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Moro refuta condição de ídolo e admite que não acerta sempre

09/04/2016 02h30

O juiz Sergio Moro, titular dos autos da Operação Lava-Jato, em Curitiba, avaliou que o único caminho na Operação Lava-Jato é seguir em frente até que todas as questões sejam resolvidas e que uma reação política contrária às investigações pode prejudicar o país. Segundo ele, o Brasil vive um quadro de corrupção sistêmica, que só será resolvido quando tudo for apurado e julgado.

"Essa operação tem sofrido ataques severos, mas quero dizer que não resta alternativa a não ser seguir em frente para que essas questões sejam resolvidas", afirmou Moro, durante palestra na Universidade de Chicago em evento organizado pela Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior (BRASA).

Ele fez uma comparação com o ocorrido na Operação Mãos Limpas, na Itália, na década de 1990. Moro lembrou que, nos primeiros dois anos, foram presas cerca de 800 pessoas. "Claro que não existe competição, mas estamos muito aquém desse número", comparou. "E a Operação Mãos Limpas teve impacto na vida política italiana", continuou o magistrado, lembrando que os dois principais partidos daquele país desde o pós-guerra, a democracia cristã e o socialista, chegaram ao fim e foram substituídos por políticos que "não tinham muito apreço pelo Estado de Direito" - caso do ex-primeiro-ministro Sílvio Berlusconi.

De acordo com Moro, a Itália passou a aprovar leis, na década de 1990, para restringir a atuação de procuradores e da polícia federal. O juiz citou um decreto - equivalente a uma medida provisória italiana - que impediu a prisão preventiva de políticos e levou à soltura de mais de 300 pessoas. O decreto foi publicado no dia em que a Itália jogava a semifinal da Copa do Mundo de 1994. "E o mais grave: o governo sinalizou aos investigados que não apoiava as investigações e o trabalho da polícia. Conheci dois promotores italianos e eles disseram que, a partir de então, cessaram as operações."

O juiz fez essa comparação para alertar sobre o que pode acontecer no Brasil. Para ele, o país pode ter ganhos duradouros a partir da apuração feita pela Lava-Jato ou não. "Mas é evidente que não há de se culpar os magistrados. Eles trabalharam para que as coisas fossem diferentes. O grande problema foi a reação política."

Segundo Moro, é importante que cidadãos, empresários e políticos atuem para que os casos de corrupção apurados na Lava-Jato não mais se repitam. "Não vamos conseguir aprofundar o nosso Estado de Direito pelo nosso sistema de Justiça. O que é importante é que nós, os cidadãos, nos mobilizemos para que esses casos não se repitam ou pelo menos para que isso seja consolidado no Brasil de uma forma que não haja retorno à situação anterior, como muitos pretendem."

Moro negou a condição de ídolo na Operação Lava-Jato e criticou o que aponta como cultura do sebastianismo no país, que espera um salvador para resolver as mazelas da nação.

"Eu acho que existe uma focalização equivocada na minha pessoa", disse o juiz ao ser elogiado por um aluno. Moro ressaltou que a investigação é feita por vários procuradores e por muitos integrantes da Polícia Federal. "Eu sou juiz de 1ª instância e há os magistrados de 2ª instância, do Superior Tribunal de Justica (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), que, além de atuar como revisor, atua nos casos da competência originária deles para pessoas com foro privilegiado. Então, há uma focalização na minha pessoa que não acho positiva. É um trabalho institucional. Não é um indivíduo. Isso acho que faz parte da nossa cultura messiânica, de Dom Sebastião, que não acho muito positivo."

Moro acrescentou ainda que não é ele quem pauta os jornais. Ele explicou que tornou públicos os autos do processo e que os jornalistas buscam os documentos sem sigilo e escrevem as suas próprias reportagens. "Não sou eu que pauto os jornais", enfatizou. "Mas como eu sou o juiz, há uma certa personificação. E tem que se tomar cuidado."

O juiz admitiu que as investigações provocaram forte instabilidade política no país, mas ressaltou que não dá para esconder os problemas de corrupção embaixo do tapete.

"A Lava-Jato tem trazido impactos significativos. Alguns falam até em impactos econômicos. Não sei o alcance, mas inegavelmente há instabilidade política decorrente da investigação", disse.

Para ele, o país terá que fazer escolhas sobre como agir diante das revelações. "Na minha perspectiva, não temos condições de varrer esses problemas e a corrupção para baixo do tapete. Se não lidarmos com esses problemas, poderemos ter que enfrentá-los no futuro e de maneira ainda maior."

Moro negou que a corrupção faça parte da cultura brasileira. "O quadro de corrupção sistêmica não faz parte da nossa natureza, não é uma doença dos trópicos ou coisa que o valha. Mas não existe a alternativa de não enfrentar esses problemas. Seria moralmente inaceitável."

O juiz aproveitou para responder às críticas à sua atuação. "A respeito da questão da instabilidade política, temos que deixar uma coisa clara: o juiz é diferente do político. Ele profere a decisão com base na lei, nos fatos e não tem outra alternativa a não ser decidir dessa forma. A minha preocupação é decidir de acordo com o que está no processo. Eu não posso decidir pensando no impacto político do meu julgamento. Se a decisão tem impacto político é porque, claro, políticos estão envolvidos. Mas o juiz não pode decidir pensando no impacto político que isso possa ter."

Moro também aproveitou a conversa com estudantes brasileiros que moram no exterior para fazer um desabafo. "O meu trabalho é muito erroneamente desqualificado", disse. "Eu não sou investigador. Eu julgo e decido a partir de pedidos que vêm do Ministério Público e da Polícia. Eu não acerto todas as decisões e posso cometer os meus erros, mas eu sempre decido com a pretensão de correção das minhas decisões de acordo com a própria lei. Eu não posso levar em consideração questões políticas e partidárias quando profiro minhas decisões."

De acordo com ele, a melhor forma de tratar essas decisões "é fazer com transparência". Por isso, os autos do processo podem ser consultados por jornalistas e cidadãos. As partes do processo sem sigilo ou confidencialidade podem ser lidas.

Moro afirmou ainda que a Justiça Criminal não vai resolver os males do Brasil. Para ele, a sociedade não pode apostar num único salvador - um dom Sebastião. O que poderia ocorrer é o país reconhecer os frutos da investigação e trabalhar para superar os males da corrupção no setor público e privado.

"O principal é as pessoas terem ciência de que a Justiça tem as suas limitações. A Justiça Criminal é muito preocupada em evitar a condenação de um inocente. A prova precisa ser categórica. E quanto mais complexo o crime, mais difícil chegar a esse tipo de prova. Então, alguns indivíduos vão ser identificados e com eles vai se provar uma culpa acima de qualquer dúvida razoável, mas isso não é suficiente para debelar o fenômeno da corrupção sistêmica."

Moro acrescentou que a inciativa privada tem o seu papel e mencionou que empresas devem atuar firmemente em programas de compliance para evitar práticas de pagamento de propina.

"A política vai sofrer no curto prazo", continuou o juiz, referindo-se às consequências da operação sobre a classe política. "Mas devemos pensar no longo", insistiu. "Eu não sou economista. Mas o investidor externo, talvez, se veja relutante de investir num país em que haja prática generalizada de cobrança de propina. Ele se vê mais confortável de investir onde não haja propina."

Moro foi convidado pela Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior (BRASA) para dar uma palestra na Universidade de Chicago. Ao final da palestra, ele disse que se sente incomodado com a fama adquirida por ser o juiz da Lava-Jato. "A minha única pretensão, ao final desse caso, é o de tirar longas férias."