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ESPECIAL-A aventura do crédito farto e barato

Paulo Whitaker
Imagem: Paulo Whitaker

24/10/2014 11h15

* Para ver a versão da reportagem em PDF com fotos e gráficos, clique em http://j.mp/1tOFNiq

Por Aluísio Alves

SÃO PAULO (Reuters) - Nos últimos quatro anos, a balconista Eliane Gomes, 35, comprou casa no bairro paulistano do Morumbi dentro do programa habitacional federal Minha Casa Minha Vida, além de móveis e TV. Tudo financiado.

Ela e o marido planejam comprar também um automóvel, mas com quase metade da renda consumida pelo pagamento de dívidas, eles vêm evitando assumir novos compromissos financeiros.

“Primeiro vamos pagar as contas, depois fazemos mais dívidas”, diz Eliane.

O caso ilustra um fenômeno recente no Brasil, a estafa do crédito, após uma década de formidável expansão. Dados recentes do Banco Central indicam que, mesmo com a série de estímulos dos últimos anos, o ritmo de expansão vem gradualmente perdendo força. O estoque de empréstimos no país em 2014 caminha para ter a menor expansão em pelo menos 12 anos, de cerca de 13 por cento.

Para especialistas, a situação reflete distorções que foram criadas pela campanha do governo dos últimos anos de usar os bancos estatais para baixar na marra o custo do dinheiro e torná-lo o motor de um novo ciclo de crescimento, algo que não aconteceu e acabou criando uma economia dependente de empréstimos subsidiados.

Dentro do setor financeiro, o resultado é que a precificação do crédito voltou a ser dada pelos bancos privados, o contrário do que buscou a ofensiva lançada pela presidente Dilma Rousseff (PT) em 2012.

Agora, a cura para a retomada da aceleração do crédito só virá com um coquetel de ajustes na macroeconomia e microrreformas bancárias para elevar as garantias para bancos, reduzir custos de financiamentos e reavivar a confiança de quem empresta ou toma emprestado, travessia que pode não ser suave.

“Sozinho, o crédito não conseguiu ativar a economia, o que tem que acontecer é um choque de expectativas”, diz o ecomomista e ex-presidente do BC, Gustavo Loyola.

Esse tipo de análise crescente mostra a dramática mudança de cenário do crédito, que desenvolveu uma simbiose sem precedentes com a economia brasileira a partir de 2003, primeiro ano do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando uma combinação de aumento da renda, programas sociais e expansão da oferta de financiamentos fez mais de 50 milhões de pessoas adentrarem para as classes de consumo.

Segundo o economista e professor da Universidade Princeton José Alexandre Scheinkman, o pecado original foi estender a ação anticíclica deflagrada pela equipe econômica de Lula em 2008, que tinha como eixo central os bancos públicos.

A estratégia foi inicialmente bem-sucedida no país para debelar os efeitos da crise global ativada pela quebra do banco norte-americano Lehman Brothers, por ter anulado o efeito da retração dos bancos privados na economia local.

O problema, diz Scheinkman, foi usar a mesma tática para criar o que o próprio governo chamou de nova matriz econômica. “Insistir nisso foi um erro”, sentencia.

Mesmo com a expansão da economia do Brasil desacelerando no governo Dilma para pouco acima 1,5 por cento ao ano de 2011 a 2014, ante média anual de 4,6 por cento no quadriênio anterior e no menor ritmo em duas décadas, a liberação de empréstimos manteve trajetória ascendente.

Do fim de 2011 até agosto deste ano, o estoque de crédito no país subiu de 49 para 56,8 por cento do Produto Interno Bruto (PIB).

Os desdobramentos do estímulo do financiamento ao consumo numa economia em desaceleração foram agravados pelo aprofundamento de estímulos fiscais, que levaram ao enfraquecimento de pilares macroeconômicos, com redução do superávit primário e inflação mais elevada.

“O Brasil vai ter que passar por um ‘tapering’”, afirma a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, sobre o movimento adotado pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, de gradualmente retirar estímulos adotados para reativar a economia norte-americana em crise.

SPREAD, O VILÃO?

Para especialistas, a aventura pelo crédito farto e barato também se baseou num diagnóstico setorial equivocado, o de que o historicamente elevado spread --a diferença entre o preço pago pelos bancos para captar recursos e o cobrado ao conceder empréstimos -- era fruto de cartel dos bancos privados para manter altos níveis de lucratividade. “Foi um erro fatal”, diz o ex-BC Loyola.

A imagem dos bancos privados como rivais do crescimento saudável da economia foi sintetizada por Dilma no fim de abril de 2012, quando em cadeia nacional de TV anunciou uma investida estatal no crédito.

