Correio privado é melhor?

Após escândalos e prejuízos, governo decide privatizar estatal; entenda prós e contras

Luma Poletti Colaboração para o UOL, em Brasília Paulo Pampolin/Hype

O governo incluiu oficialmente os Correios no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) nesta semana e deu mais um passo no sentido de desestatizar a companhia.

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) teve seu passado recente marcado por episódios de corrupção. Em seu balanço, apresentou resultados negativos seguidamente em 2013, 2014, 2015 e 2016, voltou a recuperar o fôlego em 2017 e, desde então, vem apresentando dados positivos.

Afinal, o que está em jogo quando se fala em privatizar os Correios e tirar das mãos do Estado o monopólio do serviço postal no país? Veja, a seguir, qual a situação atual da empresa, que caminhos podem ser adotados para a desestatização e os impactos positivos e negativos que esta mudança pode ter para o Brasil.

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    Antiga e gigante

    A história do serviço postal no Brasil tem origem nos tempos da colônia portuguesa, mas a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos só foi criada em 1969, como uma companhia pública vinculada ao Ministério das Comunicações.

    Hoje, os Correios são vinculados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Com a redução no envio de cartas, a empresa diversificou suas atividades, como mostram os números do Relatório Integrado de 2018 da estatal:

    • Os Correios estão em 100% dos municípios
    • 41% dos municípios são atendidos pelo Banco Postal
    • Mais de 1 milhão de encomendas são entregues por dia
    • Estatal tem 25 mil veículos próprios
    • Há mais de 11,7 mil agências de atendimento
    Júnior Lago/UOL

    Cartas em baixa

    Com a disseminação de novas tecnologias, como email e redes sociais, a redução no envio de cartas é uma tendência mundial.

    O último relatório integrado dos Correios mostra que, desde 2005, mais de 100 bilhões de correspondências deixaram de ser postadas em todo o mundo. Em países desenvolvidos, essa redução tem sido de 2% ao ano.

    Por aqui, houve uma queda de cerca de 10% no número de cartas enviadas entre 2017 e 2018.

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    Encomendas em alta

    No entanto, movimento oposto é observado no setor de entrega de encomendas. No primeiro semestre de 2019, o setor de e-commerce cresceu 12%, comparado ao mesmo período de 2018, de acordo com relatório da Ebit/Nielsen. Com o aumento das compras pela internet, as entregas vêm crescendo cada vez mais —inclusive com participação de empresas privadas.

    O serviço postal é exclusividade da União, mas não o setor de entrega de encomendas. Em setembro, por exemplo, a americana Amazon lançou no Brasil o serviço de assinatura Prime, que oferece, entre outros benefícios, frete grátis de produtos.

    Entre 2017 e 2018, a receita dos Correios proveniente do segmento de encomenda e logística ultrapassou o segmento de correspondências, como mostram dados da receita da estatal.

    Arte/UOL Arte/UOL

    O serviço de encomenda, que é o mais rentável, sempre teve concorrência livre. Nós temos milhares de empresas que fazem entregas de encomendas, transportadoras, motoboys, empresas grandes, como Fedex, DHL e tudo mais, porque esse mercado é livre.

    Maria Inês Capelli, Presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP)

    Escândalos de corrupção

    A estatal também foi palco de diversos escândalos de corrupção: desde 2005, com a CPI dos Correios —que foi o estopim do Mensalão—, passando pela operação Greenfield, que, em 2016, investigou desvios em fundos de pensão (incluindo o Postalis, dos Correios).

    Mais recentemente, a operação Postal Off, deflagrada em setembro, apura esquema de fraudes que resultaram em prejuízo de R$ 13 milhões para a estatal. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro citou a operação da Polícia Federal para endossar a proposta de privatização dos Correios.

    "Parabéns à Polícia Federal com sua ação nos Correios. É mais uma prova de que nós devemos afastar o Estado da vida do cidadão, a não ser naquelas coisas perfeitamente essenciais", disse o presidente, em uma cerimônia no Palácio do Planalto.

