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Menos imposto, mais dinheiro liberado: planos de Bolsonaro em ano eleitoral

Bolsonaro e Guedes trabalham em medidas econômicas para várias áreas, em ano eleitoral  - Evaristo Sá/AFP
Bolsonaro e Guedes trabalham em medidas econômicas para várias áreas, em ano eleitoral Imagem: Evaristo Sá/AFP

Fabrício de Castro e Carla Araújo

Do UOL, em Brasília

03/03/2022 04h00Atualizada em 03/03/2022 14h49

Neste último ano do atual mandato de Jair Bolsonaro (PL), ministros da ala política e a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, têm trabalhado para lançar uma série de medidas na área econômica. As iniciativas vão da renegociação de dívidas estudantis às promessas de reajuste de funcionários públicos, passando pelo lançamento, ainda em 2021, do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família). Agora, passado o Carnaval, o Ministério da Economia deve fazer mais uma bateria de anúncios. As novas iniciativas podem somar R$ 150 bilhões.

Para analistas ouvidos pelo UOL, as medidas do governo na área econômica têm como foco a tentativa de reeleição de Bolsonaro. O governo foi procurado, mas não comentou o assunto.

Não há nenhuma dúvida de que esse tipo de movimento é uma ação no sentido de buscar a reeleição, diante de um quadro tão negativo para o presidente. É muito difícil, muito raro, não só no Brasil, que o presidente do momento não seja o favorito na eleição. Normalmente, existe uma vantagem tremenda para a pessoa que ocupa o cargo. O que está acontecendo é uma avaliação muito negativa de Bolsonaro. Os anúncios na área econômica vão no sentido de buscar reverter esse quadro.
Graziella Testa, professora da FGV

Os analistas afirmam que o lançamento de programas econômicos em anos de disputa presidencial não é uma novidade no Brasil. Segundo eles, Bolsonaro está seguindo a cartilha de quem ocupa o Planalto e tenta a reeleição: acelerar anúncios nos últimos meses de governo, para garantir mais votos. O problema é que, passada a disputa, sobra a conta a ser paga.

Uma das dificuldades é justamente estimar o custo das medidas em ano eleitoral. O cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada, explica que as ações possuem benefícios "concentrados" e "custos difusos". Em outras palavras, os ganhos são palpáveis para quem recebe mais crédito ou desconto em dívidas estudantis, por exemplo, mas o impacto disso no Orçamento do governo nem sempre é muito claro. "O custo é disperso, então não há muita oposição às ações", afirma.

"O que é inegável é que esse tipo de ação, que cria benefícios para setores específicos da economia ou para camadas mais amplas da população, tem um efeito eleitoral", afirma Ricardo Ribeiro, sócio da Ponteio Política e analista da MCM Consultores Associados. "O quanto isso vai mexer com as intenções de voto é sempre muito difícil saber. Mas todas as medidas têm pelo menos o potencial de ajudar a candidatura de Bolsonaro."

Desde o fim de 2021, representantes da ala política do governo e Guedes intensificaram a disputa interna em torno da agenda econômica. Enquanto a ala política pressionava por ações mais populistas, Guedes tentava manter as contas públicas sob controle. O próprio ministro, no entanto, embarcou na estratégia eleitoral.

Ações para a economia, mas também para o eleitorado

Desde o ano passado, o governo Bolsonaro vem lançando uma série de medidas na área econômica. Algumas delas —como o aumento do valor da ajuda à população mais pobre, por meio do Auxílio Brasil— chegaram a ser elogiadas pela oposição. Por outro lado, muitas iniciativas são vistas por opositores e analistas de fora do governo como eleitoreiras.

Até agora, o governo lançou ou trabalha para lançar as seguintes medidas econômicas com impacto eleitoral:

Fontes no Ministério da Economia indicam que um pacote de medidas deve ser anunciado após o Carnaval. Entre elas estão o programa de crédito, a liberação do FGTS e o auxílio a catadores de recicláveis.

Foco na eleição

A pressa do governo em lançar medidas tem uma justificativa. Boa parte das propostas, em função da legislação eleitoral, precisa sair do papel seis meses antes da eleição —ou seja, em 2 de abril.

As ações surgem em paralelo às pesquisas eleitorais. Em uma das mais recentes, da CNT (Confederação Nacional do Transporte), em parceria com o Instituto MDA, Lula aparece com 42,2% das intenções de voto. Bolsonaro tem 28% (diferença de 14,2 pontos percentuais). A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Uma outra pesquisa, do PoderData, divulgada na quarta-feira (2), mostra uma diferença menor, de oito pontos percentuais: Lula com 40%, Bolsonaro com 32% (margem de erro de dois pontos).

Para o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada, as medidas anunciadas pelo governo na área econômica são relevantes sob o ponto de vista eleitoral.

Um dos benefícios de ser governo em ano eleitoral é ter o poder de agenda. É o poder de propor programas. Crédito, aumento salarial, medidas voltadas para o porte de armas, todos são pontos importantes. O desdobramento prático desse poder de agenda é quase garantir a presença de Bolsonaro no segundo turno.
Rafael Cortez, cientista político da Tendências

Cortez afirma que o fato de Bolsonaro ter o poder sobre a agenda econômica o coloca à frente, inclusive, da chamada "terceira via" na disputa eleitoral.

"A tarefa da terceira via é muito custosa por duas razões. Primeiro, porque existem várias 'terceiras vias', e não um único candidato", afirma Cortez. "Segundo, porque essas candidaturas se pautam pela retórica, enquanto o governo consegue lançar algo concreto na economia."

Candidato do PT, Lula se diferencia da terceira via porque tem um histórico de ações comparável com a administração de Bolsonaro.

Quadro negativo e desconfiança

Para a cientista política Graziella Testa, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, o movimento recente do governo na área econômica causa estranheza em função do discurso adotado em 2018, na primeira campanha. Na época, não havia, por exemplo, ênfase em programas sociais de transferência de renda como o Bolsa Família —hoje, Auxílio Brasil.

O presidente fez um mandato muito dúbio em matéria econômica. No passado, você tinha o Bolsa Escola e o Bolsa Família, que já constavam nos planos de governo do PSDB e do PT. Eles faziam parte de um contexto. O fato de o Auxílio Brasil estar tão deslocado da agenda programática de Jair Bolsonaro é que inspira a suspeita eleitoreira.
Graziella Testa, professora da FGV

Governo não se pronunciou

Na manhã de quarta-feira (23), o UOL entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Economia, por email. A reportagem abriu espaço para o ministério se pronunciar a respeito das críticas, vindas de analistas, de que as medidas econômicas mais recentes teriam objetivo eleitoral. Na manhã de quinta-feira (24), novo contato foi feito com a assessoria de imprensa, por meio de aplicativo de mensagens. Orientada pela assessoria, a reportagem encaminhou novamente o email.

Até a conclusão deste texto, o ministério não havia respondido.