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Protestos afetam negociações de grãos, enchem silos no interior e esvaziam nos portos

Roberto Samora

02/03/2015 17h37

SÃO PAULO (Reuters) - Os protestos de caminhões no Brasil entraram em seu 13º dia nesta segunda-feira (2) com menos adesões do que na semana passada, mas a situação ainda é crítica especialmente no Sul, afetando atividades agropecuárias, os negócios e a movimentação de grãos, como soja e milho.

Com os bloqueios concentrados no Sul, ocorrendo ainda em 23 pontos nesta tarde nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, produtores, cooperativas e compradores de grãos têm receio de efetivar negócios devido à imprevisibilidade da entrega por conta dos protestos nas rodovias, com impacto na logística, armazenagem e na exportação de grãos.

"O protesto continua, está muito forte na região oeste, sudoeste do Estado [do Paraná], e o noroeste pega a região de Campo Mourão. É um problema sério, o pessoal não consegue se planejar, os armazéns estão começando a encher [nas propriedades rurais e cooperativas]", disse uma importante fonte do setor produtivo, que pediu para não ser identificada por temer represálias dos manifestantes.

Se os armazéns estão ficando cheios na origem, nas áreas de produção de soja e milho, eles estão mais vazios nos destinos, nas agroindústrias ou nos portos exportadores, na medida em que navios vão esgotando os estoques portuários para completar cargas programadas ou em que criações se alimentam com o que resta nos silos.

"O produto que vai para o porto é muito pouco, os estoques estão vazios nos portos, e não está chegando carga para completar. Ou está chegando muito pouco [nos portos], tem navio que carregou uma parte [da carga planejada] e está aguardando mais para fechar carga, e aí começa a pagar demurrage [multa por sobre-estadia do navio]", afirmou a fonte, com sede no Paraná.

Um porta-voz de Paranaguá afirmou à agência de notícias Reuters que o porto paranaense, o terceiro em soja do Brasil, tinha recebido 950 caminhões até a manhã de segunda-feira, o dobro dos dias anteriores, mas ainda bem abaixo do normal para esta época do ano. No fim de semana apenas 590 dos habituais 3.000 caminhões chegaram, acrescentou. Estradas foram bloqueadas em quatro pontos do estado do Paraná nesta segunda-feira.

No porto de Rio Grande (RS), segundo exportador brasileiro de soja em grãos, a situação continua crítica, considerando que os desbloqueios efetuados pela polícia no final de semana não aliviaram muito a situação, disse um porta-voz da administração portuária.

"Eles conseguiram liberar cerca de 60 caminhões para o porto, mas 60 caminhões não mudam muito a situação. Existem navios que estão esperando para completar o carregamento", disse nesta segunda-feira Andre Zenobini, da assessoria do porto.

Essa pausa no ciclo do escoamento do produto agrícola pode ter impacto mais grave nas exportações, caso as manifestações não sejam encerradas. Fontes do setor estão ansiosas para que os protestos terminem no Sul, como foram encerrados em outros Estados, após medidas governamentais que incluíram multas de até R$ 10 mil por hora.

Mas, se a greve continuar, o porto de Paranaguá poderia ter problemas para atender aos pedidos de exportação de soja até terça-feira ou quarta-feira, disse o porta-voz.

Isso num momento em que a exportação de soja começaria a ganhar ritmo por conta da colheita, que está atingindo o seu pico, enchendo os silos das propriedades que têm infraestrutura de armazenagem.

Os trabalhos de colheita chegaram a ser atrasados nos últimos dias em algumas áreas, como em Mato Grosso, por conta da falta de diesel para abastecer a colheitadeira --o abastecimento de combustíveis também está sendo prejudicado pelos protestos.

As exportações de soja do Brasil no mês passado foram as piores para o mês de fevereiro dos últimos quatro anos, somando 869 mil toneladas, com influência dos protestos nas estradas e do atraso na colheita.

A Abiove, associação que representa a indústria e os exportadores de soja, afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto.

Agroindústria sofrendo

Se o agricultor e a cadeia exportadora estão tendo prejuízos, o setor da agroindústria, em especial de carne e leite, está tendo mais perdas.

Os prejuízos acontecem porque não se pode abater os animais, que já passaram do peso ideal, ou por falta de ração para alimentá-los. No caso do leite, o produto tem apenas um dia de vida útil na propriedade.

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), José Zeferino Pedrozo, disse em nota nesta segunda que o movimento grevista está causando transtornos insuportáveis ao segmento.

"O fluxo de matérias-primas das áreas rurais para as indústrias foi interrompido --e leite, grãos, frutas, hortigranjeiros, aves, bovinos e suínos deixaram de chegar às agroindústrias. No contrafluxo, rações, pintinhos, leitões e outros insumos deixaram de chegar aos estabelecimentos agrícolas", afirmou ele.

Para o presidente da Faesc, as consequências são catastróficas. As indústrias paralisaram a produção por falta de matéria-prima e de local para estocagem dos produtos processados.

Segundo a Faesc, "cerca de 6 milhões de litros de leite estão sendo jogados fora todos os dias" em Santa Catarina porque não é permitido o transporte até os laticínios.

Ainda segundo o presidente da federação, falta ração para um plantel permanente de quase 100 milhões de aves e 5,5 milhões de suínos.

A exportação de carnes também está sofrendo. Os embarques de cortes suínos in natura do Brasil em fevereiro foram os menores em nove anos, devido às dificuldades de logística.

(Com reportagem adicional de Gustavo Bonato e Marcelo Teixeira)