    JOSE LUCENA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

    Dança das cadeiras

    Em junho, Bolsonaro trocou o comando dos Correios. O general Juarez Aparecido de Paula Cunha, que ocupava a presidência da instituição desde o governo de Michel Temer, foi substituído por Floriano Peixoto Neto (foto), que ocupava a Secretaria Geral da Presidência da República.

    A mudança ocorreu após Bolsonaro afirmar que Juarez agiu como "sindicalista" no Congresso Nacional por criticar uma possível venda da estatal.

    Folhapress

    Processo não é simples

    Segundo a Constituição Federal, cabe à União manter o serviço postal e legislar sobre o setor. Por isso, uma eventual privatização dos Correios precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que requer mais tempo de discussão e votação em dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado.

    Há vários caminhos possíveis para uma privatização. É possível transformar a estatal em uma sociedade de economia mista, com o Estado como sócio majoritário, ou em uma sociedade anônima composta majoritariamente por capital privado, até a privatização completa.

    Para Fabio Pecequilo, sócio da auditoria e consultoria empresarial Mazars, o processo não é simples.

    Quando a gente fala do pacote de desestatização, você tem empresas e empresas. O Correio é a mais complicada das mais complicadas. Eu diria até mais. Além da questão constitucional, você tem também a questão da Previdência dos funcionários dos Correios, que é um dificultador.

    Fabio Pecequilo, sócio da auditoria e consultoria empresarial Mazars

    São 7 fases; Correios está na fase 2

    Segundo a secretária Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, o processo de desestatização é dividido em sete etapas:

    1. Recomendação da Inclusão no Programa Nacional de Desestatização pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos
    2. Inclusão no Programa Nacional de Desestatização por meio de Decreto Presidente da República
    3. Contratação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para realização de estudos para desestatização
    4. Elaboração de estudos pelo BNDES e contratação de consultores, caso necessário
    5. Com estudo pronto, é submetida a modelagem ao conselho do PPI para aprovação ou rejeição. O estudo abrange tanto aspectos econômicos, como jurídicos e trabalhistas e pode apontar diversos cenários, inclusive a inviabilidade da privatização
    6. Com estudos aprovados e alterações na regulação feitas, segue-se o processo de leilão (caso seja essa a decisão do Conselho do PPI) para a Desestatização
    7. Em havendo sucesso no leilão, o ativo é transferido à iniciativa privada

    Muito chão pela frente

    Os Correios ainda estão na fase 2. O decreto foi publicado no dia 16 de outubro. Agora, vem a etapa de estudos dos possíveis modelos a serem adotados. Portanto, ainda não é possível definir um prazo para que o processo seja concluído.

    "O comitê contará com o apoio do BNDES e consultores especializados para avaliar as alternativas, os desenhos possíveis de parcerias e consequências no mundo jurídico para, então, voltar para o Conselho de Ministros e, aí, se ter uma decisão mais clara de como essa parceria será realizada e em quanto tempo", informou a pasta em nota.

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    Municípios podem ficar desassistidos, dizem especialistas

    Os Correios estão presentes em todos os municípios do país. Se passar para a iniciativa privada, uma preocupação é que locais considerados pouco lucrativos não sejam mais atendidos.

    Em agosto, em audiência pública na Câmara dos Deputados, Floriano Peixoto Neto informou que apenas 342 municípios têm "resultado favorável", e que os outros 5.246 são deficitários.

    Segundo Tadeu Gomes Teixeira, professor do curso de Administração da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), localidades que não apresentem retorno financeiro correm o risco de ficar desassistidas.

    Fora da lógica de mercado

    "Numa estatal como os Correios, a sua lógica —e por isso que ela é estatal— é utilizar os recursos obtidos onde há lucro nos municípios para atender os pontos periféricos. O que a empresa capta de recursos nos grandes centros serve para a prestação de serviços em outros territórios, em outras unidades, em outros municípios que não têm lucratividade. Essa é a ideia da universalização do serviço. Se a gente não tem um mecanismo de compensação para a empresa, se for simplesmente pela lógica mercadológica, não tem porque você atender esses municípios", disse o professor.

