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Inflação supera 10% mesmo com BC nas mãos de economistas linha-dura

Sede do Banco Central em Brasília - Adriano Machado/Reuters
Sede do Banco Central em Brasília Imagem: Adriano Machado/Reuters

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

13/12/2021 04h00

Nem mesmo uma diretoria do Banco Central com economistas de perfil linha-dura —ou mais ortodoxos, na linguagem do meio— foi capaz de segurar a inflação no governo de Jair Bolsonaro.

Enquanto o BC do governo anterior entregou o país com uma inflação rodando na casa dos 2%, a diretoria atual viu o IPCA, o índice oficial de preços, superar os 10% no acumulado de 12 meses até setembro. O número mais recente indica inflação de 10,74% nos 12 meses até novembro.

O fenômeno chama a atenção porque, entre os nove integrantes da diretoria do BC —que inclui o presidente, Roberto Campos Neto— aparecem profissionais, em cargos-chave, mais afinados com o mercado financeiro e com ideias conservadoras quando o assunto é o combate à inflação.

Na visão desses economistas, o controle da inflação é fundamental para o crescimento econômico. E a ferramenta para conseguir isso é a taxa de juros: quando os preços sobem, a Selic (a taxa básica da economia) também deve aumentar. Isso ajuda, em tese, a reduzir o consumo e a frear os preços.

É por isso que, com a aceleração da inflação desde o segundo semestre de 2020, o BC começou a subir juros em março deste ano.

Juros e inflação subiram

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, Campos Neto passou a participar das decisões do BC sobre juros a partir de março de 2019, juntamente com novos diretores. É essa cúpula do BC que define o nível da Selic, sempre considerando a inflação.

Abaixo, é possível verificar qual foi o movimento mais recente dos juros em relação ao IPCA.

Inflação acumulada em 12 meses x juros

  • Janeiro de 2021: 4,56% (IPCA); 2% (Selic)
  • Março de 2021: 6,1% (IPCA); 2,75% (Selic)
  • Maio de 2021: 8,06% (IPCA); 3,50% (Selic)
  • Junho de 2021: 8,35% (IPCA); 4,25% (Selic)
  • Agosto de 2021: 9,68% (IPCA); 5,25% (Selic)
  • Setembro de 2021: 10,25% (IPCA); 6,25% (Selic)
  • Outubro de 2021: 10,67% (IPCA); 7,75% (Selic)
  • Novembro de 2021: 10,74% (IPCA); 9,25% (Selic)

Os números mostram que, apesar de a diretoria do BC ter elevado a Selic desde março, a inflação acumulada em 12 meses segue em aceleração.

Esses percentuais do IPCA refletem o que o brasileiro tem percebido em seu dia a dia: preços mais altos nos supermercados, nos postos de combustíveis, nas contas de energia.

Juros dificultam retomada da economia

Uma das críticas feitas por economistas alternativos — ou heterodoxos, que se contrapõem aos ortodoxos— é que o BC está subindo juros em um momento em que o país ainda luta para se recuperar da crise provocada pela pandemia.

Com juros mais altos, dizem eles, a recuperação da atividade econômica e dos empregos, por exemplo, torna-se ainda mais difícil.

Outra crítica comum, inclusive entre economistas que atuam no mercado financeiro, é a de que o BC teria demorado para iniciar o processo de alta de juros, a despeito de, em sua diretoria, haver economistas linha-dura.

Tradição linha-dura

Desde o início da década de 1990, boa parte dos cargos-chave da direção do Banco Central vem sendo ocupada por economistas de perfil linha-dura. Muitos se graduaram na PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, uma instituição identificada com a ortodoxia.

Mais recentemente também chama a atenção a presença de economistas com larga experiência no mercado financeiro, e não necessariamente em universidades.

Entre os principais cargos da cúpula atual do BC, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, graduou-se e fez mestrado pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Antes de ser presidente do BC, trabalhou no mercado financeiro, com destaque para sua passagem pelo banco Santander.

De saída do BC, o atual diretor de Política Econômica, Fabio Kanczuk, formou-se em engenharia eletrônica pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e, depois, fez mestrado e doutorado na Universidade da Califórnia. Seu substituto será o economista Diogo Abry Guillen, que fez carreira no Itaú Asset e tem graduação e mestrado pela PUC-Rio.

