 6,00%
  6. EUA: 5,40%
  7. África do Sul: 5,08%
  8. Índia: 4,81%
  9. Canadá: 4,09%
  10. Alemanha: 3,87%

Inflação subiu mais no Brasil

No Brasil, a alta da inflação foi mais forte. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) saltou de 4,31%, em 2019, para 10,25%, no acumulado em 12 meses até setembro último. Veja os principais fatores da inflação no país:

  • Dólar: Aqui, a inflação é puxada pelo dólar, que subiu 25% desde o começo de março de 2020. E o dólar encarece tudo que tem seu preço definido no mercado internacional, como os combustíveis.
  • Combustíveis: Gasolina, diesel e etanol mais caros contaminam outros preços, pois transportes entram nas contas de custos de todos os setores da economia.
  • Energia: A escassez de água levou o governo a acionar as usinas térmicas, que custam mais caro que as hidrelétricas.
  • Alimentos: Os alimentos que já estavam subindo de preços sofreram outro impacto provocado pelas geadas, que afetou a produção de culturas.

Variação de preços em 12 meses até setembro

  • Alimentação: 14,7%
  • Arroz: 11,4%
  • Feijão: 12,6%
  • Milho: 16,7%
  • Hortaliças e verduras: 18,1%
  • Carnes: 24,9%
  • Óleo de soja: 32,1%
  • Gás botijão: 34,7%
  • Energia elétrica residencial: 28,8%
  • Combustíveis: 42%

O que o governo deveria ter feito?

Para um grupo de economistas, a inflação é mais forte e resistente no Brasil principalmente por causa das incertezas sobre a política econômica do governo e pela falta de ações concretas para segurar a alta dos preços em alguns setores.

A moeda brasileira está descolada dos fundamentos da nossa economia por causa das incertezas políticas. Faltam políticas públicas capazes de ancorar a confiança dos investidores, o que reduz a oferta de moeda estrangeira e mantém o dólar valorizado.
Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV

O problema da inflação seria menos sério se o presidente fosse outro. Ele tem participação nisso.
Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

Por que o dólar subiu tanto? Tem a ver com os sinais que o governo brasileiro enviou aos investidores. Se não vem dólar para o Brasil, o dólar sobe e contamina toda economia.
Fausto Augusto Junior, diretor técnico do Dieese

O que o governo ainda pode fazer?

Parar de improvisar e melhorar a comunicação: Segundo economistas, os fundamentos da economia brasileira justificariam um dólar na casa de R$ 4,70 em vez de R$ 5,50. Mas as incertezas relacionadas ao compromisso do governo em não aumentar gastos elevam o risco-país e afastam investidores estrangeiros.

O governo então já deveria deixar claro qual é o plano para os gastos públicos não apenas para 2021 mas também para 2022, afirmaram todos os economistas ouvidos pelo UOL.

O vai e vem do anúncio no novo auxílio às famílias, na terça-feira (19), foi citado pelos economistas como exemplo de que os projetos são improvisados em Brasília.

Intervir na economia ou não?

Já as demais medidas que poderiam ser adotadas para conter a inflação são controversas porque representam algum tipo de intervenção no mercado.

Usar estoques reguladores: O governo deveria usar estoques da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para abastecer o mercado com mais arroz, milho, feijão e soja, por exemplo, e segurar os preços.

Quando o preço de um produto cai abaixo do preço de custo, o governo adquire parte da safra pagando o valor mínimo ao produtor para que ele não tenha prejuízo e, assim, plante nova safra.

Esse estoque é vendido ao mercado quando o preço sobe muito para o consumidor. O problema é que os estoques praticamente acabaram nos últimos anos.

Os estoques para esses produtos funcionam porque atendem a menor oferta interna quando parte da produção é direcionada ao exterior, por causa de preços mais altos. Mas o governo adotou estratégia de reduzir estoques, perdendo capacidade de atuação.
Nelson Marconi, economista e professor da FGV

Segundo Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Fundação Getulio Vargas (FGVcnd), os estoques reguladores ajudam a segurar os preços em momentos de forte alta de diferentes produtos. O milho, por exemplo, é usado na alimentação de frangos e porcos e, dessa forma, influencia os valores desses alimentos.

Fundo do petróleo: Parte dos reajustes nos combustíveis poderia ter sido reduzida pela Petrobras se a petroleira fosse compensada financeiramente por segurar os preços por um certo período. Esse dinheiro viria de um fundo, abastecido por lucros passados da própria companhia ao governo ou impostos.

Segundo o economista André Roncaglia, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o petróleo influencia quase tudo na economia brasileira, e por isso os reajustes deveriam ser repassados de forma mais lenta aos consumidores.

Esse fundo não seria usado para impedir os reajustes, mas para evitar que fossem tão fortes e em tão pouco tempo. Países como Chile e França usam esse mecanismo para que toda a economia não sofra com a volatilidade de um preço internacional.
André Roncaglia, economista e professor da Unifesp

Medidas superficiais não adiantam

O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências, diz que medidas artificiais para conter preços já foram usadas, como em 2015, pelo governo de Dilma Rousseff, para combater reajustes da energia elétrica, e a conta veio depois.

Os estoques reguladores não funcionam mais como antigamente, diz Mailson da Nóbrega, porque hoje o Brasil é mais aberto à economia global. Se os preços de alimentos ficarem artificialmente mais baixos aqui, o produtor aumenta as exportações.

Para o assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de São Paulo), Guilherme Dietze, um fundo de petróleo até poderia amenizar os reajustes dos combustíveis, mas ainda assim, a consequência seria negativa para parte da população, pois a conta seria paga inclusive por quem não tem carro.

Para esses economistas, o instrumento mais adequado que o governo tem para domar a inflação -além de enviar uma mensagem mais clara sobre qual será a política de gastos para o ano que vem- é elevar juros mesmo. O que já está sendo feito. Mas a um custo: a economia vai crescer menos.

O Ministério da Economia disse que não comentaria o assunto, e o Banco Central não respondeu até a publicação deste texto.

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