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Novas regras apoiam energia suja e encarecem conta de luz, dizem analistas

Usinas termelétricas são importantes para o fornecimento de energia, mas modelo adotado pelo governo onera consumidores - Ralf Geithe/Getty Images/iStock
Usinas termelétricas são importantes para o fornecimento de energia, mas modelo adotado pelo governo onera consumidores Imagem: Ralf Geithe/Getty Images/iStock

Giulia Fontes

Do UOL, em São Paulo

28/01/2022 04h00Atualizada em 28/01/2022 08h14

Novas regras no país têm incentivado a construção de usinas termelétricas. As mais recentes e polêmicas foram a inclusão da obrigatoriedade de construção de térmicas a gás na lei que permitiu a privatização da Eletrobras, além da aprovação de um incentivo a usinas a carvão em Santa Catarina.

Segundo especialistas, a construção e o uso de usinas termelétricas não é necessariamente ruim para o sistema. Mas a forma como esses incentivos estão sendo concedidos, de acordo com eles, é equivocada e prejudica o consumidor. O governo não comentou as críticas.

Por que termelétricas são necessárias

Ivan Camargo, professor de Engenharia Elétrica da UnB (Universidade de Brasília), diz que o país precisa ter um sistema robusto, que inclua termelétricas mesmo que elas sejam mais poluentes.

Isso porque as fontes renováveis, como solar e eólica, são intermitentes: as pessoas não conseguem controlar quando elas vão gerar energia. Se há luz solar e vento, por exemplo, há produção. Mas, de noite ou sem vento, não há.

Usinas a gás previstas na lei da Eletrobras

Por isso, para Camargo, pode valer a pena incentivar a construção de usinas a gás natural, como as previstas na lei da Eletrobras. Apesar de ser um combustível fóssil, o gás é considerado menos poluente que outras fontes, como óleo diesel.

Eu acho muito difícil a gente zerar a emissão de gases do efeito estufa. Não tenho dúvidas de que temos que fazer esse esforço, é claro, mas acho que zerar é uma missão quase impossível. Usinas a gás vão na direção da redução.
Ivan Camargo, da UnB

Obrigação de compra

O problema é que as usinas previstas na lei da Eletrobras são predominantemente inflexíveis. Isso quer dizer que o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) fica obrigado a usar energia dessas usinas mesmo que haja outras opções mais baratas.

Romário Batista, pesquisador do Ceri da FGV (Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas), afirma que essa imposição acaba gerando um "problema de alocação de custos".

Nem sempre usar a energia das usinas a gás será a opção de menor custo para o setor elétrico. Quem vai pagar esse custo adicional? O consumidor, ou seja, haverá elevação das tarifas para subsidiar um outro setor.
Romário Batista, da FGV

Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, diz que o gás natural tem um mercado promissor no Brasil, porque a tendência é de que o combustível fique mais barato.

"O que não vale é colocar uma montanha de usinas a gás nesse modelo inflexível, porque isso resulta em uma energia muito mais cara frente a outras alternativas", afirma.

Incentivo a carvão 'não tem cabimento', diz professor

Outro projeto, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no começo do ano, obriga a contratação de usinas térmicas a carvão até 2040. As usinas ficam em Santa Catarina.

Segundo a Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), a medida terá um custo de R$ 840 milhões por ano para todos os consumidores.

De acordo com Camargo, da UnB, o subsídio "não tem o menor cabimento".

O mundo inteiro está fazendo um esforço enorme para reduzir a quantidade de carvão na sua matriz energética. Na matriz do Brasil, a parcela do carvão é insignificante [1,7% da capacidade instalada do sistema, segundo o ONS]. O país poderia dar uma lição para o mundo, mas vamos na direção contrária. É um passo atrás horroroso.
Ivan Camargo, da UnB

Impactos econômicos

Sales, do Instituto Acende Brasil, diz que, do ponto de vista do planejamento energético, a medida não faz sentido. "Quero crer que a decisão foi inspirada em uma questão social, do impacto da produção de carvão", diz.

Na sanção do projeto, o governo afirmou que a medida era importante para a promoção de uma "transição energética justa" para a região carbonífera de Santa Catarina, fomentando novas atividades econômicas.

Na opinião de Romário Batista, da FGV, os impactos econômicos do fim da exploração de carvão não podem ser desprezados.

"O governo tem dado muitos sinais confusos, que por vezes passam a impressão de que o compromisso [com a descarbonização] não é sério. Mas, no caso de Santa Catarina, realmente há impactos econômicos fortes, de geração de empregos e arrecadação de impostos", afirma.

Ministério responde críticas

Sobre as termelétricas previstas na lei que permitiu a privatização da Eletrobras, o MME (Ministério de Minas e Energia) afirma que as contratações serão resultantes de leilões, nos quais vencerá quem ofertar o menor preço para o consumidor.

O órgão diz ainda que a nova contratação é limitada a um valor máximo, equivalente ao preço teto estabelecido para um leilão de geração a gás natural em 2019. O primeiro leilão para as termelétricas previstas na lei da Eletrobras deve ocorrer em setembro de 2022, diz o MME.

A nota encaminhada pelo ministério ao UOL afirma, também, que, durante a COP26, o Brasil formalizou um compromisso de alcançar a neutralidade de carbono até 2050.

No caso do carvão, diz o ministério, apesar de essa fonte ser pouco representativa na matriz elétrica brasileira, há "grande relevância na economia e na geração de empregos de algumas regiões do Sul do país".

Por isso, diz a nota, a lei aprovada cria "um programa de transição energética justa, alinhando as metas de neutralidade da emissão de carbono a impactos socioeconômicos regionais e à valorização de recursos minerais e energéticos".