“É inadmissível que o Brasil, com um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo”, declarou a presidente em pronunciamento para celebrar o Dia do Trabalho. “O setor financeiro não tem como explicar essa lógica perversa aos brasileiros.”

Para os estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, a pressão do acionista controlador para baixar juros foi um limão do qual fizeram uma limonada. Nos últimos quase 30 meses, pelo menos três em cada quatro reais emprestados por bancos no Brasil saíram deles.

O BB elevou num período de seis anos sua fatia no sistema financeiro nacional aproximadamente em um terço, para 21,3 por cento. A Caixa foi além, triplicando para 19,3 por cento sua participação. Com isso, a meta do banco de se tornar vice-líder em crédito do setor bancário no país foi antecipada de 2022 para o começo deste ano.

Esse combustível fez a participação conjunta dos estatais sair de cerca de 44 para 53 por cento do mercado de crédito desde o começo de 2012, incluindo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).     

Mais preocupados em reduzir calotes e preservar rentabilidade, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander Brasil fizeram valer a sarcástica definição do poeta norte-americano Robert Frost, que diz que banco é um estabelecimento que empresta um guarda-chuva num dia de sol e pede de volta quando começa a chover.

A tese dos bancos públicos era de que o maior volume de negócios lhes faria compensar a queda nas margens, o que inevitavelmente aconteceria, à medida que o país migrasse para taxas de juros similares às praticadas nos mercados desenvolvidos.

Mas esse raciocínio baseava-se num quadro de contínua expansão da economia e manutenção dos juros em níveis baixos, o contrário do que vem acontecendo agora.

Após dois trimestres consecutivos de contração em 2014, a economia doméstica entrou em recessão técnica. Mesmo em um ambiente de atividade fraca, a inflação pressionada exigiu que o BC tirasse a taxa básica de juro Selic da mínima histórica de 7,25 por cento em abril de 2013 e a elevasse para o atual patamar de 11 por cento ao ano.

Ao mesmo tempo, parte não desprezível das famílias está incapacitada de tomar novas dívidas por um período mais prolongado, dado que o crédito nos últimos anos foi puxado por linhas mais longas, como a imobiliária e o consignado.

Segundo dados do BC compilados pela XP Investimentos, 45 por cento da renda das famílias do país estava em julho comprometida com dívidas. O percentual está em linha com o depoimento dado pela balconista Eliane.

Os números ajudam a explicar por qual razão a demanda por crédito nos últimos três anos cresceu apenas entre consumidores que recebem até um salário mínimo, segundo divulgou em setembro a empresa de informações de crédito Serasa Experian.

No começo de outubro, a agência de classificação de risco Moody’s alterou a perspectiva do rating do sistema bancário brasileiro de “estável” para “neutra”, citando o ambiente operacional cada vez mais difícil, o que prejudicará os volumes de negócios e a qualidade dos ativos, além de reduzir a lucratividade.

Procurada, a assessoria da Presidência da República disse que não faria comentários sobre esta reportagem.

RENTABILIDADE

O resultado é que os bancos privados estão de novo dando as cartas na precificação do crédito. Forçados a ajustarem-se a práticas de mercado, BB e Caixa também estão praticando taxas mais altas. O spread médio voltou aos níveis mais altos desde 2011, antes da cruzada do governo federal para baixar os juros na marra.

“Se a tese do conluio fosse verdadeira, os bancos privados em algum momento teriam se visto forçados a também baixar os juros para não perder mercado”, diz o economista e professor do Insper Sergio Lazzarini. “Mas está acontecendo o contrário.”

Segundo ele, sem uma mudança estrutural que reduza o preço dos empréstimos de forma sustentada, os bancos precisam manter determinados níveis de rentabilidade para compensar os riscos maiores do negócio.

No segundo trimestre, o retorno anualizado sobre patrimônio líquido do Bradesco atingiu o pico em oito trimestres, a 20,7 por cento. O do Itaú, de 23,7 por cento, foi a maior em quase quatro anos.

O BB, único dos estatais federais listado em bolsa, tinha retorno de 23 por cento há três anos. O retorno caiu a 14 por cento no começo de 2014 e, em agosto, depois de reportar retorno de 17,1 por cento para o segundo trimestre, o banco elevou a meta deste ano da faixa de 12 a 15 por cento para entre 14 e 17 por cento. Ou seja, o banco tem mostrado disposição para voltar a cobrar taxas de juros dos clientes mais semelhantes às praticadas pelos competidores privados.

