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Revogar reforma trabalhista e privatizações: sugestões do PT são possíveis?

Lula elegiou mudanças na legislação trabalhista da Espanha - Zanone Fraiassat/Folhapress
Lula elegiou mudanças na legislação trabalhista da Espanha Imagem: Zanone Fraiassat/Folhapress

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

09/01/2022 04h00

Nos últimos dias, nomes da cúpula do PT citaram em redes sociais iniciativas de medidas econômicas defendidas pela esquerda. A deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), presidente do partido, mencionou revogação de privatizações na Argentina e citou a revisão reforma trabalhista na Espanha. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também elogiou as mudanças discutidas na Espanha.

Mas seria possível revogar a reforma trabalhista mais recente no Brasil, de 2017? E as privatizações? Especialistas da área do direito disseram ao UOL que, tecnicamente, isso é possível, mas as dificuldades seriam grandes, em especial no caso das privatizações.

Mudança da reforma trabalhista por lei ordinária

O juiz do trabalho Felipe Bernardes, diretor de Assuntos Legislativos da Amatra1 (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região), afirma que a revogação da reforma trabalhista poderia ser feita a partir de lei ordinária (mais fácil de aprovar no Congresso).

Isso porque a própria reforma, sancionada em 2017 pelo então presidente Michel Temer, foi realizada a partir de lei ordinária aprovada no Congresso Nacional.

"O projeto de lei poderia ser apresentado pelo Executivo ou por algum parlamentar. Como é uma lei ordinária, passaria no Congresso por maioria simples", explica Bernardes.

A maioria simples é atingida quando mais de 50% dos parlamentares que participarem da votação forem favoráveis à proposta.

A legislação estabelece que, se o projeto for apresentado pelo Executivo, a tramitação começaria na Câmara e, depois, o texto precisaria ser aprovado pelo Senado.

A advogada Soraya Clementino, sócia da Clementino Advocacia Trabalhista, afirma que alterações na legislação trabalhista exigiriam, no mínimo, uma nova lei ordinária. "Mas isso leva uma carga política importante, porque é preciso ser aprovado nas duas casas legislativas [Câmara e Senado]", explica.

Se essas propostas de mudança na legislação trabalhista se espelham no que acontece na Espanha, é preciso lembrar que naquele país elas são fruto de uma negociação tripartite: centrais sindicais, partidos do governo e empresariado. Isso também precisaria acontecer aqui no Brasil.
Soraya Clementino, advogada

Mudanças devem ser duradouras

Professor de direito constitucional e sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados, o advogado Guilherme Amorim Campos da Silva afirma que retroagir na última reforma trabalhista é possível, mas ele defende que eventuais mudanças sejam duradouras.

A qualquer tempo você pode passar mudanças na legislação trabalhista por lei ordinária. Então, é muito simples fazer alterações pontuais, conforme o governo da vez. E isso não contribui para questões de longo e médio prazo. É legítimo que um partido de centro-esquerda apresente sua proposta de reforma. Mas para que isso não seja pontual a alteração precisa ser mais perene.
Guilherme Amorim Campos da Silva, advogado

Silva diz que o primeiro passo para uma nova reforma trabalhista deve ser dado a partir da apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição). "O passo seguinte seria a produção de leis ordinárias. Assim, você desconstrói a reforma trabalhista atual", diz.

De tramitação mais complicada que a de leis ordinárias, a PEC exige três quintos dos votos de deputados (308 votos) e senadores (49 votos) para ser aprovada.

Na visão de Silva, promover mudanças via PEC daria maior previsibilidade aos agentes econômicos sobre as regras trabalhistas em vigor. "O que está faltando hoje no debate político e democrático é uma agenda que fale definitivamente de propostas de desenvolvimento de longo prazo do país", afirma.

Faz sentido revogar a reforma de Temer?

Os especialistas ouvidos pelo UOL defenderam que é possível aprimorar pontos da atual legislação trabalhista, trazidos pela última reforma. Mas defenderam que algumas alterações feitas em 2017 foram positivas para o mercado de trabalho e não precisariam retroagir.

