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Rompimento de barragem expõe falhas em departamento de mineração decrépito

27/11/2015 16h54

Por Stephen Eisenhammer e Anthony Boadle

BELO HORIZONTE/BRASÍLIA (Reuters) - Com janelas emperradas, paredes mofadas e pilhas de papéis onde se esperavam computadores, o escritório do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) do Brasil diz muito sobre a regulamentação da indústria de mineração do país.

O escritório estadual do órgão federal, na capital do Estado de Minas Gerais, rico em minério, é a base de uma equipe de inspetores que deve examinar criteriosamente minas como aquelas próximas de uma barragem se rompeu em 5 de novembro, derramando rejeitos de mineração ao longo de 800 km até o Oceano Atlântico.

Com equipe e orçamento reduzidos por causa das longamente atrasadas mudanças nas leis de mineração do Brasil, a agência agora está sob ataque por falhar em prevenir o desastre, que matou ao menos 13 pessoas e deixou mais 11 desaparecidos.

Embora nenhuma causa tenha sido determinada para a ruptura na mina da Samarco, propriedade das companhias de mineração multinacionais Vale e BHP Billiton, promotores alegam que as raízes estão na negligência do licenciamento e regulamentação frouxa.

"O departamento tem os recursos para fazer o trabalho?" pergunta Carlos Eduardo Pinto, o promotor do Estado que está liderando a investigação sobre o desastre, antes de responder sua própria pergunta. "Você só precisa olhar para os escritórios para saber."

Legisladores e especialistas em mineração dizem que o estado abatido do departamento tem a ver com a reestruturação longamente adiada do chamado "código de mineração" no Brasil, a estrutura regulatória da indústria.

O código, parado no Congresso desde 2013, em teoria criaria um novo e mais bem financiado órgão regulador. Na prática, no entanto, a lei fracassou por causa de desentendimentos sobre royalties e direitos de exploração.

Como resultado, a verba para o órgão existente, conhecida como DNPM, estagnou mesmo com os lucros da mineração no Brasil disparando em anos recentes.

Após o rompimento da barragem, a presidente Dilma Rousseff autorizou recursos de emergência de 9 milhões de reais para a agência aumentar as inspeções em Minas Gerais ao longo do próximo ano.

O número apequena a quantia que havia sido alocada para o DNPM anteriormente.

Nos primeiros dez meses do ano, a agência gastou 1,3 milhão de reais em regulamentação, de acordo com o Ministério de Minas e Energia. Isto por sua vez, foi menos do que a metade dos 3,6 milhões de reais investidos em todo o ano de 2014.

Até 2010, as barragens utilizadas para armazenar rejeitos do processo de mineração não tinham sido reguladas independentemente no Brasil.

Naquele ano, no entanto, o governo designou ao DNPM, que havia gerenciado principalmente os direitos de exploração e o cálculo de royalties, a responsabilidade adicional de monitorar as barragens.

"Não recebemos nenhum dinheiro extra para fazer isso", disse Paulo Santana, um ombudsman da agência.

Um estudo conduzido pela Agência Nacional de Águas do Brasil descobriu que entre 2013 e 2014 o DNPM inspecionou somente 15 por cento das 663 barragens registradas. Somente 153 dessas barragens tinham um plano de contingência em caso de ruptura, disse o relatório.

A barragem da Samarco não havia passado por inspeção desde 2012, de acordo com o Ministério de Minas e Energia, que supervisiona o DNPM.

No fim do ano passado, a agência criou uma equipe de inspetores especializados em barragens.

De acordo com Santana, o ombudsman, o grupo até agora tem somente quatro inspetores para todo o país, mas um porta-voz do ministério disse que autoridades de outros locais dentro da agência também conduzem inspeções.

Na sede nacional do DNPM em Brasília, a equipe também está instável. O chefe da agência, Celso Luiz Garcia, deixou o cargo de maneira inesperada na semana passada, alegando problemas de saúde.

Agências correspondentes em outros grandes países mineradores parecem ser muito mais aparelhadas.

Na província canadense da Columbia Britânica, oito engenheiros inspecionam cada uma das 68 barragens de rejeitos pelo menos uma vez ao ano. O estado da Austrália do Sul, na Austrália, tem oito inspetores do governo para 17 barragens de rejeitos.

LOBBY E DOAÇÕES PARA CAMPANHAS

Somente as inspeções não conseguem garantir a segurança.

Após uma barragem ter se rompido na Columbia Britânica no ano passado, investigadores disseram que os reguladores haviam cumprido com suas obrigações e que o acidente ocorreu por uma falha nas fundações que nenhuma inspeção teria descoberto.

As empresas de mineração alegam que ninguém conhece suas barragens melhores que elas, ou tem mais em jogo para mantê-las a salvo do que elas. Considere os bilhões de reais em multas e custos de limpeza que a Samarco deve pagar por causa do desastre recente.

O Ministério de Minas e Energia do Brasil parece concordar. O órgão diz que o papel do DNPM é apenas complementar a autorregulamentação feita pelas companhias e o licenciamento de projetos pelo Estado e organismos ambientais.

Mas grupos de fiscalização dizem que um regulador forte é necessário para fornecer uma voz objetiva e focada exclusivamente em segurança.

"Se você deixa as companhias fazendo isso sozinhas, o custo será, em último caso, o fator dirigente", disse David Chambers, um geofísico que lidera o Centro para Ciências e Participação Pública, com sede nos EUA, um grupo de consultoria sobre problemas ambientais relacionados à mineração.

Advogados dizem que reguladores independentes são cruciais por causa dos fortes laços que as empresas de mineração, como muitas indústrias, algumas vezes forjam com as autoridades eleitas através de lobby, doações de campanha ou a importância absoluta de seus negócios para a economia local.

Em Minas Gerais, os críticos apontaram para os financiamentos da Vale para a recente campanha de Fernando Pimentel, o governador do Estado e um ativista para a aceleração das licenças para minas. De acordo com registros eleitorais, a Vale e as subsidiárias doaram 3,1 milhões de reais para a campanha de Pimentel, ou 6 por cento do total.

Duarte Júnior, prefeito de Mariana, a cidade mais próxima da barragem rompida, disse que 80 por cento da receita de prefeitura vem da mineração. Ambos Pimentel e Júnior têm sido cautelosos para não criticar as companhias pelo desastre.

Enquanto isso, críticos contrastam a riqueza da indústria com o apertado orçamento dos reguladores.

O escritório do DNPM em Belo Horizonte está tão esfarrapado que a brigada de incêndio local quase o fechou nos últimos anos.

"O prédio não era seguro", disse o congressista Leonardo Quintão, o parlamentar por trás do código de mineração há muito pendente. "O departamento está sucateado".

(Por Stephen Eisenhammer e Anthony Boadle; reportagem adicional por Sonali Paul, Nicole Mordant e Alonso Soto)