Por algum tempo, a rentabilidade menor dos bancos estatais foi compensada pelo acesso a capital barato. Desde 2009, o Tesouro injetou cerca de 450 bilhões de reais nas instituições financeiras públicas, a maioria do montante no BNDES, segundo levantamento da Thomson Reuters.

No entanto, o prolongado cenário de baixo crescimento econômico, combinado com deterioração dos fundamentos, tem inviabilizado a manutenção desse modelo.

Agora, mesmo nomes tradicionalmente favoráveis em princípio à maior participação estatal na economia vêm engrossando o coro dos críticos, como o economista Luiz Gonzaga Belluzo. “Estamos vendo uma semelhança do esgotamento do pós-milagre econômico da década de 1970”, diz Belluzo, lembrando de perigos como descasamento entre o ritmo de produção e a demanda.

PÉ NO FREIO

Para os bancos públicos, o enxugamento da fonte de captação, aliado à própria queda da demanda dos tomadores, já tem motivado a desaceleração do crédito.

A Caixa prevê expansão de cerca de 20 por cento de sua carteira de empréstimos neste ano, ante avanço 37 por cento no ano passado. No pico, em 2011, a alta foi de impressionantes 42 por cento.

Se por um lado o movimento recente ajudará a diminuir os desequilíbrios entre bancos públicos e privados, algo que muitos especialistas e analistas consideram saudável, por outro pode deixar à mostra um passivo acumulado durante o boom do crédito: o aumento da inadimplência.

Trata-se de um efeito matemático. Em períodos de crescimento acelerado das concessões de crédito, o índice de calotes, que compara o total dos pagamentos em atraso em relação ao estoque total de empréstimos, geralmente cai. Quando os desembolsos diminuem, a tendência se inverte.

Os bancos privados têm essa experiência ainda fresca na memória. Na virada de 2009 para 2010, foram eles os grandes patrocinadores da expansão das compras financiadas de veículos novos, que bateram sucessivos recordes de vendas no Brasil, a reboque de uma série de incentivos federais para estimular a demanda doméstica.

Quando perceberam que haviam colhido uma safra ruim, pisaram no freio. A correção, ainda em curso, não saiu sem um custo elevado.

Só o Banco Votorantim, um dos mais ativos na oferta de financiamento para compra de automóveis, acumulou prejuízo líquido superior a 3 bilhões de reais de 2011 a 2013. A carteira de empréstimos do Itaú para automóveis encolheu para pouco mais de metade do que era há três anos.

Naturalmente, as torneiras do crédito para compra de carros se fecharam. Montadoras e concessionárias têm citado a escassez de crédito como um dos motivos para o mau desempenho dessa indústria, cujas vendas internas caíram em 2013 pela primeira vez em uma década, mesmo com a manutenção parcial dos incentivos tributários.

Um efeito secundário disso é que os bancos privados nacionais estão acelerando a agenda de crescimento para fora do país. O Itaú, que passou a ter 15 por cento das receitas no exterior com a compra do chileno Corpbanca no começo do ano, prospecta aquisições no México e no Peru, “para depender não só da economia brasileira”, disse recentemente a jornalistas o presidente-executivo do banco, Roberto Setubal.

Já o BB, pressionado a centrar sua artilharia no mercado doméstico, parou a expansão em solo estrangeiro iniciada com a compra do controle do argentino Patagonia, em 2010.

CAIXA DE SURPRESAS

Embora evitem publicamente comentar casos particulares, especialistas e fontes do setor bancário dizem ver com mais preocupação o caso da Caixa, cuja carteira deu um salto de cerca de 450 por cento nos últimos cinco anos, quase três vezes mais rápido do que o BB e mais de quatro vezes acima da média do sistema financeiro nacional.

Mais do que a diferença de velocidade, a postura de cada um tem chamado a atenção.

No caso do BB, a pressão da União para aumentar os empréstimos foi gerenciada com cuidado pela diretoria para evitar grandes danos aos resultados do banco. O movimento tem sido interpretado como sinal de que o BB está gradualmente voltando às práticas de mercado.

Regularmente, o vice-presidente de Finanças do BB, Ivan Monteiro, vai a Nova York para reiterar a investidores o compromisso da administração com a gestão rentável do banco, como forma de vacinar interlocutores frequentemente ressabiados com os riscos de ingerência política.“A alta diretoria do BB é muito séria, é isso o que protege o BB”, disse um alto executivo de um grande banco privado rival, que falou sob condição de anonimato.