Também de saída, o diretor de Organização do Sistema Financeiro do BC, João Manoel Pinho de Mello, tem formação na área de administração de empresas, mas fez mestrado em economia pela PUC-Rio. Seu substituto será o economista Renato Dias de Brito, graduado e mestre pela PUC-Rio.

A atual diretora de Assuntos Internacionais, Fernanda Guardado, fez graduação, mestrado e doutorado pela PUC-Rio.

Estes são alguns dos exemplos mais recentes.

Críticas ao modelo

O economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), afirma que o erro está no modelo adotado pelos economistas linha-dura.

Segundo ele, o regime de metas de inflação, em vigor no Brasil desde 1999, induz o BC a imaginar que toda inflação é de "demanda" (excesso de consumo). O raciocínio é de que os preços da gasolina, por exemplo, estão subindo nos postos porque existe maior procura pelo combustível no Brasil —o que nem sempre é verdade. Para combater a inflação, o BC acaba subindo os juros (o que inibe o consumo).

O economista diz que a inflação atual está mais ligada a fatores como a alta do petróleo nos mercados internacionais, o avanço nos preços de alimentos, como a soja, em todo o mundo, a seca em várias regiões do país e o dólar elevado. Na prática, é uma "inflação de oferta" (os preços das coisas vendidas já estão altos).

Lacerda —que é heterodoxo— afirma que seria mais eficaz para o controle da inflação que o governo mudasse a indexação dos preços dos combustíveis.

Ou seja, se o petróleo aumentasse no exterior, não haveria repasse automático do custo para a ponta final. A proposta é polêmica.

Ele também sugere uma postura mais ativa no câmbio. A ideia é que o BC utilize as ferramentas disponíveis, como suas reservas em dólar, para manter a moeda americana em níveis mais baixos em momentos de maior pressão. Isso poderia ser feito por meio da venda de dólares no mercado financeiro.

Para o economista, falta maior diversidade na própria diretoria do BC para discutir alternativas como essas.

O ideal seria você ter uma diversidade de linhas teóricas. Mesmo entre os oriundos da PUC-Rio já há uma diversidade. Veja o [economista] André Lara Resende, que tem posições diferentes [dos economistas linha -dura]. Toda diversidade seria em prol do Brasil. A prevalência de uma única linha teórica limita essa diversidade
Antonio Corrêa de Lacerda, economista

BC é firme, mas gastos do governo atrapalham

O economista Wilson Luiz Rotatori Correa, professor da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), afirma que, mesmo com um BC linha-dura, os gastos do governo têm atrapalhado o controle da inflação.

Com o governo mantendo despesas acima das receitas —o que serve de combustível para a inflação— fica difícil para o BC segurar os preços apenas subindo juros.

Realmente, há uma diretoria com viés linha-dura. O BC pode até ser linha-dura e fazer este movimento que faz agora, de alta de juros, já pensando em 2022. Mas se não houver uma ajuda na parte fiscal [gastos], que depende do Executivo e do Congresso, a capacidade do BC de controlar a inflação é colocada em xeque
Wilson Luiz Rotatori Correa, professor de economia

Para André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, o fato de o BC ter um viés linha-dura não significa que ele vai conseguir controlar os preços. Isso porque boa parte da pressão hoje é resultado de "choques de oferta" —como a alta nos preços dos combustíveis em todo o mundo ou o aumento na conta de energia em função da seca no Brasil.

O fato de a inflação ter subido na mão dos ortodoxos às vezes não tem a ver com ortodoxia ou heterodoxia. Às vezes, há choques e não há muito o que fazer. Tem que esperar passar. Mas isso pode iniciar algumas discussões. Desde 2008, a política dos bancos centrais vem sendo alvo de debates. Este debate não entrou ainda no Brasil, mas tem que vir pela sociedade, que vai discutir os temas. Do que adianta o BC com um instrumento, que é a taxa de juros, tentar equilibrar tanta coisa ao mesmo tempo?
André Perfeito, economista

Banco Central não comenta

Procurado pelo UOL, o BC disse que não comentaria sua atuação contra a inflação.