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COLUNA-O incrível título de 100 anos da Petrobras

02/06/2015 15h56

(As opiniões expressas são do autor do texto, um colunista da Reuters)

Por James Saft

(Reuters) - Algumas vezes, como em um glorioso pôr-do-sol ou num enorme acidente de trem, a melhor coisa a se fazer é sentar e assistir o que acontece.

Senhoras e senhores, apresento a vocês o título de 100 anos da Petrobras.

O título de 2,5 bilhões de dólares, emitido pela subsidiária Petrobras Global Finance, foi lançado na segunda-feira com um rendimento de 8,45 por cento.

Repito, a Petrobras está lançando um título de 100 anos.

Há três elementos nessa frase. Vamos analisá-los individulamente.

A PETROBRAS É UM CRÉDITO "COMPLICADO"

Primeiro, há a Petrobras, petroleira estatal envolvida em escândalo de corrupção com uma verdadeira necessidade de recursos.

O fato de a Petrobras ser controlada pelo governo brasileiro é sua maldição e sua salvação. Maldição porque, pelo menos do ponto de vista dos credores, a companhia não é gerenciada da maneira mais eficiente possível para extrair, refinar e comercializar energia, sendo, contudo, vista como um instrumento para outros fins. Salvação porque a Petrobras não teria o crédito que tem sem o suporte implícito e explícito do governo brasileiro. Por exemplo, os preços nas refinarias no Brasil são mantidos acima dos patamares globais em parte para manter o fluxo de recursos para a Petrobras neste momento de necessidade.

Isso nos traz para a questão do petróleo, o principal negócio da Petrobras. Além de não haver garantias de que no distante futuro de 100 anos haverá demanda para o petróleo, também não há muita noção do valor que ele terá dentro de um ano. Afinal de contas, um ano atrás o petróleo valia muito mais do que vale hoje.

Antes de avaliarmos detalhadamente a ideia de título de 100 anos, vamos voltar à Petrobras e ao escândalo. Em abril, a Petrobras informou um prejuízo de 21,6 bilhões de reais no ano passado, após contabilizar perdas de 6,2 bilhões de reais por corrupção e reduzir em mais de 44 bilhões de reais o valor de seus ativos. Ex-executivos da Petrobras foram presos e mais de 40 políticos estão sob investigação.

A Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, é citada sete vezes no documento de registro da emissão no regulador de mercado dos EUA (SEC).

No mesmo documento, a Petrobras explica que os investidores correm o risco de o Brasil impor controles de capital, como já fez no passado, de decisões de tribunais brasileiros com o intuito de forçar a Petrobras a oferecer garantias a serem pagas em reais, ao invés dos dólares que os investidores irão entregar, e de a empresa ver ameaçada sua capacidade de recorrer aos mercados de capital. A Petrobras de fato foi banida destes mercados até sua recente baixa do valor de ativos.

CEM ANOS É MUITO TEMPO

  Nesta altura, eu provavelmente deveria enfatizar que cem anos atrás o carvão e o cavalo eram as tecnologias predominantes em seus respectivos setores. O México, que acabou de emitir um título com vencimento em 2115, começava a dar calote em suas dívidas em 1915, situação que só foi plenamente sanada nos anos 1940.

Parece, pelo menos para mim, mas não para os investidores que buscaram o título da Petrobras, muito difícil calcular os riscos que podem surgir ao longo de 100 anos. É plausível que novas tecnologias, novos governos, leis e maneiras de fazer negócio transformem este investimento em um fiasco.

Em abril o México vendeu um título de 100 anos emitido em euros, que desde então perdeu parte considerável de seu valor em virtude da flutuação das taxas de juro. É verdade que julgar os riscos de um título de 100 anos baseando-se em um mês ou dois de flutuações do mercado provavelmente não é justo, mas ao dizer "não é justo" quero dizer que nem de longe estou sendo severo demais.

A MATEMÁTICA DOS TÍTULOS É SOBERANA

A outra questão é entender que o título de 100 anos da Petrobras é só isso, um título, portanto expõe os compradores a um risco de grande duração. Quanto maior a duração de um título, ou maturidade, mais seu valor irá flutuar no ritmo do sobe e desce das taxas de juro. O valor de um título de dois anos irá subir ou descer 2 por cento para cada ponto percentual de alteração nas taxas. Um título de cinco anos sofrerá uma alteração de preço de 5 por cento.

Um título de 100 anos, portanto, é extremamente suscetível às alterações nas taxas de juro. Atualmente a matemática dos títulos atua nas duas direções, mas honestamente, mesmo com um rendimento atual de 8,55 por cento, os riscos nos mercados globais, que determinam o preço do dinheiro no final das contas, com certeza não andam só em uma direção.

Teremos cem anos para ver como tudo isso transcorre, mas é provável que esta novidade um dia pareça uma relíquia de um mercado particularmente agressivo.

(Na ocasião da publicação, James Saft não tinha quaisquer investimentos diretos nas ações mencionadas neste artigo. Ele pode ser um proprietário indireto em função de um investimento em um fundo. Você pode entrar em contato com ele pelo e-mail atjamessaft@jamessaft.com e ler mais colunas em athttp://blogs.reuters.com/james-saft)