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Vale a pena governo gastar até R$ 50 bi para segurar preço de combustível?

Subsídios a combustíveis terão impacto sobre Orçamento do governo - RODOLFO BUHRER/REUTERS
Subsídios a combustíveis terão impacto sobre Orçamento do governo Imagem: RODOLFO BUHRER/REUTERS

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

17/03/2022 04h00

As ações do governo de Jair Bolsonaro para segurar os preços dos combustíveis terão um impacto bilionário sobre o Orçamento federal. Alguns cálculos indicam que a conta já está perto de R$ 23 bilhões, considerando apenas algumas medidas já aprovadas ou em tramitação no Congresso. Mas o impacto pode ser ainda maior, aproximando-se dos R$ 50 bilhões, caso outras propostas sejam apresentadas, como a desoneração da gasolina.

Com um Orçamento apertado para 2022, a dúvida é: vale a pena gastar dinheiro para segurar os preços dos combustíveis? E oferecer subsídios para setores específicos da sociedade é eficaz? Economistas se dividem sobre isso.

Alguns analistas reconhecem que, em função dos preços atuais dos combustíveis, cabe ao governo minimizar os impactos sobre os consumidores. Outros, no entanto, defendem que é melhor esperar o fim da pressão trazida pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Esta segunda avaliação está mais de acordo com o que pensa o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Para o economista Samuel Durso, professor da Faculdade Fipecafi Projetos, a disparada dos preços dos combustíveis no mercado internacional exige que o governo brasileiro busque alternativas.

No ano passado, a alta dos combustíveis foi um dos principais vilões da inflação no mercado interno. Provavelmente neste ano a história vai se repetir. Então, é necessário que o governo busque alternativas, até porque o efeito cascata que os combustíveis geram na economia é relevante. Obviamente, isso tem impacto significativo no Orçamento.
Samuel Durso, professor da Fipecafi Projetos

Em 2021, o óleo diesel aumentou 46,04%, enquanto a gasolina teve alta de 47,49%, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Veja as ações sobre combustíveis

Na semana passada, o plenário do Senado aprovou dois projetos que tratam dos custos dos combustíveis: o PL (Projeto de Lei) nº 1.472, que cria um fundo para estabilizar preços, e o PLP (Projeto de Lei Complementar) nº 11, que unifica o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis.

Em tramitação rápida, o projeto sobre ICMS acabou aprovado também na Câmara e foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira (11). O PL nº 1.472 segue pendente na Câmara.

Os dois projetos possuem uma série de medidas para segurar os preços dos combustíveis e amenizar impactos sobre setores específicos. Entre elas, estão:

PLP nº 11

  • O ICMS cobrado pelos Estados e pelo Distrito Federal terá uma alíquota única, a ser definida pelos próprios estados. Essa alíquota terá um valor fixo por litro de combustível. Isso valerá para gasolina, etanol, diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo (GLP, ou gás de cozinha);
  • As alíquotas de PIS/Pasep e Cofins (impostos federais) ligadas à importação de diesel ficarão reduzidas a zero até o fim de 2022. Dados do Ministério da Economia mostram que o impacto será de R$ 18,21 bilhões sobre o Orçamento da União.

PL nº 1.472

  • Cria a CEP Combustíveis (Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis), que funcionará como um fundo a ser usado para amenizar os preços dos combustíveis em momentos de aceleração das altas. O impacto sobre o Orçamento não está claro, já que o fundo poderá ser abastecido por diferentes fontes, entre elas, tributos e receitas extraordinárias recebidas pela União provenientes dos ganhos com petróleo;
  • O auxílio-gás atenderá no mínimo 11 milhões de famílias em 2022, o dobro do previsto no Orçamento. O custo de ampliação seria de R$ 1,9 bilhão, a ser coberto por recursos do bônus de assinatura dos campos de Sépia e Atapu. O valor atual do auxílio é de R$ 52, cerca de 50% do botijão de 13 quilos. São contempladas famílias do CadÚnico (Cadastro Único) com renda per capita de até um salário mínimo;
  • Cria o auxílio emergencial para motoristas de táxi e de aplicativos, motoboys e condutores de pequenas embarcações a motor. O benefício pago será de R$ 100 ou R$ 300 por mês, dependendo da categoria. Terão direito os profissionais com rendimento familiar mensal de até três salários mínimos (atualmente, R$ 3.636). O impacto no Orçamento será de até R$ 3 bilhões.

