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O que é laudêmio, taxa paga por moradores de Petrópolis à 'família real'

Laudêmio, ou "taxa do príncipe", foi instituído por D. Pedro II em meados do século 19 e existe até hoje - Domínio público/Wikimedia Commons
Laudêmio, ou "taxa do príncipe", foi instituído por D. Pedro II em meados do século 19 e existe até hoje Imagem: Domínio público/Wikimedia Commons

Anaís Motta

Do UOL, em São Paulo

21/02/2022 11h49Atualizada em 21/02/2022 15h50

Quem compra um imóvel no Primeiro Distrito de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, deve pagar uma taxa de 2,5% sobre o valor à Companhia Imobiliária de Petrópolis, administrada por descendentes do imperador Dom Pedro II. É o chamado laudêmio — ou "taxa do príncipe" —, criado em meados do século 19 para compensar a Coroa Portuguesa pelo incentivo ao povoamento da região.

A história da instituição do laudêmio tem início em 1830, quando D. Pedro I comprou uma propriedade, chamada Fazenda do Córrego Seco, no que hoje é o Primeiro Distrito de Petrópolis, com a intenção de construir uma casa de veraneio. Com a sua morte, em 1834, o terreno foi herdado por D. Pedro II, que nove anos depois decidiu também pelo arrendamento da região, com o objetivo de ocupá-la de forma planejada. Foi assim que nasceu Petrópolis — e com ela, a "taxa do príncipe".

Desde então, toda vez que alguém compra um imóvel na região do Primeiro Distrito — onde se concentra a maior parte da população da cidade — deve pagar 2,5% à Companhia Imobiliária de Petrópolis. A taxa é fixa, independe do valor do imóvel e só pode ser paga à vista, sem possibilidade de parcelamento. Sem ela, o novo proprietário não recebe nem a escritura.

Tetraneto (ou neto do bisneto) de D. Pedro II, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) explica em seu site oficial que "boa parte" do laudêmio pago ao ramo de Petrópolis da família imperial é usada na conservação de prédios históricos e públicos da cidade, como o Palácio Imperial. Ele nega que seja um "imposto", argumentando que o terreno nunca foi, de fato, comprado do proprietário original: seu tetravô.

"Suas terras foram ocupadas e ele [D. Pedro II] não desapropriou quem as ocupou. Ao contrário, deu titularidade e optou pelo sistema de laudêmio. Nesse sistema, o proprietário recebe a titularidade, beneficia o terreno e, em caso de venda do imóvel, repassa um percentual à família de Petrópolis, herdeira do terreno original. O laudêmio não é um imposto, mas uma espécie de aluguel, pago somente em caso de transação", defende.

O parlamentar também reforça que pertence ao ramo de Vassouras (RJ) e, portanto, não recebe a "taxa do príncipe". Mas isso é relativamente recente: o laudêmio passou a ser exclusivo do ramo de Petrópolis apenas na década de 1940, quando Pedro Henrique de Orleans e Bragança, bisneto de D. Pedro II e avô paterno de Luiz Philippe, vendeu sua parte na Companhia Imobiliária de Petrópolis.

Não é só a 'família real'

Embora a "taxa do príncipe" tenha sido alvo de questionamentos recentes, motivados principalmente pela tragédia causada pelas fortes chuvas em Petrópolis, o governo federal também arrecada milhões de reais todos os anos com o laudêmio. Quem compra um imóvel em determinadas regiões do litoral do Brasil, chamados terrenos de marinha, também deve pagar a taxa — esta de 5%. A cobrança é um resquício do período imperial, mas é mantida até hoje, 133 anos após a proclamação da República no Brasil.

Apesar do nome, os terrenos de marinha não pertencem à Marinha, mas sim à União, e estão localizados em toda a extensão dos mais de 7 mil quilômetros do litoral brasileiro. Eles foram medidos em 1831, a partir da linha imaginária traçada no local onde a água do mar chegava na maré alta. Desta linha para dentro do território, contam-se 33 metros — o alcance aproximado de uma bala de canhão à época. Esta faixa corresponde aos terrenos de marinha.

Esses terrenos foram criados para garantir a defesa do território (daí a referência à bala de canhão) e o livre acesso ao mar pela população. Com o tempo, porém, o conceito se tornou obsoleto e irreal, principalmente porque as marés mudaram muito desde então. Além disso, a cobrança às vezes é feita em terrenos a 80 metros da linha da maré alta, afetando bairros inteiros, como Copacabana e Leme, na cidade do Rio.

No Congresso, alguns projetos tentam dar fim ao laudêmio há anos, mas sem sucesso. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 39/2011, por exemplo, quer "extinguir o instituto do terreno de marinha e seus acrescidos" e chegou a estar na pauta da Câmara dos Deputados da última quarta-feira (16), mas foi retirado. Já o projeto de lei 6834/2013, que proíbe a cobrança de laudêmio, está parado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) desde 2019.

Os beneficiados, de maneira geral, são famílias da época do império que, já há décadas, beneficiam-se desta cobrança sem a correspondente contrapartida. No lado oposto, estão os residentes e comerciantes das cidades, os quais se sentem onerados com o pagamento de mais um tributo, mesmo que formalmente seja o instituto considerado de natureza civil.
Trecho do projeto de lei 6834/2013

A PEC foi apresentada pelos ex-deputados federais Arnaldo Jordy (antigo PPS-PA, hoje Cidadania), José Chaves (PTB-PE) e Zoinho (antigo PR-RJ, hoje PL). O PL 6834, por sua vez, é de autoria do ex-deputado Jorge Bittar (PT-RJ).

Em 2021, segundo dados oficiais, a União arrecadou mais de R$ 513 milhões só com laudêmios e taxas de ocupação, que é paga por quem mora em terrenos de marinha. O dinheiro vai para o Tesouro Nacional, não tendo destinação específica.

(Com Agência Brasil)