    Segundo ele, a solução passa por estabelecer contrapartidas para que regiões não fiquem sem serviço e criar uma agência regulatória do setor postal, antes de permitir a entrada desses novos operadores privados.

    Para Fabio Pecequilo, da consultoria e auditoria Mazars, a privatização do serviço implicaria em mudanças operacionais que afetariam as regiões que não são lucrativas. "Se você for pensar no que a iniciativa privada busca, quando você escuta falar de privatização, você escuta falar de mudar operações, de tornar o negócio mais leve. É possível que não teria uma estrutura física de atendimento [tal como hoje]".

    "E o banco postal? E a questão de envio de valores? É um outro ativo que está se falando e, aparentemente, não foi discutido. Se fala numa simplicidade que a questão não tem", disse Pecequilo.

    Tiago Silva/AE

    Como ficam os trabalhadores?

    Em setembro, os funcionários dos Correios paralisaram parcialmente as atividades durante uma semana. Além da reivindicação salarial, também se manifestaram contra a privatização da empresa.

    No caso de uma estatal ser privatizada, o vínculo de emprego dos funcionários continua válido, mas, como a gestão passa para o controle privado, admitir ou demitir funcionários fica a critério exclusivo dos executivos, que tendem a tomar decisões para aumentar o lucro.

    A empresa vem reduzindo seu quadro de pessoal nos últimos anos por meio de programas de desligamento voluntário de empregados.

    Arte/UOL Arte/UOL

    Hoje somos pouco menos de 100 mil em função dos planos de demissão. A nossa preocupação é com o público interno e com o externo, com a própria população e a sociedade, que, queira ou não, vai ficar desassistida com a privatização

    Maria Inês Capelli, presidente da Associação dos Profissionais dos Correios

    As experiências pelo mundo afora

    Arte/UOL Arte/UOL

    Diferentes tendências

    Tadeu Gomes Teixeira se debruçou sobre o assunto em sua tese de doutorado e identificou alguns padrões no processo de transformação dos sistemas postais em diferentes países, em especial na União Europeia.

    "No caso da União Europeia, não foi só uma decisão, foi uma imposição do bloco. As regras do bloco regional fizeram com que os países adotassem medidas no sentido de uma liberalização de seu mercado, isso não só no setor postal mas em todos os setores. Ao mesmo tempo, a maioria dos países caminhou no sentido da privatização no bloco europeu", afirmou o professor da UFMA.

    Segundo ele, a tendência é diferente em alguns países em que a empresa estatal é vista como um representante do Estado em determinados lugares e em que tem um grande contingente de trabalhadores. "Por isso que os Estados Unidos mantiveram uma estatal deficitária e, ao mesmo tempo, companhias privadas em atuação", declarou Teixeira.

    Aliás, os movimentos em direção a uma possível privatização dos Correios não são uma novidade no cenário brasileiro. A primeira tentativa foi feita em 1999, por meio da Nova Lei Postal, apresentada na gestão de Fernando Henrique Cardoso (marcada por privatizações como as da Vale do Rio Doce e da Telebras), mas foi derrotada no Congresso.

    Desafio: convencer a população

    Caso decida levar adiante o processo de desestatização dos Correios, o governo terá que buscar formas de convencer a opinião pública.

    Segundo pesquisa Datafolha divulgada em setembro, o percentual da população que é favorável à privatização de estatais aumentou de 2017 para 2019, mas continua sendo minoria: 67% ainda são contra a venda das empresas, enquanto 25% são a favor. Em relação aos Correios, 60% são contra e 33%, a favor da venda da estatal —a menor rejeição entre as empresas citadas na pesquisa (bancos públicos e Petrobras).

    Eu entendo que esse anúncio dos Correios é muito mais um balão de ensaio. Vamos ver o que pensam a comunidade, a imprensa e especialistas, e quais potenciais grupos ou interessados poderiam adquirir o tipo de ativo.

    Fabio Pecequilo, Sócio da Mazars, auditoria e consultoria empresarial

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