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Análise: Controlar preço de combustíveis não resolve crise e é retrocesso

Luiz Cláudio Barbosa/Código 19/Estadão Conteúdo
Imagem: Luiz Cláudio Barbosa/Código 19/Estadão Conteúdo

Luciano Costa

De São Paulo

25/05/2018 19h19

Um controle dos preços do diesel até dezembro proposto pelo governo do presidente Michel Temer após o protesto de caminhoneiros contra a alta dos combustíveis não será a solução para a crise e pode impactar negativamente planos da Petrobras, além de desperdiçar recursos públicos e gerar distorções no mercado.

A Petrobras divulgou na noite de quarta-feira (23) uma redução de 10% e um congelamento nos preços do diesel por 15 dias, enquanto na quinta-feira o governo anunciou um acordo para tentar encerrar os bloqueios de estradas que prevê que eventuais reajustes do combustível até o final do ano aconteçam a cada 30 dias.

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Embora o governo tenha prometido criar uma subvenção para bancar eventuais custos da Petrobras com os congelamentos, dado que antes a companhia vinha praticando reajustes diários, as ações da petroleira já perderam cerca de 15% desde que as medidas foram anunciadas.

A elevação do diesel foi puxada nas últimas semanas por uma desvalorização do real e pela alta do petróleo no mercado internacional, fatores que não estão sob controle direto do governo, enquanto boa parte do custo do insumo nos postos deve-se a impostos e tributos.

"Essa solução de o reajuste passar de diário para mensal é uma falsa solução, porque se na hora de ajustar precisar dar uma 'porrada' tem problema do mesmo jeito... não tem mágica. Tem que entender que o petróleo é uma coisa cara, diesel é caro. A gente pode fazer algumas coisas para baixar, que é nos impostos, não tem outra solução", disse à Reuters o professor do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE-UFRJ), Edmar de Almeida.

O governo já disse que poderá editar um decreto para zerar uma contribuição incluída no custo do diesel, a Cide, desde que seja aprovada uma lei que prevê a reoneração da folha de pagamento de diversos setores. Também há um movimento no Congresso para isentar o diesel de PIS e Cofins, mas a Fazenda tem dito que é preciso encontrar novas fontes de receita antes de seguir por esse caminho.

Para o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), houve um grande erro do governo ainda em julho do ano passado, quando decidiu-se aumentar o PIS/Cofins de gasolina e diesel para gerar uma maior arrecadação mesmo em um momento em que já havia expectativas de valorização do petróleo no mercado internacional.

"Se eles entendessem do mercado de petróleo, não subiriam imposto com o preço subindo. Ou subiriam a Cide, que é uma contribuição e você pode baixar rapidamente por decreto se o petróleo disparar... a atitude tomada foi de retrocesso... a mensagem é muito ruim, é de controle de preços", afirmou.

Ironicamente, os contratos futuros do petróleo negociados nos Estados Unidos caíram quase 5% nesta semana, em meio a discussões entre a Arábia Saudita e a Rússia sobre a possibilidade de amenizar os cortes de oferta que ajudaram a impulsionar os preços da commodity para suas máximas em mais de três anos recentemente.

O dólar, que também influencia as cotações dos combustíveis pela Petrobras, também recuou levemente desde o início dos protestos, na última segunda-feira.

"Se o preço do mercado internacional cai, a Petrobras vai ficar durante um mês vendendo a preço mais elevado? O que acontece, ela perde mercado? Ou é o contrário, durante um período ela vende abaixo do mercado e os outros (concorrentes) não podem entrar", apontou Almeida, da UFRJ, para quem as medidas do governo ameaçam "desorganizar o mercado".

Além disso, um controle de preços tende a assustar compradores em potencial das refinarias que a estatal quer vender dentro de seu plano de desinvestimentos para reduzir a enorme dívida.

Política cara

As promessas do governo também embutem um risco de elevados custos aos cofres públicos, ainda mais no caso de uma disparada do petróleo. O Ministério da Fazenda estima que a compensação a ser feita pelo Tesouro à Petrobras pelo congelamento mensal de preço pode consumir R$ 700 milhões por mês, ou R$ 4,9 bilhões até o final do ano.

O sócio-diretor de governo e regulação da KPMG, Diogo Mac Cord, critica o "imediatismo" da proposta do governo em meio à crise.

"Era melhor cortar o mal agora e mostrar que a conta não fecha... em um ano inteiro, (o congelamento) custaria R$ 10 bilhões, estamos falando em quase 10% do orçamento da educação para subsidiar combustível", afirmou.

O orçamento do governo federal para educação em 2018 é de R$ 105,4 bilhões.

Ele ainda apontou um paralelo com uma tentativa do governo da presidente Dilma, a partir de 2012, de controlar os preços da energia elétrica com renegociações de contratos da estatal Eletrobras e aportes do Tesouro.

As tarifas de energia caíram 20% em 2013, mas dispararam mais de 50% em 2015, mesmo após injeções bilionárias do Tesouro no setor, e devem ter reajustes de dois dígitos neste ano.

"Você parte de um objetivo nobre, que é diminuir o preço de um insumo fundamental, mas busca soluções fáceis e de curto prazo que no longo prazo não fazem sentido, sem observar o problema estrutural", afirmou Cord.

No início da noite desta sexta-feira, após o governo anunciar medidas mais fortes para liberar as rodovias, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, afirmou que o governo espera alcançar rapidamente a normalização do abastecimento no país, prejudicado pelos protestos, uma vez que, segundo ele, está caindo a taxa de interdições nas rodovias por caminhoneiros.

Mais cedo, a Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para o desbloqueio imediato de estradas com o uso da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional e das Polícias Militares.