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Venezuelanos correm para gastar dinheiro antes do corte de 6 zeros na moeda

Consumidora observa preços das carnes em um mercado em Caracas, na Venezuela - Federico Parra/AFP
Consumidora observa preços das carnes em um mercado em Caracas, na Venezuela Imagem: Federico Parra/AFP

Por Elianah Jorge

Correspondente da RFI Brasil em Caracas

09/08/2021 08h03Atualizada em 09/08/2021 08h40

Ansiosos, os venezuelanos correm para usar as atuais notas de bolívar antes da conversão monetária que entrará em vigor em primeiro de outubro. A movimentação é perceptível sobretudo no comércio de alimentos.

Ela foi motivada após o BCV (Banco Central da Venezuela) anunciar na última quinta-feira (5) o corte de seis dígitos na moeda nacional, que passará a ser chamada de bolívar digital.

Também está prevista a impressão de cédulas com novos valores. Desde 2008 até agora o governo bolivariano implementou três conversões monetárias e ao todo o bolívar já perdeu 14 zeros.

De acordo com o BCV, o bolívar digital irá facilitar o uso de "uma versão moderna da moeda" em transações diárias para que os cidadãos tenham "maior conexão" com a moeda venezuelana.

Para o lançamento serão emitidas as notas de 5, 10, 20, 50 e 100 do bolívar digital.

A população, aflita, corre para usar as atuais notas da moeda venezuelana tendo em vista que em outubro o atual dinheiro, o bolívar soberano, perderá grande parte de seu valor.

A moeda nacional já teve diversos sobrenomes. Primeiro foi apenas bolívar, em seguida bolívar forte, mais recentemente, bolívar soberano, e agora passará a ser chamada de bolívar digital.

Com dezenas de notas da atual moeda venezuelana é possível comprar, por exemplo, um quilo de arroz, que custa cerca de cinco milhões de bolívares. O povo prefere usar o dinheiro para comprar comida em vez de depositá-lo no banco, temendo perder poder de compra após a conversão.

Pobres milionários

A Venezuela há tempos é um país de pobres milionários. Os preços da maioria dos produtos superam o valor de milhões de bolívares. O mesmo acontece com o salário mínimo, que atualmente vale sete milhões de bolívares, cerca de 1,75 dólares (ou R$ 8,75), porém os preços dos produtos superam em muito este valor.

Por aqui todos ganham milhões de bolívares, mas isso não quer dizer que a população tenha alto poder aquisitivo. Muito pelo contrário. Muitos venezuelanos sequer conseguem comprar a cesta básica.

Cerca de 96,2% da população vive na pobreza e 79,3% estão em situação extrema, de acordo com levantamentos da Encovi, a Pesquisa Nacional de Condições de Vida, que mostra dados de 2019-2020.

Os serviços de eletricidade ou de fornecimento de água, sobretudo em estabelecimentos comerciais, apresentam valores em bilhões de bolívares.

Outro problema gerado por tantos zeros na moeda venezuelana é que o mostrador de calculadoras ou de caixas dos comércios já não comportam tantos dígitos. É complicado fazer contas no país comandado por Nicolás Maduro.

Há poucos meses entraram em circulação as notas de 500 mil, um milhão e de dois milhões de bolívares. O uso delas é quase exclusivo no transporte público.

Real brasileiro circula na Venezuela

Não há notas de bolívares o bastante para fazer pagamentos de tão alto valor no cotidiano. Em substituição, a moeda usada na maioria dos pagamentos, ainda que não seja a oficial, é o dólar.

Também outras moedas estrangeiras são usadas em substituição ao bolívar. Na cidade de Santa Elena de Uairén, no sul da Venezuela, o real brasileiro substituiu a moeda venezuelana.

A população busca informações para evitar confusões por causa do corte de zeros atrelado à conversão monetária.

Em comunicado o BCV, anunciou que "todo valor monetário e aquele expressado em moeda nacional será dividido entre um milhão".

Outro fator de desconfiança é se a reconversão resolverá o surgimento de novos zeros atrelados aos preços como consequência da galopante inflação.

A medida visa "facilitar o uso da moeda proporcionando uma escala monetária mais simples", de acordo com o comunicado do BVC.

A população esperava o corte dos seis zeros para a segunda quinzena de agosto. Porém esse adiamento da entrada em vigor da nova moeda servirá para a emissão de novas cédulas com os valores atualizados com a conversão.

Moedas voltam a circular

Outra novidade será o retorno das moedas para uso na Venezuela. Há anos não circulam moedas no país. O valor delas ficou defasado ao não conseguir acompanhar o acelerado ritmo da hiperinflação. Entre janeiro e maio deste ano a inflação foi de 264,8%, segundo o BCV. Já a inflação acumulada chegou a 2.959,8% em 2020.

Para analistas econômicos, o corte dos zeros no bolívar já era esperado e vai facilitar na hora de fazer as contas, mas isso não significa que a hiperinflação chegará ao fim.

De acordo com José Guerra, economista e deputado da Assembleia Nacional eleita em 2015, a nova reconversão anunciada pelo Banco Central é "uma maquiagem" porque "não diminuirá a inflação".

O opositor Omar González Moreno afirmou que o bolívar digital será uma "gigantesca fábrica de pobres". Para ele, a nova moeda significa "a continuação de outro fiasco econômico", em referência aos infrutíferos planos aplicados pelo governo na tentativa de recuperar a força da moeda venezuelana.

Outros economistas concordam, afirmando que deter a desvalorização do bolívar está mais atrelado a outras medidas econômicas que apenas cortar zeros da moeda nacional.

Assim a implementação do bolívar digital, sem os seis dígitos, seria uma medida paliativa que não impediria o reaparecimento dos zeros na moeda em consequência da hiperinflação venezuelana, uma das mais longas do continente e da história moderna.