Com uma estratégia permanentemente mais anticíclica, a Caixa vinha se aproveitando da postura cautelosa dos rivais e do foco em linhas direcionadas para entrar em novos mercados, como o de empresas, financiamento ao consumo, agronegócio, infraestrutura e saneamento.

A entrada da Caixa em linhas mais arriscadas elevou seus indicadores de calotes, ainda que permaneçam abaixo da média do sistema financeiro como um todo. Em junho, o índice do banco de pagamentos com atraso acima de 90 dias bateu o pico em cinco anos, a 2,77 por cento.

A instituição considera que o nível é administrável, por ser inferior ao do mercado. Os índices de Itaú e Bradesco, por exemplo, eram de 3,4 e de 3,5 por cento, respectivamente.

Questionado pela Reuters em uma divulgação de resultado trimestral sobre as motivações da Caixa de seguir a rota contrária de rivais privados, mesmo em momentos de alta da inadimplência, o presidente do banco, Jorge Hereda, respondeu: “Temos que refrescar a carteira”, querendo dizer com isso que a geração de uma carteira de boa qualidade compensa os efeitos de outra ruim.

Em julho, a Caixa começou a estudar alternativas para cerca de 3 bilhões de reais em empréstimos de alto risco, o que na prática indica que o banco vê baixa probabilidade de recuperação do dinheiro.

Segundo uma fonte com conhecimento do assunto, cerca de 1,5 bilhão de reais do total é referente a financiamentos do Minha Casa Melhor, programa para compra de móveis e eletrodomésticos por beneficiários do Minha Casa, Minha Vida.

A Caixa não revela qual a inadimplência específica dessa linha, mas fontes do mercado financeiro calculam que o índice de inadimplência da carteira do Minha Casa Melhor seja superior a 50 por cento.

A agência de classificação de risco Fitch disse recentemente que a Caixa começou a revelar modestos sinais de deterioração de seu portfólio de crédito comercial, e que isso “provavelmente está nos estágios iniciais”.

O temor com a Caixa ganha importância também porque o banco se mostra bem mais alavancado, mesmo na comparação com os demais estatais.

No fim de junho, o estoque de empréstimos do BB equivalia a 9,5 vezes o seu patrimônio líquido, ante pouco menos de 8 vezes nos últimos anos. A média do BNDES, que tem gravitado entre 7 e 9 vezes na maior parte do tempo, era de 8 no fim do semestre.

Na Caixa, o índice passou de 5 vezes no fim de 2007 para 15,2 vezes no fechamento do segundo trimestre deste ano. A média praticada por Itaú e Bradesco, enquanto isso, tem se mantido entre 5 e 6 vezes.

A Caixa tem sustentado que o foco em financiamento imobiliário, que representa 55 por cento da carteira de crédito ampliada do banco, torna as operações naturalmente menos arriscadas, dada a garantia real dos imóveis.

Para analistas, no entanto, até o setor de construção residencial deve ser monitorado com cautela, especialmente após o volume de empréstimos ter subido do equivalente a 1 por cento para perto de 8 por cento do PIB nos últimos dez anos, movimento que foi acompanhado de fortíssima alta no preço dos imóveis.

Para o diretor-gerente de instituições financeiras para a Fitch na América Latina, Franklin Santarelli, é razoável esperar que o nível de inadimplência média do crédito imobiliário no país, hoje ao redor de 2 por cento, cresça em algum momento para cerca de 3 por cento, como acontece no Chile. Ainda que em termos absolutos não aparente ser uma variação expressiva, seria um aumento de 50 por cento.

“Não parece ser uma bomba-relógio, mas há muitas situações novas no mercado”, diz Santarelli, observando que os bancos também têm pela frente regras de capital mais rigorosas com a implementação de Basileia III, cujo cronograma vai até 2019.

Caixa e BB preferiram não se manifestar.

LIVRE x DIRECIONADO

Desde 2009, o estoque de crédito direcionado vem crescendo  mais do que o crédito livre. E o encarecimento das linhas de financiamento com recursos livres resultante do aumento da Selic e do maior spread tem deixado a expansão do sistema refém das linhas direcionadas, como aquelas para os setores imobiliário e do agronegócio.

Aí está outro nó a ser desatado, segundo economistas, já que o crédito direcionado, em geral com subsídios do governo, está canibalizando os empréstimos com recursos livres, além de pesar cada vez mais sobre a dívida pública.

Dados do Ministério da Fazenda mostram que os subsídios a empresas via Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) custarão ao governo 80 bilhões de reais de 2012 a 2015. A TJLP, usada como base para os empréstimos concedidos pelo BNDES, está em 5 por cento ao ano, seis pontos percentuais abaixo da taxa Selic.

