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'Lulistas' criticam gestão da crise na Petrobras e políticas de Dilma

05/02/2015 17h20

Em meio às denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras, integrantes do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticaram publicamente a demora da presidente Dilma Rousseff em trocar o comando da estatal, feita somente na quarta-feira com a renúncia da presidente, Graça Foster, e de cinco diretores da companhia. Para lulistas, Dilma deveria ter atuado de forma exemplar diante da gravidade do escândalo.

Integrantes do governo Lula atacaram também a atual política econômica e reclamaram do fato de Dilma ter adotado medidas que havia criticado durante a campanha eleitoral de 2014. O tom crítico de lulistas à gestão Dilma marcou o debate sobre o livro "Cartas a Lula - o jornal particular do presidente e sua influência no governo do Brasil", do jornalista e professor aposentado da USP Bernardo Kucinski.

Reunidos na noite de quarta-feira (4) no auditório da Livraria Cultura, na capital paulista, Kucinski, ex-assessor da Secretaria de Comunicação Social (Secom), o jornalista Franklin Martins, ex-ministro-chefe da Secom e o cientista político e professor da USP André Singer, ex-porta-voz de Lula, listaram uma série de reclamações ao comparar as ações do governo Lula, do qual participaram, com as medidas tomadas por Dilma.

"A presidente deveria ter demitido todo o comando da Petrobras e ter feito o exame completo do que aconteceu", disse Kucinski.

Na mesma linha, André Singer afirmou que a presidente já deveria ter alterado a direção da estatal. "Demorou porque é um escândalo excepcionalmente grande, de dimensões maiores do que aqueles que temos assistido no Brasil. Mesmo que seja como uma medida simbólica, uma vez que tenho a impressão de que a presidente Graça Foster é uma pessoa absolutamente honesta e não tem nenhum comprometimento com esses desvios, acredito que essa mudança deveria ter sido feita antes, mesmo como medida simbólica, no sentido de dar conta da gravidade da situação", declarou Singer ao Valor PRO (serviço de notícias em tempo real do Valor), após o debate.

O ex-ministro Franklin Martins reforçou: "Demorou e evidentemente isso tem um preço", disse. "É difícil a demissão de uma pessoa próxima, ainda mais de pessoa íntegra, correta. Mas muitas vezes na política você é obrigado a demitir amigos e pessoas corretas", afirmou. "Mas agora [ela] tomou a decisão. O importante é que tomou", disse Franklin, evitando polêmicas com Dilma.

Política econômica

Durante o debate os ex-integrantes do governo Lula deixaram claro a insatisfação com a gestão Dilma e apontaram os erros na articulação política e na condução da política econômica, comandada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Dilma ganhou a eleição de 2014 ao condenar medidas na área econômica que agora está tomando, reclamaram os lulistas.

"O ex-presidente Lula, na Carta ao Povo Brasileiro, deixou explícito um certo compromisso com medidas econômicas que ele viria a tomar. A presidente Dilma optou por um caminho que ela havia explicitamente condenado na campanha", disse o ex-porta-voz de Lula. "Essa incongruência representa um problema tanto para o desdobramento do atual governo tanto para a consolidação de uma cultura política mais consistente e mais organizada dentro da democracia brasileira", completou Singer. "Dilma deveria ter feito outro tipo de campanha ou deveria explicar de maneira transparente o motivo de tomar determinadas decisões que a campanha dela não permitia esperar."

Mediador do debate, o historiador Gilberto Maringoni (PSOL) citou uma frase dita pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello quando assumiu o comando do país. "Collor disse que deixaria a direita indignada e a esquerda perplexa. Dilma está deixando a direita perplexa e a esquerda indignada", afirmou. Candidato derrotado ao governo paulista em 2014, Maringoni disse ter defendido o apoio do PSOL à presidente Dilma na eleição passada e afirmou que não há justificativa para as mudanças na área econômica adotadas pela presidente em seu segundo mandato.

"Quando Lula assumiu em 2002 tinha herdado uma herança maldita e ele avisou antes, com a Carta ao Povo Brasileiro, o que faria. Já a Dilma prometeu desenvolvimento e continuidade das conquistas e está fazendo o que havia criticado na campanha de Marina Silva [PSB]. No que a vitória se transformou?", disse Maringoni.

"Dilma começou mal ao levantar uma bandeira e depois pegar a bandeira do adversário", reclamou Kucinski, também com críticas à política econômica. "Isso chocou muita gente."

Franklin disse que "queria estar mais satisfeito" com a sucessora de Lula. "Não estou nem um pouco satisfeito, mas não é porque Dilma mudou de lado. Não acho que ela mudou de lado. Ela pode estar batendo cabeça. Se comunica muito mal. E qual é a prioridade?", disse Franklin. "Para onde vamos?", questionou. O ex-ministro afirmou que muitos eleitores de Dilma estão "perplexos" e disse que a presidente precisa "conversar mais, ouvir e não só falar". "Espero que venha a fazer", disse.

O ex-porta-voz de Lula criticou as concessões "de um governo popular a um programa neoliberal" feitas pela presidente Dilma e colocou em xeque o "lulismo". "É muito preocupante esse conjunto de concessões feitas depois de 10 anos do lulismo. A expectativa era de que o lulismo produzisse uma mudança na correlação de forças políticas, que tornassem desnecessárias essas concessões. Qual é o sentido do lulismo? O que estamos construindo?", questionou Singer.

Ao falar sobre a recente derrota do governo federal na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, com a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o cientista político evitou falar em uma crise de governabilidade nos próximos meses.

"Não quero dar à eleição do presidente da Câmara uma importância maior do que ele tem. Sem dúvida é um acontecimento significativo, no começo do governo, que coloca em pauta o caráter fragmentado do PMDB, com uma parte da bancada menos leal ao governo, e uma liderança muito agressiva [Eduardo Cunha] que já demonstrou decisão suficiente para afrontar diretamente o governo", analisou Singer. "Não há uma crise de governabilidade, mas é uma situação que tem de ser administrada pelo governo."