IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Plano de austeridade de Levy está sob fogo crescente no Congresso

Por Alonso Soto e Brian Winter

08/05/2015 14h33

BRASÍLIA/SÃO PAULO, 8 Mai (Reuters) - O plano de austeridade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, iniciado há quatro meses, está encontrando crescente resistência no Congresso, já que alguns parlamentares dizem que suas políticas podem aprofundar a recessão do país.

Esta semana, líderes do próprio Partido dos Trabalhadores, da presidente Dilma Rousseff, se recusaram a aprovar uma redução de benefícios sociais destinada a economizar R$ 9 bilhões para o governo federal este ano. Em vez disso, a Câmara dos Deputados aprovou uma versão diluída do projeto de lei, que reduziu a economia estimada em pelo menos R$ 2 bilhões.

Embora o principal índice de ações da Bovespa tenha subido cerca de 15% desde que Levy assumiu o cargo, a taxa de desemprego continua a aumentar, bem como o déficit primário do país, o que levanta dúvidas sobre se o seu plano de cortes no orçamento e de aumentos de impostos vai pôr as finanças do país em ordem depois de anos de déficits elevados e crescimento decepcionante.

"(Levy) está dando um tiro no próprio pé", disse Paulo Paim, senador do PT que introduziu muitas das mudanças no projeto de lei, em declaração à Reuters. "Não acredito que esses ajustes vão nos fazer crescer mais no futuro. Eles pioram a recessão."

A economia do Brasil teve baixo crescimento na maior parte dos últimos quatro anos, e deve encolher 1,2%  este ano, de acordo com a previsão de economistas em uma pesquisa semanal do Banco Central. Os generosos gastos e isenções fiscais no primeiro mandato do governo Dilma deixaram o Brasil com um déficit de 7,8% do PIB nos 12 meses acumulados até março, e contribuíram para que a inflação anual chegasse atualmente a 8,2%, bem acima da meta do governo, de 4,5%.

Chegou a hora de Levy mostrar que o ajuste "era de fato necessário", disse Leonardo Picciani, líder do PMDB, aliado do govenro, na Câmara. "Uma vez que a casa esteja arrumada, é preciso que o crescimento econômico volte."

O Ministério da Fazenda não quis fazer comentários. Levy vem dizendo que os "enormes" esforços de austeridade do governo vão ajudar a economia a começar a crescer novamente mais tarde este ano, com a retomada da confiança e do investimento.

Após a votação do projeto de redução de benefícios, Levy qualificou, na quinta-feira, o déficit orçamentário como o maior risco para a estabilidade do Brasil. Ele instou o Congresso a aprovar rapidamente novas medidas de austeridade, do contrário "os custos serão mais elevados".

Economistas advertiram que, sem cortes de gastos, o Brasil teria de enfrentar saída de capitais, custos mais elevados de empréstimos para o governo e as famílias e uma possível crise cambial.

No entanto, outros países tentaram reduzir déficits orçamentais num momento em que a atividade econômica estava enfraquecida, e isso não funcionou nem política nem economicamente.

"Esse é um caminho que já foi trilhado por várias economias desenvolvidas desde a crise financeira global e a experiência delas sugere que os investidores no Brasil devem agora se preparar para uma série de metas não alcançadas para a redução do déficit", de acordo com uma nota da Capital Economics.

Diferente de 2003

Alguns recuos nas impopulares medidas sempre foram esperados. Na verdade, o Brasil já seguiu esse caminho antes.

Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva resistiu aos protestos da ala esquerda do Partido dos Trabalhadores para conseguir com que cortes de gastos passassem no Congresso. A contenção restabeleceu a confiança dos investidores, e a economia do Brasil cresceu nos anos seguintes, ajudada também pelo aumento nos preços das commodities. Desta vez, porém, o desafio parece maior.

Ao contrário de Lula, que era imensamente popular, cerca de dois terços dos brasileiros desaprovam Dilma, de acordo com pesquisas, num momento em que o desemprego aumenta e ela lida com um escândalo de corrupção na Petrobras.

Os cortes em si também serão mais profundos e duradouros. Alberto Ramos, economista da Goldman Sachs, disse que provavelmente vai ser um "processo de três anos" para trazer o superávit primário de volta para 3% do Produto Interno Bruto, nível que ele considera necessário para impedir que a dívida bruta do Brasil suba ainda mais.

Ramos advertiu que os planos de austeridade "ainda têm de começar a sério" e destacou a divulgação pelo governo de um superávit primário de apenas R$ 239 milhões em março, bem menos do que os R$ 5,15 bilhões esperado pelos analistas.

O déficit primário subiu para 0,7% do PIB nos 12 meses até março, o que deixou em dúvida a realização da meta de superávit de 1,2% definida por Levy para 2015.

Para Ramos, os investidores provavelmente vão dar a Levy o benefício da dúvida, mesmo se ele não conseguir cumprir a meta para 2015, por causa de sua credibilidade como um especialista em orçamento e ex-executivo bancário.

Mas Rodrigo Almeida, analista político da consultoria Barral M Jorge, em Brasília, disse que o Congresso será muito menos complacente, e que as já tensas relações na coalizão do governo de 19 partidos poderiam provocar rupturas. "A menos que as coisas melhorem, os ratos poderiam começar a abandonar o navio", observou Almeida.

Wellington Moreira Franco, líder do PMDB por um longo período e ex-ministro da Secretaria da Aviação Civil no governo Dilma, disse à Reuters que membros do seu partido estavam questionando por que eles deveriam apoiar as medidas de austeridade se integrantes do Partido dos Trabalhadores não fazem isso. "Estamos passando por uma crise política muito profunda", afirmou.

Enquanto isso, o desemprego subiu para 6,2% em março, o índice mais alto nos últimos três anos.

No geral, Ramos disse que os investidores estão "desconfiados" quanto à possibilidade de Levy ter o apoio necessário para ser eficaz, especialmente com uma nova rodada de aperto nos cintos prestes a ser implementada até o final deste ano.

"Será que eles têm o grau de convicção e resiliência para ficar firmes nisso até onde for necessário? Nós não sabemos", disse ele.

(Reportagem adicional de Silvio Cascione e Anthony Boadle)