O Tesouro, financista do banco de fomento, é quem equaliza essa diferença.

“Ficou um problema sério manter isso, porque o governo perdeu credibilidade fiscal”, diz o economista e especialista em contas públicas Raul Velloso.

Mesmo grandes empresas com capacidade de captar recursos no mercado de capitais têm preferido a imbatível TJLP, fazendo com que instrumentos com incentivos fiscais aos investidores, como as debêntures de infraestrutura, fiquem em segundo plano.

“Há uma frustração da nossa expectativa. A gente esperava um volume de emissão maior (de debêntures de infraestrutura) do que de fato vai acontecer, o que reflete um pouco na questão do desembolso (do BNDES) no ano”, afirmou recentemente o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

Como o governo federal resiste a diminuir a oferta de crédito direcionado, temendo uma desaceleração ainda maior da economia, o mercado creditício entrou num círculo vicioso. Mesmo que os bancos estatais queiram e precisem desacelerar essas linhas, eles não conseguem.

“É provável que o aumento da oferta de crédito direcionado tenha sido excessivo”, afirma Zeina, da XP. “Agora vai ter que acontecer uma reforma estrutural para por as coisas no lugar.”

SEM PAPO

Embora tidas como pré-condição para o fluxo de crédito voltar a fluir normalmente e pelos canais apropriados, correções de rota macroeconômicas são apontadas por especialistas como apenas parte do trabalho a ser feito. É necessário retomar a agenda iniciada há cerca de uma década, que resultou em reformas como Lei de Falências e alienação fiduciária.

Mas nos últimos anos a interlocução entre governo federal e representantes do setor financeiro privado tem oscilado entre ruim e péssimo, a ponto de comentários sobre o cenário do mercado de crédito ter virado assunto proibido.

“O entendimento de que mudanças institucionais devem passar por um diálogo e que devem acontecer de forma permanente foi perdido”, diz Lazzarini, do Insper.

Pelo lado dos bancos públicos, há meses os presidentes de Caixa e BB evitam jornalistas, o oposto do que faziam há pouco mais de dois anos quando a investida no crédito foi lançada pelo governo Dilma. Reservadamente, executivos admitem que a campanha para disseminar o crédito pode não ter dado certo como se pretendia.

Reuniões regulares têm sido tensas, com cobrança ostensiva do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de explicações dos presidentes de bancos privados para o fato de os empréstimos não voltarem a fluir.

“Não tem conversa, só cobrança”, diz um alto executivo do setor privado a par desses encontros, que falou sob condição de anonimato. “Isso é fruto de soberba”.

Para um importante executivo de um banco federal, que também preferiu não ter o nome revelado, “o mercado bancário privado está querendo colocar o governo em corner”.

Publicamente, a retórica é de parceria.

Em julho, Santander Brasil, Itaú e Bradesco se apressaram a saudar medidas anunciadas pelo BC de redução de compulsórios e requerimentos de capital com potencial para injetar estimados 45 bilhões de reais na economia. Apesar disso, os recursos seguem praticamente parados. Procurados, os três bancos privados informaram que não iriam se pronunciar.

Desde a nomeação de Paulo Rogério Caffarelli para a secretaria-executiva do Ministério da Fazenda, em fevereiro, houve alguma distensão no diálogo. Tem sido atribuída ao ex-vice presidente do BB a coordenação de assuntos ligados ao meio privado, tais como costurar a presença de bancos privados em dois empréstimos emergenciais ao setor elétrico neste ano.

Porém, a agenda de discussões entre governo federal e bancos tem temas mais sensíveis a serem tratados.

Um deles é como o Brasil vai lidar com a crescente regulação do mercado bancário internacional, que tende a encarecer o custo do crédito nos próximos anos. Outro é como deslanchar o crédito de longo prazo, hoje a cargo quase exclusivo do BNDES, especialmente para o ambicioso plano federal de investimentos em infraestrutura.

Enquanto uma reaproximação entre governo e bancos não parece visível, o país assiste ao ocaso da expansão acelerada do crédito, ciclo abreviado por uma política que tentou colocar o país de forma coercitiva no clube do empréstimo barato.

Tomadores e concessores de financiamentos no Brasil vêm concordando que enquanto o futuro não parecer mais promissor, o melhor é a prudência.

“Nós queremos mais coisa, mas só depois que as coisas melhorarem, né?”, diz a balconista Eliane, hoje desempregada.

(Por Aluísio Alves; Reportagem adicional de Guillermo Parra-Bernal; Edição de Alberto Alerigi Jr., Cesar Bianconi e Raquel Stenzel)