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Autonomia do BC será testada em 2022: vai resistir a pressões do governo?

7.abr.2020 - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em coletiva do Palácio do Planalto - Adriano Machado/Reuters
7.abr.2020 - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em coletiva do Palácio do Planalto Imagem: Adriano Machado/Reuters

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

04/11/2021 04h00

A eleição presidencial de 2022 no Brasil será diferente de todas as outras em pelo menos um aspecto: pela primeira vez na história o Banco Central terá autonomia definida por lei para determinar a taxa básica de juros (Selic). Para economistas do mercado financeiro, essa novidade no processo eleitoral brasileiro é bem-vinda, em meio à escalada da inflação.

A questão é se o BC vai mesmo resistir às pressões políticas. Se for necessário aumentar os juros num momento eleitoral -o que sempre causa reclamações-, o governo vai tentar adiar isso? Ou a autonomia será efetivamente respeitada?

Historicamente, BC não sobe juros nas eleições

Os economistas têm alertado sobre o risco considerável de as contas do governo se deteriorarem, o que exigiria do BC mais elevações da Selic em 2022, para segurar a inflação.

Uma das questões é que, tradicionalmente, o BC brasileiro evita elevar a Selic em anos de campanha para a Presidência. Isso sempre foi visto, por parte do mercado financeiro, como uma forma de favorecer o candidato à reeleição ou o sucessor indicado pelo presidente. Afinal, subir juros é algo impopular, que pode tirar votos.

Nas últimas campanhas eleitorais, o BC evitou elevar os juros:

  • Campanha de 2018: Selic estável em 6,5% a partir de março
  • Campanha de 2014: Selic estável em 11% de abril ao fim de outubro
  • Campanha de 2010: Selic estável em 10,25% a partir de julho
  • Campanha de 2006: Selic passou por cortes até o fim do ano
  • Campanha de 2002: Selic estável em 18,5% de março a julho e, depois, estável em 18% de julho a outubro

BC não deve ser influenciado pela eleição

Para Jansen Costa, sócio da Fatorial, um escritório de assessoria de investimentos, o Banco Central, hoje presidido por Roberto Campos Neto, não será influenciado pela eleição presidencial.

Campos Neto não vai mudar o curso ou atrasar a alta de juros por causa da eleição. Porque se o mercado perder a confiança no Banco Central, a situação pode piorar ainda mais. Nunca tivemos uma troca de presidente da República com o BC autônomo. E isso é positivo
Jansen Costa, sócio da Fatorial

Autonomia pode ajudar

Aprovada no Congresso e sancionada em fevereiro deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a autonomia do Banco Central — uma bandeira histórica da instituição — garante estabilidade ao presidente do BC e a seus oito diretores. São eles que determinam a taxa básica de juros.

Na prática, com a autonomia, Campos Neto e os diretores do BC não podem ser demitidos pelo presidente da República. Essa autonomia reforça o poder do BC para definir a Selic conforme o andamento da inflação, independentemente das pesquisas eleitorais.

No mercado financeiro, a visão é de que Campos Neto e os diretores do BC farão o que for preciso para segurar o IPCA, mesmo que Bolsonaro esteja mal nas pesquisas.

Estamos considerando que o BC fará o que julgar necessário para cumprir sua missão. O que não significa apertar a política monetária [subir juros] até o limite. Porque temos que reconhecer que muito do que está acontecendo em termos de inflação é também choque de oferta
Mauro Schneider, economista da MCM Consultores Associados

Não se trata só de subir os juros

Por esta visão, boa parte do avanço da inflação está ligada à demanda maior por produtos no exterior, como alimentos, o que diminui a oferta no Brasil. Como resultado, os preços sobem, sem que a alta de juros por parte do Banco Central tenha tanto efeito para segurar o movimento.

"Mesmo excluindo qualquer intervencionismo político, há uma questão de administração da taxa de juros", afirma Schneider. "O BC tem que ser cauteloso [ao elevar juros]. Ele não pode segurar todos os efeitos negativos da inflação via juros."

Preocupação com gastos do governo

Profissionais ouvidos pelo UOL afirmaram o possível estouro do teto de gastos enfraquece uma da âncoras para o controle da inflação no ano que vem. Esse teto serve para controlar os gastos do governo. A regra limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação.

O Banco Central, por outro lado, foi fortalecido pela autonomia conquistada no início deste ano.

O mercado tinha duas grandes âncoras. Uma delas era o Banco Central. Essa aprovação recente de autonomia foi muito importante, do ponto de vista institucional, mas na prática o BC já vinha com um histórico de autonomia. A segunda era a âncora fiscal, que é o teto de gastos. Uma delas se rompeu, às vésperas do ano eleitoral
João Beck, especialista em investimentos e sócio da BRA

Por que a inflação preocupa?

O IPCA — o índice oficial de inflação do Brasil — acumulou alta de 6,90% em 2021 até o mês de setembro. O porcentual já supera os 4,52% de inflação vistos em 2021 e está bem acima da meta perseguida pelo Banco Central para este ano, que é de 3,75%.

As altas nos preços dos combustíveis, da energia elétrica, dos alimentos e do dólar têm impulsionado a inflação desde o segundo semestre do ano passado. Neste momento, a preocupação é se a inflação acelerada de 2021 vai continuar em 2022.

Para piorar, nas últimas semanas o governo decidiu alterar o teto de gastos do Orçamento do próximo ano, para bancar o Auxílio Brasil, o programa social que substituirá o Bolsa Família.

A intenção do governo é pagar R$ 400 por mês para os beneficiários até o fim de 2022, ano em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentará a reeleição.

O Ministério da Economia informou, na última sexta-feira, que o espaço fiscal aberto no Orçamento de 2022 pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios será de R$ 91,6 bilhões.

Como o governo vai gastar mais que o previsto, o mercado financeiro se apressou em elevar suas projeções de inflação.

Projeções seguem em alta

Do fim de setembro para 29 de outubro (dado mais recente), o Boletim Focus do Banco Central, que reúne as estimativas das instituições, mostrou a escalada nas projeções de inflação:

  • IPCA em 2021: 8,49% em setembro e 9,17% em outubro
  • IPCA em 2022: 4,12% em setembro e 4,55% em outubro
  • IPCA em 2023: 3,25% em setembro e 3,27% em outubro

O receio é de que a piora possa continuar. Em função das dificuldades fiscais do governo, o mercado financeiro vem elevando as projeções de inflação para 2021 há 30 semanas consecutivas. No caso de 2022, são 15 semanas.

Controle nas mãos do BC

Em meio às projeções de inflação maiores em 2021 e 2022, o BC agiu na quarta-feira (27). O Comitê de Política Monetária (Copom) da instituição elevou em 1,5 ponto porcentual a Selic, de 6,25% para 7,75% ao ano, de uma só vez. Foi a maior alta desde dezembro de 2002, quando a taxa subiu três pontos porcentuais, antes de Luiz Inácio Lula da Silva assumir a Presidência.

Por enquanto, os economistas do mercado projetam que a Selic continuará a subir pelo menos até março do próximo ano, quando atingiria 10,50% ao ano.

Depois disso, pelas projeções, a taxa básica ficaria estável durante todo o período eleitoral — até dezembro de 2022, quando haveria espaço para cortes. Estes cálculos foram feitos já depois de o BC anunciar a alta de 1,50 ponto porcentual da Selic na última quarta-feira.