Soraya Clementino, da Clementino Advocacia Trabalhista, cita a possibilidade de dividir os 30 dias de férias em até três períodos como algo positivo da última reforma, inclusive para o trabalhador. Além disso, ela lembra que a reforma instituiu oficialmente o teletrabalho (trabalho a distância), que se mostrou fundamental durante a pandemia de covid-19.

"O teletrabalho foi introduzido na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Se você revogar a reforma, acaba o teletrabalho", afirma Soraya Clementino.

A advogada diz ainda que, com a reforma trabalhista, passou a ser possível às empresas pagarem 20% da multa de rescisão contratual de trabalhadores que pedem demissão, desde que haja acordo.

O mecanismo busca evitar fraudes que vinham sendo perpetuadas, nas quais o trabalhador pedia para ser demitido para ter acesso ao FGTS e ao seguro-desemprego pago pelo governo, mas devolvia à empresa a multa de 40% do FGTS.

Os especialistas lembram, no entanto, que grande parte da frustração com a reforma trabalhista de Temer se deve ao fato de que ela não gerou empregos.

Na época, a promessa era de 2 milhões de novas vagas nos primeiros dois anos de reforma e 6 milhões em seis anos, o que não ocorreu.

A reforma no geral retirou muitos direitos dos trabalhadores. A tônica foi essa. Dizia-se que ela geraria empregos, mas não foi o que ocorreu. Ficou provado que a retirada de direitos não gerou empregos.
Felipe Bernardes, juiz do trabalho

Em entrevista publicada na sexta-feira (7), a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), sinalizou a intenção de alterar pontos da reforma, mas não necessariamente tudo o que foi aprovado em 2017. Vale lembrar que a reforma de Temer alterou mais de 100 artigos da CLT.

Gleisi criticou a retirada da contribuição aos sindicatos e o mecanismo que faz o negociado entre as partes prevalecer sobre o legislado.

Além disso, indicou a intenção de revisar o trabalho intermitente —aquele em que o profissional contratado recebe apenas pelas horas trabalhadas.

Revogação de concessões e privatizações exigiria gastos

O outro ponto levantado pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, sobre a revogação de privatizações, é bem mais polêmico. Ao abordar o assunto nas redes sociais, Gleisi não citou quais empresas poderiam ser reestatizadas no Brasil.

Em seu discurso, o PT vem criticando a possibilidade de privatização da Eletrobras —algo que ainda precisaria da aprovação do Congresso. Alguns especialistas afirmam que a privatização ficaria para 2023, já em um novo governo. Assim, se o PT sair vencedor da eleição, bastaria abortar a proposta.

Se a intenção for de fato reestatizar companhias, como fez a Argentina, ou retomar concessões feitas por governos anteriores, seria preciso gastar recursos públicos.

"A Inglaterra, com centenas de privatizações nas áreas de energia e saneamento, passou a rever recentemente esses contratos", diz o advogado Guilherme Amorim Campos da Silva, do escritório Rubens Naves Santos Jr. "Mas se for objeto de política pública, será preciso indenizar aquele que apostou na concessão."

Em outras palavras, a União precisaria indenizar os detentores das concessões públicas, por exemplo. Conforme Silva, essa possibilidade já está prevista nos próprios contratos de concessão e na legislação em vigor.

Uma das questões é: existe espaço no Orçamento para indenizar os detentores de concessões?

O economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo de José Sarney e sócio da Tendências Consultoria Integrada, considera um erro reestatizar empresas.

Reestatizar companhias relevantes, como a Vale e as empresas telefônicas, envolveria uma mobilização de recursos que não estão disponíveis. Gastar rios de dinheiro do contribuinte para reestatizar empresas que estão dando certo seria desastroso.
Maílson da Nóbrega, ex-ministro

Além de recursos, a reestatização envolveria uma complexa operação jurídica. Silva lembra que os acionistas de ex-estatais poderiam não aceitar a retomada das companhias pelo governo. A briga na Justiça levaria anos.