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Levy luta para manter influência em meio a aumento do clima antiausteridade

Alonso Soto

29/07/2015 16h35

BRASÍLIA (Reuters) - O papel do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como principal formulador da política econômica do Brasil está sob ameaça em meio a seus esforços para aprovar medidas de austeridade impopulares com o objetivo de salvar o grau de investimento do país.

Em uma entrevista coletiva ao lado do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, na semana passada, Levy anunciou um corte drástico nas metas de superávit fiscal para 2015 e os dois próximos anos, chocando os mercados e desencadeando uma onda de venda de ativos financeiros brasileiros.

Embora a equipe econômica tenha sido parcialmente forçada a reduzir as metas fiscais pela queda na arrecadação, os objetivos menos ambiciosos indicaram como a influência de Levy dentro do governo está sendo testada por Barbosa, economista de esquerda que advoga um ajuste fiscal mais moderado.

Para piorar as coisas, na terça-feira a agência de classificação de risco Standard & Poor's ameaçou retirar do Brasil o cobiçado grau de investimento, aumentando a pressão para que a presidente Dilma Rousseff imponha a austeridade fiscal apesar da resistência aguerrida do Congresso.

O recuo nas metas fiscais encerrou a lua de mel de Levy com investidores que até recentemente o viam como um defensor das políticas simpáticas ao mercado, mas agora duvidam que ele consiga cumprir as promessas e corrigir erros passados.

"Esse é o tipo de coisa que pode arruinar um caso de amor", disse o analista João Pedro Ribeiro, da Nomura, em Nova York. "A interpretação do que aconteceu é que ele (Levy) está muito mais fraco no governo."

Autoridades dentro do governo declararam à Reuters que Levy continua sendo uma figura poderosa e que conta com a confiança de Dilma, mas também que Barbosa está ganhando terreno.

Enquanto Levy, ex-diretor-superintentende da Bradesco Asset Management, está buscando medidas de austeridade agressivas para sanear as finanças governamentais e controlar a inflação, Barbosa, que foi secretário-executivo da Fazenda no primeiro mandato de Dilma, acredita que o aperto no cinto pode ser feito sem sufocar uma economia já caminhando para sua pior recessão em 25 anos.

"Ele (Barbosa) cresceu nesse proceso. Não estou dizendo que o Levy tenha diminuído, mas o contraponto cresceu", opinou um sênior legislador governista envolvido diretamente nas decisões de política econômica. "O Nelson Barbosa é ideologicamente mais próximo a Dilma... Eles são muito próximos, têm uma relação estreita", acrescentou.

Inicialmente, Levy discordou sobre o momento de anúncio da redução das metas de superávit primário, mas quando a deterioração da arrecadação se tornou mais evidente ele cedeu e apoiou a proposta de Barbosa de fazer as mudanças de imediato.

Opostos trabalhando juntos

Barbosa, como Dilma, defende o Estado como um importante impulsionador do crescimento econômico.

Outrora cogitado por Dilma para ser o titular do Ministério da Fazenda, Barbosa tem uma boa relação de trabalho com Levy, mas os dois não poderiam ser mais diferentes.

Barbosa estudou na New School for Social Research em Nova York, faculdade conhecida por estimular um forte envolvimento estatal na economia.

Levy é um economista saído da Universidade de Chicago que trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e endossa uma contenção fiscal mais ortodoxa e clássica para encorajar o investimento privado.

Como primeiro sinal de sua influência crescente, Barbosa convenceu Dilma a optar por uma corte orçamentário mais moderado em maio do que o proposto por Levy --o que irritou o ministro da Fazenda, que não compareceu ao anúncio do contingenciamento em protesto, disseram autoridades do governo. Mais tarde Levy afirmou que uma gripe forte o impediu de comparecer à coletiva de imprensa.

"A pressão para Dilma evitar uma recessão mais profunda fortaleceu a posição de Barbosa", disse o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, em São Paulo. Na semana passada, a agência local de classificação de risco reduziu a nota de dívida do Brasil ao nível "junk" (especulativo).

"Isso é inegavelmente negativo, porque significa que o governo não irá implementar as medidas necessárias para colocar a casa em ordem."

Batalhas adiante

Lidar com um Congresso rebelde tampouco está facilitando o trabalho de Levy.

Tentando se distanciar de Dilma, que amarga os piores índices de aprovação desde que assumiu, deputados e senadores da base governista diluíram as propostas de austeridade fiscal e aprovaram algumas medidas que, inclusive, aumentam os gastos públicos.

A crise política cada vez mais grave decorrente do escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras ameaça estragar os planos de Levy de obter a aprovação de projetos de lei que reduzem a desoneração da folha de pagamentos e que permitem a regularização de bens não-declarados no exterior.

Levy tomou a atitude atípica de liderar negociações com o Congresso, apesar da resistência pública à austeridade manifestada por alguns quadros do PT de Dilma.

Para as batalhas legislativas, Levy provavelmente continuará tendo o apoio da presidente, que sabe que precisa da ajuda dele junto a investidores.

"Levy personifica a pouca credibilidade que o Brasil ainda tem nos mercados", afirmou o estrategista político Thiago de Aragão, da Arko Advice, que trabalhou brevemente para o governo no início deste ano.