O peso desses dois projetos no Orçamento de 2022, até o momento, chegaria a R$ 23,11 bilhões.

No governo, no entanto, existe pressão da ala política para que o PIS/Pasep e a Cofins da gasolina também sejam zerados, nos moldes do que foi feito com o diesel. Além disso, seria zerada a alíquota da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). O impacto total seria de R$ 26,85 bilhões.

O governo poderá desonerar a gasolina por meio de novo projeto encaminhado ao Congresso.

Somadas, todas estas medidas, se aprovadas, já trariam um impacto total próximo de R$ 50 bilhões para o Orçamento.

Vai valer a pena?

Especialistas ouvidos pelo UOL questionaram a eficácia das medidas.

Um dos críticos é o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper de São Paulo e considerado um dos pais do teto de gastos, o mecanismo que limita despesas do governo.

Segundo ele, um dos problemas é que, com o governo subsidiando combustíveis, os brasileiros vão continuar consumindo. "Então, você vai manter a pressão de demanda sobre um item que está escasso", afirma.

Outro problema é que o subsídio pode recair sobre ricos e pobres. Se zerar os impostos sobre a gasolina, por exemplo, o governo vai favorecer todas as classes —inclusive aquelas com capacidade financeira para pagar mais caro neste momento.

Mendes vê ainda dificuldades relacionadas ao uso de receitas extras do governo para segurar os preços dos combustíveis. O economista lembra que, com a alta do petróleo, aumentam também as rendas que o governo recebe como acionista da Petrobras, por exemplo. Além disso, a exportação de commodities, como alimentos, traz ganhos de arrecadação.

Uma possibilidade —que conta com o apoio de vários parlamentares— é a de que essas receitas extraordinárias sejam usadas para segurar os preços dos combustíveis. Mendes vê problemas nessa proposta.

O custo das medidas para segurar preços de combustíveis é grande. E nada garante que ele vai ficar restrito ao que o governo tiver de ganhos de arrecadação. Temos ainda uma economia muito dependente de commodities, para o bem e para o mal. Quando o preço dispara, a arrecadação cresce muito. E o governo não se atenta para a expansão de gastos.
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper

O receio é de que o ciclo de alta das commodities termine, mas as despesas com desoneração permaneçam.

Na visão do economista, o mais indicado seria evitar intervir nos preços da economia, apesar da disparada dos combustíveis.

Ajuda à população mais frágil

De modo geral, porém, os economistas defendem que as camadas mais frágeis da população sejam ajudadas a superar este momento de alta de preços dos combustíveis. A dúvida é como fazer isso.

No PL nº 1.472, que está na Câmara, a previsão é de pagamento de auxílio-gás a mais famílias e de uma espécie de auxílio-gasolina para motoristas e motoboys.

O economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, defende a ajuda para compra de gás de cozinha pela população mais pobre. "Se o preço do gás for jogado para cima, as pessoas vão ter dificuldade para se alimentar. Algum tipo de redução de risco você tem que imprimir."

Velloso defende ainda que o governo não pode ter receio, neste momento, de utilizar seus recursos.

Não se pode ter medo de gastar dinheiro da União nisso [auxílios para a população mais pobre]. No Brasil, existe uma síndrome em torno de querer cortar gastos e segurar a dívida pública a qualquer preço. Para que serve o governo então? Na hora da necessidade, é preciso usar os recursos.
Raul Velloso, economista

Por outro lado, Velloso questiona a intenção de subsidiar motoristas e motoboys. Segundo ele, seria mais eficaz subsidiar o transporte urbano de massa, que atinge mais pessoas.

Para Marcos Mendes, do Insper, é preciso socorrer as pessoas de menor renda de modo geral. "Mas aí não é dar um vale para comprar gás, para comprar gasolina", afirma.

Mendes defende um pagamento de benefício para mais famílias —e elas decidiriam se o dinheiro seria usado na compra de combustíveis ou de outros produtos, como alimentos.

"O Bolsa Família [programa substituído pelo Auxílio Brasil] já nos trouxe a conclusão de que cada família sabe o que deve consumir", afirma.