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Entorno de Lula desaprova BC independente, mas ex-presidente modera tom

Entorno de Lula desaprova BC independente, mas ex-presidente modera tom em aceno à estratégia centrista para tentar arrebanhar votos que consolidem seu favoritismo - Amanda Perobelli/Reuters
Entorno de Lula desaprova BC independente, mas ex-presidente modera tom em aceno à estratégia centrista para tentar arrebanhar votos que consolidem seu favoritismo Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

Marcela Ayres, Bernardo Caram e Lisandra Paraguassu

14/02/2022 07h33Atualizada em 14/02/2022 08h47

Enquanto economistas ligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestam oposição à recém conquistada autonomia formal do Banco Central, o atual líder nas pesquisas de intenção de voto à eleição presidencial deste ano dá sinais públicos e privados de moderação sobre o tema, em mais um aceno à estratégia centrista para tentar arrebanhar votos que consolidem seu favoritismo.

Entre ex-ocupantes do alto escalão de governos petistas, integrantes da Fundação Perseu Abramo e conselheiros do ex-presidente, cinco de seis economistas ouvidos pela Reuters rechaçaram o status recém adquirido pelo Banco Central, com vários deles colocando alguma alteração nas regras como necessária, ainda que não num primeiro momento.

Dois interlocutores de Lula da área política, que falaram à Reuters em condição de anonimato, disseram que, de fato, o tema não figura entre as prioridades de Lula.

"Há outras questões que precisam ser tratadas antes. A menos que o BC comece a agir contra o governo, o que não acho que vá acontecer, a independência não é uma questão a ser tratada imediatamente" disse uma das fontes.

O próprio ex-presidente deu pistas dessa postura em janeiro, quando, em entrevista a sites independentes, amenizou preocupações com o BC independente e disse que tomaria as rédeas da aproximação com o atual mandatário do BC, Roberto Campos Neto. Com a lei de autonomia aprovada no ano passado, Campos Neto permanecerá no cargo por mais dois dos quatro anos do novo governo.

"As pessoas colocam obstáculos no tal do Banco Central independente. Esse Banco Central tem que ter compromisso com o Brasil, não comigo", disse Lula.

"'Ah, ele vai ter meta de inflação'. Vamos colocar meta de emprego e crescimento também, vamos comprometer com alguma coisa positiva. E quem tem que chamar o cara para conversar sou eu, eu não conheço, mas a hora que eu ganhar 'vem cá, vamos conversar um pouquinho, vamos discutir o Brasil', numa boa", acrescentou.

Com a aprovação da autonomia, a missão institucional do BC já foi modificada para contemplar, além do objetivo principal de assegurar a estabilidade dos preços, uma melhora nos níveis de emprego e redução nas flutuações econômicas.

Mas o ex-sócio do banco Pactual e fundador da gestora Brasil Plural, Eduardo Moreira, apontou que a alteração não mudou a atuação e os comunicados da autoridade monetária. Para ele, isso atestaria sua ineficácia e desconexão com a realidade do país, que caminha para um ano de baixo crescimento econômico e inflação acima da meta em meio ao mais agressivo ciclo de aperto monetário do mundo.

Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp e membro do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas da Fundação Perseu Abramo, afirmou que a autonomia pode atrapalhar a coordenação de políticas macroeconômicas, sendo importante que o BC atue alinhado ao governo, se guiando por um projeto de desenvolvimento.

A professora do Instituto de Economia da UFRJ Esther Dweck é outra crítica do modelo. "Sou totalmente contra essa lógica de autonomia do Banco Central porque não existe fazer política fiscal e monetária de forma independente, isso só atrapalha, você acaba tendo que aumentar a dose das duas, é o pior dos mundos, fica num jogo nocivo para a economia", disse a economista, que foi chefe da assessoria econômica e secretária de Orçamento do Ministério do Planejamento no governo Dilma Rousseff.

Para além das ressalvas às regras que asseguram a independência da autoridade monetária, Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, pontuou que, em contraposição à atual visão de intervenções no mercado cambial apenas em casos de disfuncionalidade, o BC deveria fazer política de estabilização do dólar, contando para isso com os quase 360 bilhões de dólares de reservas internacionais que o país dispõe.

O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fez coro, opinando que o BC deveria ter impedido a desvalorização exagerada do real, que impactou a inflação de dois dígitos no país. Para ele, o BC fez bem em reduzir juros para estimular a economia no auge da pandemia, baixando "até demais" a taxa Selic, e agora estaria "exagerando na dose" do aperto monetário.

"Se a política fiscal for em uma direção e a monetária for na outra, é como você dirigir um carro com o pé no freio, não dá certo", afirmou, ressaltando que espera bom senso do presidente do BC em eventual gestão do PT.

Apenas o ex-ministro da Fazenda e Planejamento Nelson Barbosa afirmou que a independência do Banco Central não precisa ser alterada, e que pode ser administrada dentro das regras usuais da política econômica.

"Não acho que será um grande problema numa eventual volta do Lula", disse.